(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

27.9.11

À prova de tempo

  Dizem as más linguas que me supervisionaram a infância ( desculpa mãe, desculpa mana…) que eu tinha o estranho hábito de, por volta da hora do jantar, desaparecer misteriosamente..
   Mas deixem-me situar-vos nos tempo e no espaço: toda a família passava grande parte das férias de Verão a acampar na ilha do Farol. Estavamos em 1977 e eu tinha três anitos apenas. Num belo e quente entardecer (daqueles ainda puros, sem protectores solares nem buracos na camada do Ozono) eu desapareci. Desesperados, pais, irmãos mais velhos e amigos, organizaram buscas que rapidamente termiram por me encontrarem, serena e meditativa, a deleitar-me com o pôr do sol… estava no areal, vestida com a mesmíssima camisa de noite que coloquei na fotografia que acompanha estas palavras! 
  Nos ocasos seguintes, e perante o meu desaparecimento, já ninguém se importava: iam apenas chamar-me às dunas para que fosse sentar-me à mesa a jantar ( chamada que, confesso, me era quase tão místicamente atractiva como a do sol a desaparecer no horizonte).   Durante muitos anos ouvi contar a história da voluntariosa autonomia de uma pirralha de três anos e do seu encantamento pelos quentes ocasos de Verão. E, da mesma forma que esse momento mágico me continua a apaixonar, há algo que permanece junto a mim, como prova viva desses inocentes tempos: a camisa de dormir da menina no baloiço que, trinta e quatro anos depois, continuo a usar de quando em vez, como um tributo aos tempos em que sabedoria me era tão pura e pouco “formatada”.   Uso essa bendita peça de roupa (já não se fazem como antigamente…) que outrora me fazia tropeçar, com a sensação de mininice a entranhar-se-me nos poros e a invadir-me da mais pura e inocente infantilidade que todos deviamos tentar resgatar como se de  um tesouro perdido se tratasse…
  E termino com um pequeno excerto de “O Sol da vIda”:
                 (…)   Tiro estava sentado no degrau. Esperava uma vez mais o pôr-do-sol; esperava a beleza do momento e a sensação de paz e euforia que sempre acompanhava o ocaso quando o desfrutava a sós. Era perfeitamente claro, para ele, que o sublime apenas o atingisse quando estava só, porque apenas aí se reencontrava consigo e com tudo o resto.
 - “ Ainda não estás pronto? “
- “ Mais um que se vai sem magia” – Pensou, enquanto  respondia calmamente, - “Temos muito tempo, anjo.”
 - “ Tempo? Temos tempo? A recepção é daqui a meia hora, e devo lembrar-te que és o convidado de honra!.... Ou dessa parte ainda te lembras? O smoking está preparado lá em cima… Anda lá, amor, despacha-te!”
- “ Será que ela não entende que se este passa, este em concreto, não se vai repetir nunca mais? Pelo menos não com esta brisa quente nem com aqueles laivos de vermelho alaranjado a rasgar o horizonte.”… (…)
  E agora vou ao meu dia… Pode ser que tenha tempo e sabedoria para apreciar o ocaso que este final de dia trará… até porque este em concreto… não se repetirá nunca mais!
Até depois!
Ana Dias

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