(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.4.13

Tamanho do Mundo

Até onde chegarias hoje?

Acontece-me vezes sem conta. Entro para o carro e tenho vontade de só me deter quando a vontade mandar. "Até onde chegarias hoje?", Pergunto-me. "E se tivesses um mês? Que paisagens darias aos teus olhos, que sensações aos teus sentidos?" Pergunto-me que tamanho tem para mim o Planeta. Pergunto-me se me assusta a ideia de o explorar.
Em termos factuais há quem corra o mundo, em constante movimento por países e continentes, e há quem viva toda a vida em vinte quilómetros quadrados. Parece-me lógico que, para os primeiros, o planeta seja um lugar maneirinho, que se atravessa em questão de horas. "Vou só ali a Xangai", "P'rá semana estou no Peru", "Voltei ontem de Moçambique", são frases de uma tal dimensão que nem dá para as medir. Para os que vivem no circuito fechado que os seus olhos alcançam, o Mundo é demasiado grande e perigoso para se pensar sequer em ir para o desconhecido.
Também há quem queira ir e só sonhe. A falta de dinheiro, tempo, coragem ou liberdade podem ser os seus travões, mas no fundo sabem que o Mundo está todo ali, e pode ser que algum dia o descubram. Para estes o mundo é grande. Tão grande e fantástico quanto os seus sonhos.
Que tamanho tem, afinal, o Mundo? Para os outros não sei bem, para mim não tem tamanho, vai para além de tais medidas. Vejo o Planeta como um grande parque de diversões à disposição da minha escolha e prazeres. Vejo o Mundo como uma bolinha encantada de intermináveis surpresas. Vejo-o pelos olhos de quem já viu bastante e sabe que verá muito mais. Porque a vontade conta e constrói a sorte. Porque a projeção e a lei da atração funcionam. E eu sei muito bem como.
Entro para o carro e pergunto: "Até onde chegarias hoje? E se tivesses um mês?". Um dia destes respondo-me. E depois volto. Para contar as estórias. Para abraçar as crias. E para voltar a repousar uns tempos, de olhos postos no Mundo, enquanto planeio devorá-lo de novo.

Ana Amorim Dias

Vou à fava!

Vou à fava!


Estou há mais de cinco minutos aqui sentada.
Agora estou há dez.
Viva a revolução?
Que digo sobre isto?
Faz-se outra?
Para quê?
Isso paga por acaso a dívida?
Uma revolução faria voltar os milhões roubados ao longo das décadas pelos ladrões que assaltaram o país? Não vejo como.
Uma revolução criaria as condições para que a educação, a saúde e outros setores voltassem a funcionar? Perdoem-me mas não creio.
Não é só a abanar cravos e a derrubar poderes instituídos que o país se pode vestir de novo com roupas que não estejam rasgadas.
Ser revolucionário é ter outra visão, é alterar por completo a noção de servidores e serviços.
Se sou revolucionária? Sim, muito mais do que pensava. Mas de revoluções que obriguem à responsabilização de quem fez merda. Revoluções que impliquem, no mínimo, a restituição dos produtos de todos os roubos. Revoluções que consigam levar ao poder pessoas sérias e empenhadas que vão para o trabalho de metro e ganhem o mesmo que ganha um professor. Nestas revoluções acredito... como acredito em milagres.
Por enquanto, em solidariedade com o estado da nação, (e desculpa lá mãezinha) visto as minhas calças rasgadas e vou... apanhar favas para o almoço!

Ana Amorim Dias

Contranatura

Contranatura

Dou uma dentada na torrada. Fico com a boca aberta, sem conseguir mastigar, enquanto na televisão os senhores da assembleia francesa armam um tumulto jeitoso. As imagens seguintes são de confrontos nas ruas, com a torre Eiffel por trás.
O motivo? 331 votos valerem mais que 225 e a lei do casamento gay ter sido aprovada.
Começo a dar aos maxilares. A torrada não se vai mastigar sozinha. Como é que pessoas ilustres de um nobre pais da velha Europa se portam como homens de cro-magnon perante algo que nada mais é que a lei do amor? E que reação teriam os manifestantes se os polícias levassem esta imagem no escudo? Talvez ficassem com vontade de agarrar com ambas as mãos bastões bem mais pacíficos,dando-lhes melhores usos, não?
Engulo um pouco de leite para desembuchar a torrada. O que não se me desembucha é a incredulidade. Quando começarão todos a entender que as únicas leis contranatura são aquelas que vão contra o sentimento AMOR?

