(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.6.13

A estranha tentação de domesticar homens

A estranha tentação de domesticar homens

Aquilo estava a tomar proporções intoleráveis. De cada vez que o Tomás e o João tinham sede, tiravam um novo copo do armário, fazendo com que, em apenas algumas horas, a bancada da cozinha tivesse dez copos usados.
"Como é que eu domestico estes pestinhas?", pensei, já em desespero de causa. Há sempre formas de resolver tudo e este caso não seria exceção. Comprei um copo catita para cada um, pintei as iniciais de ambos com tinta de vidro e deixei bem claro: "Se usarem qualquer outro copo serão vocês a lavá-lo!"
Vários dias se passaram e confesso: começo a ficar preocupada! Nunca mais usaram qualquer outro copo! Para nada! Terei ido longe demais nesta estranha tentação de domesticar os meus dois homenzinhos?? Para onde lhes foi a espontaneidade de ir buscar copos e usá-los indiscriminadamente? Ficarão as suas outras selváticas características beliscadas por este episódio?
Creio que nós mulheres temos que começar a ponderar na possibilidade de limitar esta incontrolável tentação de domesticar os homens, sejam pequenos ou grandes. Boys will be boys, não se deve lutar contra isso. Afinal o que pretendemos? Uns serezinhos previsíveis e mansos que acatam tudo o que lhes impomos? Ou pessoas com vontade própria, sangue na guelra e uma encantadora imprevisibilidade selvagem?
Como agir, afinal, com os homens que mais amamos? Insistir na insanidade de os tentar domar? Ou incentivá-los a ser donos de uma personalidade bem forte?
A minha decisão está tomada. Daqui a uns dias vou dar um sumiço aos copos!

Ana Amorim Dias

Uma questão de unhas...

Um questão de unhas

- Mãe, dá-me mimos!-
Como é um miúdo muito independente, quando o João pede carinhos aproveito o mais que posso e fico agarradinha a ele sem o deixar escapar.
- Festinhas, mãe! Nas costas, que já não me fazes à muito tempo!-
"Como é que ele pode achar que dois dias são muito tempo?", pergunto-me enquanto se aninha, mimoso, na minha cama.
- Mãe?- está deitado muito quieto, a deliciar-se com os mimos.
- Diz baby.-
- As tuas festinhas são melhores que as do pai!-
- Ah sim? E porquê? - já sei que vem aí coisa boa.
- É que tu tens unhas e o pai não!-

Vive uma pessoa quase quatro décadas para vir um pirralho de oito anos dar uma lição de vida de tão completa magnitude! É que ainda por cima eu ando sempre extremamente atenta a tudo, como é que deixei escapar isto?!?
Escreve-se há milhares de anos sobre as diferenças entre homens e mulheres. Debate-se, desenvolvem-se teorias, exploram-se possibilidades, fazem-se estudos e cria-se arte em torno desta temática. Discute-se desde sempre qual dos géneros é o melhor, o pior, o forte, o fraco, inferior e superior. Para quê? Para nada! Homens e mulheres são só ligeiramente diferentes, empatados em valor e divinamente complementares.
Mas há uma, uma única vantagem do lado do género masculino: é que as festinhas das mulheres sabem mesmo melhor que as dos homens! E fico para aqui a pensar como se poderá isto resolver...

Ana Amorim Dias

Enquanto varria o chão

Enquanto varria o chão

Por motivos que não são para aqui muito relevantes, passei grande parte dos dois últimos dias a fazer limpezas com uma amiga moldava.
Conhecemos-nos há muitos anos mas só ontem tive o testemunho, contado na primeira pessoa, de como era viver na antiga União Soviética. E houve duas coisas que me impressionaram mais que as outras. Sei muito bem que a ausência de liberdade de expressão era uma realidade do nosso pais também, como continua a ser por muitos locais do mundo. Felizmente é algo que apenas consigo imaginar porque nunca tive que calar o que quer que fosse por medo das consequências.
A outra informação que me impressionou foi o facto de as pessoas não poderem, nessa época, sair do seu país a menos que tivessem motivo e autorização superior. Caso desertassem havia consequências para os familiares, e não podiam regressar a menos que estivessem dispostos a passar vários anos na prisão.
Enquanto varria o chão, um arrepio assolou-me. Ao longo da história da humanidade os crimes e repressões têm sido tantos que não percebo porque é que há coisas que ainda me espantam. Imaginei-me presa no meu país, sem liberdade para ir para a parte do mundo que bem entenda. Imaginei-me a não poder escrever as minhas opiniões e visões da vida. E depois, de vassoura na mão, fui indo de atrocidade em atrocidade e imaginei a fome, os racionamentos, as bombas a cair...
A suave brisa continuou a soprar e os pássaros a cantar, indiferentes ao meu desconforto.
- Sabes Ana?- ela interrompeu-me os pensamentos. - Se só houvesse mulheres a mandar no mundo, não haveria guerras! Nenhuma mulher manda os seus filhos para a guerra!-
Não fui capaz de lhe responder. Não tenho tanta certeza. A maldade não escolhe géneros. A insanidade que o poder traz não se compadece com sexos. Fiquei a pensar que o poder é um dos maiores monstros que engole o Homem (seja macho ou fémea). Poderoso não é quem tem poder. É quem lá chega e consegue manter-se humilde... e humano.

