(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.4.12

“Se eu tivesse..."


  Sempre adorei a escola, principalmente nos dias em que havia composição!  Contudo passei a infância a reprimir um tema que, já sabia de antemão, viria a causar-me problemas com a censura. Mas acredito que vamos sempre a tempo de fazer algo que antes não nos permitimos.
   Ao longo do tempo fui conhecendo o Mundo um pouco melhor e pensei que os budistas, a terem razão, podiam estar a apresentar-me a solução do problema: talvez eu sempre tenha desejado começar a minha composição com “ Se eu tivesse uma pilinha…” por na última vida ter sido homem. Quem sabe?
   Nunca cheguei a escrever sobre tal tema porque, com o passar do tempo, a minha veia infantil de maria-rapaz,  foi dando lugar a uma pessoa que compreende em absoluto a infinita riqueza de ser mulher. Abracei essa riqueza com toda a plenitude. Mas a vida, com os seus estranhos desígnios, permite-nos façanhas e aventuras com que nem sequer tínhamos sonhado… E hoje, ao lembrar este tema que o meu juízo infantil me impediu de explorar, constato que tenho sido tudo o que a minha imaginação alcança: já fui  capitão um navio  pirata e matriarca de uma família italiana durante a 1ª Guerra Mundial. Já fui um velho e sábio pescador, uma mulher de negócios com um património incrível e um quarentão bem parecido com problemas existenciais. Já fui chefe de uma tribo nos primórdios da humanidade, já fui prostituta de refinadas capacidades  ou assassina profissional. Já fui um viúvo saudoso; um lutador de boxe e uma espanhola infiel. Nos livros que escrevo posso ser homem, mulher, criança e ancião; posso viver em qualquer século e em qualquer parte do mundo, basta começar a escrever.
   É por tudo isto que não posso deixar de agradecer à vida, que me permitiu ser escritora, e viver assim, sob qualquer personagem, de uma forma muito mais ampla do que com aquela composição nunca escrita em que apenas… teria uma pilinha!
Ana Amorim Dias

29.4.12

Maria Samuela

   Muitas coisas fantásticas podem acontecer quando se escreve um romance. E uma das mais assombrosas  é quando “ouvimos” o que as personagens estão a dizer e ficamos a matutar no que elas, como se tivessem ganho vida própria, nos “ensinam”.
  Conheci a Maria Samuela em Março. Quer dizer, já andava a pensar nela desde o fim do Verão passado, mas só a fiquei a conhecer bem nestes últimos meses. Preferiu que a tratasse apenas por Sam, porque detesta o seu nome completo e porque “Sam” serve também como diminutivo daquilo que se considera: uma samurai dos tempos modernos.
   Mas voltando ao que vos estava a contar: há umas tardes dei com a ela a falar com o Artur, um outro personagem de “Quatro”, cujo verdadeiro mistério ainda não me revelou,  apesar de eu já me encontrar a escrever a página 148… 
  Ora bolas! Lá estou eu de novo a perder o fio à meada. Mas enfim, o que quero partilhar é que fiquei a pensar no que, há dias,  a Sam disse ao Artur:
 - Ninguém pode mudar o que os outros pensam, sentem ou fazem, mas podemos mostrar-lhes novas formas de pensar, sentir e fazer. Entendes? –
  Ele respondeu-lhe que sim, que entendia perfeitamente, mas eu bem pude ver o seu ar apatetado de quem, como eu, ia ficar a pensar naquilo.
   Acho que, no fundo, tanto eu como o Artur concordamos com o que ela disse nesse momento tão espontâneo.   Não podemos mudar o que os outros pensam, sentem ou fazem, mas podemos mostrar-lhes novas formas de o fazer… mesmo quando quem o faz é o  mero personagem de um qualquer romance.
Ana Amorim Dias
 


28.4.12

Paixão pela vida ( ou "como três parágrafos podem salvar o dia")


  Nos raros dias em que não  me sinto apaixonada pela vida fico lixada. Nem é que me dê uma neura, é bem pior! Entro num campo neutro de ausência de emoções que me deixa com a sensação de estar a desperdiçar algo precioso:  um dia de vida. Percebi isto, com toda a clareza, há uns dias, quando pensava numa questão muito filosófica da minha existência em particular: será que escrevo para  incendiar a paixão que quero sentir pela vida,  ou é pelo facto de a sentir (quase) sempre de forma tão intensa que escrevo?
  Uma coisa é certa, quando encontramos a forma ideal de sublimar as boas sensações que  podemos ter,  ganhamos a riqueza inestimável de saber como ativar a magia da feliciade.
   Hoje fico por aqui. Amanheci pouco apaixonada, mas estes três parágrafos parece que me responderam à pergunta que há dias me coloquei!!
Ana Dias

