(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

20.4.13

Espontâneos


Ontem chegou-me outra, enquanto zumbava sozinha ao som ritmado dos Huecco. As epifanias dão-se numa explosão momentânea de compreensão em que coisas enormes se entendem com uma simplicidade cristalina.
Ali estava eu, a chover suor sobre o chão que me suportava o ritmo, quando o entendimento apareceu.
Tenho andado a vida inteira em busca da verdadeira razão do meu amor por estar sozinha. A luta por este espaço vital, impenetrável e sagrado, é semelhante a uma diária luta pela sobrevivência. Defender o santuário do tempo só meu implica preços, guerras, pactos e perdas. Mas não desisto, ou perder-me-ia de mim.
Desde miúda que me perguntava o porquê de tanto individualismo, rejeição de regras estritas, estruturas rígidas, horários e normalidades instituídas. Desde sempre quis perceber esta urgência de pensar pela minha própria cabeça, de me mover constantemente e construir uma liberdade maior.
Porquê? Porquê esta sede imensa de tanto espaço vital que me impulsiona a fazer tudo sozinha, até a zumba?

O corpo abanava-se em sincronia perfeita com o ritmo. A alma sorria inteira, em sintonia absoluta com a melodia. Não seguia nenhum exemplo. De ninguém. Ia fazendo os exercícios e passos como sempre tento fazer tudo: a sentir a música e deixando-me guiar pela espontaneidade. E então percebi!
A espontaneidade é o mais fiel reflexo da essência de cada Ser. A espontaneidade dos sorrisos e olhares. A espontaneidade dos abraços de coração e das palavras de força. A espontaneidade do "amo-te" que os lábios soltam sem pedir a permissão. A espontaneidade de se pensar como se quer e de se sonhar muito para além do que os sonhos alcançam.
É esta a razão que me faz ser tão necessitada de um enorme espaço vital: a espontaneidade de viver com a essência a comandar a vida.
Fica a questão: só podemos ser espontâneos a sós? Claro que não! Mas é no nosso próprio espaço vital que encontramos o campo de treino perfeito para podermos ser sempre... espontâneos.

Ana Amorim Dias

Manzanilla e sevilhanas

Manzanilla y Sevillanas

Cento e trinta quilómetros de caminho e chego a outro planeta. Cavalos de todos os portes, com arreios que encandeiam. Charretes lustrosas carregadas de gente que enverga o copo na mão e o orgulho no rosto. Vestidos de sevilhanas a cobrir as sevilhanas. Corpos de todas as formas, desenhando cem mil padrões, fazem oscilar as franjas com sensualidades latentes. E eles, à porta das coloridas casetas, bebem a manzanilla sob um sol que lhes derrete a brilhantina e os trajes que não deixam dúvidas: são espanhóis, andaluzes, de Sevilha.
Caminho invisível pelas calles musicadas. Olho, vejo, observo, absorvo. Imagino-me há décadas atrás, olhando o meu bisavô sevilhano a viver a festa por dentro. Disparo a minha máquina com novos olhos, iluminados por outras sabedorias que um mestre da fotografia me tem sabido ofertar. De repente entendo as ferramentas que trago comigo: a estética visão da arte; o iluminado olhar da alma; a infalível mirada da experiência, que a cada detalhe acede. Ocorre-me que as festas tribais são momentos em que o tempo se distorce e a realidade se transforma numa elevação sensorial capaz de mudar muitas coisas. Percebe-se perfeitamente quem pertence àquela tribo e quem não poderá nunca saborear o verdadeiro sabor da manzanilla nem rodopiar as mãos com uma tão sublime graça.
Continuo o meu caminhar invisível de quem não pertence à tribo, mas que a traz nos seus genes, sorrindo por saber que tudo o que me importa é continuar a conseguir ser a simples caçadora de emoções que vai fotografando em palavras as almas dos membros de cada tribo.

Ana Amorim Dias

Egos

Egos

Esquecendo definições catedráticas, falo do ego tal como usamos a palavra no dia a dia: correspondendo à imagem e à aceitação que cada um tem de si próprio.
Há egos pequeninos, sorrateiros, que mal se vêem mas estão lá. Há os comedidos, de tamanho médio, eficientes. E depois há os enormes, o que não quer dizer necessariamente que sejam exacerbados. E a justificação é simples. Da mesma forma que há corpos de vários tamanhos, também as essências não se medem em centímetros: comprova-o a expressão que reza que os Homens não se medem aos palmos. A verdade é que há pessoas pequeninas, limitadas. Pessoas que, vão-se lá saber as razões, vivem com os sentimentos encolhidos e uma visão de tudo que parece ter palas a toda a volta. E depois há os outros, que se sabem grandes por em tudo verem grandeza. As pessoas grandes sabem que o Planeta é maior que a sua rua; sabem que o mundo não acaba quando o coração se lhes parte; entendem podem aprender com tudo, com todos e não se fecham na ignorância de quem acha ser o dono da verdade. As pessoas grandes gostam de experimentar, de se aventurar, arriscar; não têm medo de sentir, de errar, confiar, encantar-se ou não gostar, porque sabem que existem sempre outras escolhas quando a primeira deu asneira. As pessoas grandes não se escondem atrás do ego que muitas vezes é quase tão grande como elas próprias.
É que há uma grande diferença entre ser egocêntrico e ter um ego gigante. Até tenho a convicção de que as pessoas "pequeninas" e com egos encolhidos, costumam ser egocêntricas, enquanto as pessoas grandiosas, donas de um ego merecidamente enorme, têm a maravilhosa capacidade de entender que são um elemento do todo e não o centro de nada.

Ana Amorim Dias