Ana Amorim Dias

O caminho mais difícil

O caminho mais difícil

Detesto correr. Convictamente. Com desportos tão giros porque é que uma pessoa vai perder tempo naquilo? Detesto correr mas ainda detesto mais virar as costas a um desafio.
- Não consegues!! - mesmo à putos, desafiaram-me.
Pensava que só conseguia correr cinco minutos. Mas sem experimentar não saberia. Tinha a noção que o percurso tinha subidas tramadas, mas como eu também sou tramada acabei por ir.
Vinte e dois minutos. Fiz o percurso sem parar. E ao terminar percebi que aquele troço era bem mais difícil do que um outro no qual eu não me aventurava por pensar que não conseguia...
Desde então tenho corrido quase todos os dias, mas não me restam ilusões: continuo a detestar correr. Só que é um detestar estranho, daqueles que quase roçam o gostar. É nestas alturas que reconheço que se calhar nós mulheres até somos ligeiramente estranhas.
Uma coisa é certa: temos sempre muito mais para dar do que aquilo que pensamos. E quando atacamos logo o mais difícil tudo o resto se desmistifica.
Até onde conseguimos ir? Acho que é até onde a nossa determinação quiser. Basta haver tempo, força de vontade e perseverança. E se, de caminho, tivermos que abrandar o ritmo, isso não faz mal nenhum.
Por outro lado, e agora que tirei a lição do caso, acho que vou voltar à zumba, que me faz suar muito mais e me dá um prazer maior.

Ana Amorim Dias

Jogo de cintura

Jogo de cintura

Desde que tenho iPad abandonei quase por completo o computador. Só o ligo de tempos a tempos, quando tem mesmo de ser. O problema é que muitos meses de uma relação tátil com o ecrã do ipad se enraizaram de tal maneira que quando vou ao computador ele fica cheio de dedadas onde não deve enquanto eu, indignada, ainda vou dedilhando o ecrã durante uns segundos até perceber o engano.

Ontem, depois de correr, sentei-me debaixo da figueira e rendi-me ao prazer dos figos. A seleção musical, que soava em modo aleatório, passou a uma canção pouco própria: "It's beginning to look alot like Christmas..." cantava o Boublé todo satisfeito. Com meio figo na boca até fiquei indignada. "Bolas, que estranho! Estamos nos antípodas anuais do Natal e estou cheia de calor a saborear um figo! Nada se pode assemelhar menos a essa época!" Hesitei um pouco mas não mudei de música. Simplesmente não encontrei motivo suficientemente forte para o fazer.

Porque não ouvir uma música de Natal à entrada do Verão, debaixo da figueira? Porque não rir-me do disparate de dedilhar o ecrã do computador? Porque não tomar banho de mar em Janeiro? Porque não sentir alegria na saudade e ser otimista quando tudo parece negro? Porque não render-me a novas maneiras de pensar, agir e sentir?

Da mesma maneira que me farto de rir sozinha de cada vez que "ataco" convicta o ecrã do computador, também saberei rir-me de cada nova falha minha, corrigindo-a logo depois. Da mesma forma que ontem não encontrei motivos para desligar a música de Natal, também procurarei não encontrar razões para me opor ao ritmo com que a vida traz os novos acontecimentos, mesmo que me pareçam totalmente fora de época. Creio que este tipo de jogo de cintura me pode vir a ajudar a aproveitar melhor todos os dias e todas as encapotadas lições que eles trazem.

Ana Amorim Dias

Ser

Ser

Viver a vida que imaginámos pode ser bastante complicado.
Mas...e ser quem sonhámos ser? Será difícil?
Acho que o problema maior é as pessoas não sonharem com o SER e sim, com o TER. Quase todos sonharam ter a profissão de sonho, ter o amor ideal, ter a casa com piscina, ter os bons carros, ter dinheiro para tudo, ter, ter, ter.
Ter é fantástico, não digo o contrário. Mas SER é sem dúvida o mais importante.

Ser amado, ser amor,
ser feliz, ser sonhador.
Ser um ser que está em paz
com o seu jeito de ser.
Ser fogo, ser alegria,
ser paixão e ser magia.
Ser vontade que se aceita
E ser Ser que se constrói
Ser abundância, ser emoção,
Ser história, arte e razão.

Olhando para trás percebo que sempre sonhei mais em Ser do que em ter. Luto por ser. Todos os dias. Ser para mim e ser para os outros. Ser tudo o que amo, tudo o que valorizo. Quando começamos a ser o nosso próprio sonho, a vida começa também a ser como a sonhámos.
Deve ser por isso que tenho tanto. Por isso e por saber que mesmo quando não tenho... Sou.


Ana Amorim Dias