27.4.12

Coação emocional



Há várias modalidades:
- Como podes ir ver o futebol com os teus amigos para o café? Não foi com eles que casaste, pois não?
Ou:
- Nunca pensei que me fizesses isto… depois de tudo o que eu fiz por ti!
Ou:
- Isso! Vai ter com as tuas amigas. Elas hão-de abandonar-te e um dia vais ficar sem ninguém!
Ou:
- Não te quero a falar com nenhum homem ( ou mulher, conforme o caso) senão acaba tudo entre nós.
Ou:
- Estou a sofrer muito e a culpa é tua.
   Tudo isto são exemplos (mais ou menos dramáticos) de um tipo de violência que já nos foi inflingido a todos ( e todos já inflingimos?...) sem sequer nos darmos conta. A coação emocional faz com que as pessoas sucumbam a emoções que não deviam sentir e que lhes são impostas sob a forma de culpa, remorsos ou falsos sentimentos bons. A meu ver não se pode recriminar um amigo por não ligar há um mês: se temos saudades da pessoa,  porque não ligamos nós?  Não acredito que se possa culpabilizar um homem que gosta de estar com os amigos na tasca só porque entretanto casou. E não se pode culpar uma mãe que não está todo o tempo com os filhos porque tem que ganhar a vida ou seguir uma carreira ou ter uma vida afetiva.
   A verdade é só uma: passamos metade da vida a cobrar afetos e atenções e a outra metade a vê-los ser-nos cobrados. Pois bem, meus caros: o tempo, a atenção e os afetos que damos aos outros é algo nosso para dar e não para nos ser exigido.  Quando cobrado deixa de fazer sentido. E o inverso também é verdadeiro: nunca caiam no erro de mendigar tempo, atenção ou afetos, pois assim não são uma dádiva e sim o produto de um crime cometido contra as emoções alheias.
   É verdade que é preciso ter a  consciência muito alerta para nos apercebermos de quando estamos a ser vítimas de coação emocional mas, se nos treinarmos para a detetar, passaremos a ser um pouco mais livres para sentir as emoções e sentimentos que na realidade sentimos!
Ana Dias

26.4.12

Amores da nova era


   Comecei por lhe mandar um mail. Enorme. Sentido. Escrito com um propósito muito bem definido. Duvidei que ela me respondesse porque não a conhecia e estava a meter-me na vida dela, mesmo assim. Ela respondeu-me. Com um mail longo e sentido. Não  me levou a mal porque percebeu que, se me quis meter onde não era chamada, o tinha feito com as melhores intenções.
   Isto aconteceu há três meses. Três meses em que nos fomos conhecendo através dos mails quase diários que nos habituámos a trocar como uma mágica terapia para a alma.
   Hoje ela faz anos, esta minha amiga que tanto adoro. Ela ligou-me há dois dias:
- Parva! Fizeste-me chorar! – Começou, mal me ouviu do outro lado da linha.
- Um choro bom, espero!-
- Pois! Primeiro vieram entregar-me uma encomenda para mim. Abri e vi o teu livro. A frase da capa fez-me logo chorar… Depois li a tua dedicatória e chorei outra vez!
   Mandei-lhe o “ Histórias do (A)Mar” pelo correio para o local de trabalho. Queria surpreendê-la com uma prenda de anos. E, depois do telefonema dela, fiquei a pensar como se gosta assim de alguém com quem só se partilhou uma hora cara a cara. Porque me arrepio ao sentir o amor que lhe tenho? Estaremos a juntar-nos aos seres humanos desta nova era que já sabem que se pode amar tanta gente quanta a que no nosso coração caiba?
A ti, minha amiga adorada, um enorme beijo de feliz aniversário!
Ana Dias