Ana Amorim Dias

De mãos dadas com Deus

De mãos dadas com Deus

- O que é que tu tens? Pareces triste.- pergunta-me a Gui.
- Nada, estou bem.-
- Humf!...-
Como é que ela me conhece há trinta anos e não sabe que estou muito bem?
- O que tens filha? Está tudo bem?-
Bolas! E elas a darem-lhe!
- Sim, mãe. Está tudo bem.-
Como explicar-lhes que me sinto como o Clark Kent quando queria transformar-se em Super Homem e não podia porque tinha demasiadas pessoas ao pé? Como explicar que estou completamente mergulhada num projeto e já a preparar o próximo e que isso me faz a pessoa mais feliz do mundo? Como explicar que por mais emocionante que a minha vida pessoal seja, a vida criativa supera tudo?
Ajudem-me lá! Como é que se pode começar sequer a explicar que escrever é domar o tempo, visitar o futuro, voltar a viver o passado e congelar o presente em momentos eternos. Escrever é vestir o fato espacial, poder ver o Mundo de cima e perceber que de facto as estrelas não existem só acima de nós e sim em todas as direções.
Escrever é andar de mãos dadas com Deus e mostrar a língua ao Diabo; é ser anjo da guarda e guardião da evolução.
Escrever é usar os seis sentidos como se tivéssemos cem; é viver em encantamento e ter poder de encantar; é fazer mil perguntas e dar cem mil respostas.
Escrever é orar, treinar o intelecto, abraçar a essência, dar carinhos à alma.
Escrever é ouvir todos os sons naturais, ver por todos os olhos, sentir por todos os corações.
É por ser algo tão indizivelmente extraordinário que vicia e não se pode explicar.
Perceberam meninas? Perceberam que só estou calada porque estou a escrever em pensamento, absolutamente feliz? Mas não se preocupem: mais uma semanita e devo estar quase a sair do transe do novo livro. É claro que não sairei do meu estado natural, o criativo, mas ele só se voltará a agudizar em Outubro, quando partir para a próxima aventura...

Ana Amorim Dias

Sem bateria

Sem bateria

Oito e quinze, o minuto limite para sair de casa a tempo. O Tomás procura a mochila. O João ainda luta com os atacadores das sapatilhas. Eu corro até ao quarto e escolho uns quantos CDs para renovar o stock do carro.
- Go, go, go!- finalmente estamos todos sentados na viatura. Dou à chave. "Pio". Nada. Morreu. A última pessoa a usá-lo deixou a chave ligada. Não há bateria para ninguém.
- Rápido meninos! Acionar o plano B!-
Corremos para o outro carro enquanto eu profiro blasfémias em surdina.
Os CDs vêm comigo. Escolho um e ponho a tocar, ainda irritada.
- Mãe, emprestas o IPad?-
- Não! Assim talvez aprendam a estar prontos a tempo!- Conhecem a sua mãe suficientemente bem para escolherem fazer a viagem em silêncio. O mesmo silêncio que permite que a música entre em mim e exerça a sua magia.
"Não é grave. Levo-os à escola e o resto já se resolve", a alegria serena volta a atingir-me rapidamente graças a um cd que não ouvia há muito tempo.
"Que chatice, isto de deixar as músicas demasiado tempo nas pastas... Mas são tantas que há que ter tempo para as pôr a tocar e deixar que nos encantem." E então lembro-me das fotografias de grupo tiradas ontem na festa. Ocorre-me que também passamos a vida a estar demasiado tempo sem ver e ouvir todas as pessoas que nos encantam. Deve ser por isso que gosto tanto de reunir toda a gente: para os poder ouvir a todos e deixar que a alegria me invada com o som e a visão de cada presença. Até com a desta marota cunhada que me deixou um carro sem bateria...

Ana Amorim Dias