25.4.12

Três mantos



   Na saga do Harry Potter, o pequeno herói usa, por diversas vezes, o manto da invisibilidade para poder estar em locais onde não era suposto estar e ver coisas que não era suposto ver. Por mais que me custe, confesso que, como a maior parte das pessoas, costumo dar uso a um manto: o manto da insensibilidade. Não pretendo arranjar desculpas, mas talvez seja devido ao constante bombardeamento de coisas más a que estamos sujeitos, que esse manto é tão usado. Optamos por ser menos humanos   e  mais insensíveis e dados ao uso desta carapaça que nos “protege” de sentimentos como a solidariedade, a piedade ou a caridade. Usamos esse manto que nos impede de consolar quem chora e nos mantém a uma distância segura dos outros por forma a não nos identificarmos com as suas dores.
  Mas vou mais longe porque, sendo hoje o dia da liberdade no nosso país, há um terceiro manto que também usamos mal. Pensamos que somos livres, mas não estaremos apenas a usar um manto fingido de falsa liberdade?  A liberdade não passa só por eleições democráticas;  por dizer e escrever o que se pensa;  ou  por estarmos seguros que nenhuma polícia política  nos vai bater à porta para nos prender ou torturar. Esse é um tipo de liberdade básica que a sanidade Humana jamais devia deixar cair por terra. Este manto de falsa liberdade de que vos falo é aquele que envergamos quando dizemos ser livres sem o sermos de facto. Considero que liberdade é a  faculdade de auto determinação de acordo com os nossos valores e essência,  desde que conjugada com o respeito ao próximo. Considero que ser livre é acreditar em nós mesmos e nas nossas escolhas, agindo de forma a poder trilhar o caminho que escolhemos para nós.  Agora digam lá, quase quarenta anos depois do 25 de Abril, quem é que se considera realmente livre e quem é que sabe que apenas está ainda a usar o manto da liberdade?
Ana Dias

24.4.12

Pintar olhos


  Uma das incontáveis vantagens de se ser mulher é podermos enfeitar-nos. Mesmo os mais metrosexuais homens não se conseguem aproximar da infinidade de adereços, enfeites, pinturas e cores a que o sexo feminino pode recorrer. Das pulseiras, aneis e brincos aos vários formatos e padrões das roupas, sapatos, sandálias e botas, passando pelas pinturas na cara, unhas e cabelo: nós mulheres somos os manequins perfeitos para todas as experiências que a imaginação alcança.
   Muitas de nós mantêm-se fieis a um estilo, outras, mais arrojadas, mudam como camaleões ao longo da vida ou dos humores com que acordam. Há as que nunca se arranjam e as que andam sempre impecáveis. Mas temos o poder de mudar a qualquer hora.
   Já não me lembro desde que idade me pinto. Em três minutos apenas: um risco nos olhos, dois tons de sombra suave e um pouco de rímel, colocados por esta ordem. Base não, para deixar respirar a pele que os bons genes me ofereceram. O batom, muito discreto, há dias em que é usado e outros em que nem sai da bolsa.
  Mas ontem à noitinha, vagueando pelo facebook (!), vejo fotografias com pinturas de olhos feitas na sequência correta: sombras, eyeliner e rímel.  – Ando há tantos anos a fazer mal as coisas?? – Pergunto-me enquanto olho maravilhada para aqueles olhos de arte.  – Amanhã vou experimentar! –
  Se bem o pensei, melhor o fiz. Resultado? O mesmo! Excepto no tempo gasto, que triplicou para nove minutos. Conclusão? Qualquer que seja a idade, devemos estar dispostos a experimentar novos métodos, quanto mais não seja para perceber que o que usamos é melhor.
Ana Dias
    

23.4.12

Sete anos


As super mães fazem super festas. Por isso,  ontem,  cozinhei três horas e hoje acordei cedo e, às quatro da tarde,  estava tudo a postos para a festa do João. Mas deixem-me contar-vos como tudo aconteceu.
  Dez da manhã – O João acorda e pergunta, ainda ensonado,  -“ Mãe, é hoje o meu dia de anos, não é?” – Derreto-me e cubro-o de beijos.  Dou-lhe o telemóvel que me pediu, brincamos um pouco e parto, convicta,  para o desafio de criar a festa perfeita.
Onze e meia – O João entra na cozinha e diz que vai aos estábulos porque os animais estão agitados e tem que ir ver se algo se passa e resolver o problema. Percebo que não vou ter que me preocupar com ele: quem se atravessar no seu caminho é que talvez tenha que ter cuidado.
  Meio dia – Coberta de farinha da cabeça aos pés ( literalmente, acreditem )  e com a cozinha completamente dominada ( estou a falar da cozinha da Quinta do Monte, preparada para servir bodas para quatrocentas pessoas e onde normalmente trabalham cozinheiros e não escritores!) decido fazer uma pausa. Subo as escadas e vejo a caixa do telemóvel com  um bicho morto lá dentro. Anoto mentalmente: avisar o João que a caixa faz falta para trocar o telefone nos próximos quinze dias, caso tenha algum defeito.
Uma da tarde – A malvada da Margarida, a madrinha,  que está cá desde ontem (SUPOSTAMENTE PARA AJUDAR!)  chega finalmente da passeata e põe a criançada a almoçar.
Três da tarde – A comida está pronta,  mas o sítio onde a festa vai decorrer ainda precisa de ser decorado. Enquanto encho balões e corro para ter tudo pronto a horas,  não páro de me perguntar porque  é que os miúdos precisam de ter festas de anos!! Prometo a mim mesma tornar tudo mais simples para a festa do Tomás  que é já em Junho.
Quatro e dez – Pergunto-me porque é que ainda não chegou ninguém e também me interrogo como é que consegui fazer tanta comida sem ajuda de ninguém ( Ok, a Margarida ajudou um bocadinho, e  a avó Glória também fez bolos…)! Entretanto lembro-me que sou a super mãe  e que tanto eu como o puto estamos todos mal amanhados.
Quatro e vinte – Ainda bem que a malta não cumpre horários. Volto para a festa com o João, já todos bonitos, mesmo a tempo de começar a receber os convidados.
Cinco da tarde – Começo-lhe a dar no Lambrusco. Afinal mereço bastante porque sou a super melhor mãe do mundo!!
Seis e meia – O convite era para as quatro mas só agora é que está toda a gente.
Sete horas – Parece que a minha comida está muito boa. Pelo menos assim o dizem. Os putos andam feitos loucos pela quinta fora. Os animais estãos assustados porque pensam que o fim do mundo já chegou. Pela correia dos gansos na relva,  o armaguedão chegou com o sétimo aniversário do meu filho mais novo!
Oito horas – Não sei em que mesa me sente,  para dar atenção a todos. À cautela mantenho um copo em cada uma.
Nove horas  - O meu filho afirma, com convicção invacilável, que esta é a melhor festa de sempre. Os amigos atestam a veracidade da afirmação. Estou extasiada!
Nove e meia – A minha sobrinha Mariana dá show de voz e viola, deixando alguns convidados com comentários tipo juri dos Ídolos. Leva o papel amarelo.
Dez horas – Agarro-me eu à viola e começo a tocar as “ Dunas”. Raios partam o  lambrusco!!!
Dez e meia – Há  malditos desertores que começam a abandonar a festa. Ameaço que vou barricar as saídas da Quinta enquanto  a comida não for toda consumida! Que lata! Andei a fazer tudo em doses industriais para quê?
- Onze horas – As crianças refugiam-se em casa sozinhas e apenas algumas mulheres permanecem na festa. É sempre assim. As mulheres são mais resistentes. Enquanto convivo com elas, a minha mente vagueia  para a sensação que vou ter ao ver o previsivel cenário dantesco que me aguarda lá em cima, em casa.
- Uma e meia – Esta noite selou pactos de novas amizades. Agradeço interiormente ao meu filho mais novo por me proporcinar estes momentos e por ter amigos com mães tão fantásticas.
- Duas da manhã – Tenho uma conversa profunda com a minha sobrinha cantora/compositora. Falamos das insanidades dos criadores num momento muito profundo para ambas. Olho ao meu redor e percebo que o estado da casa é bem pior do que eu supunha. Não me importo. Sei que vou escrever e que mais nada importa. Dou um abraço apertado à minha sobrinha e os meus filhos reclamam que também querem.
- Duas e quinze. – O João tomba ao meu lado enquanto escrevo. Cai num sono exausto e feliz de quem teve um sétimo aniversário de sonho. Olho-o e penso: - “ talvez no teu décimo oitavo aniversário te ofereça a compilação de crónicas que fui escrevendo sobre ti ao longo das nossas vidas…
- Três da manhã – Agora sim, o dia pode acabar:  a crónica tardou… mas não falhou.
Ana Dias

Enquanto esperas

    Qualquer advogado sabe que tem que esperar pela “barra”. Ai de nós se chegamos quinze minutos depois do horário marcado para o início das audiências mas, se somássemos todas as horas que já gastámos à espera, teríamos tempo mais que suficiente para escrever um longo livro.
  Os exemplos de espera  estão em tudo. Há tempos um editor pediu-me que lhe mandasse os meus originais, mas apenas de estivesse disposta a esperar. Respondi-lhe que é isso que os escritores fazem: escrevem e esperam!
   Como a vida é uma longa espera por tantas coisas diferentes, convém termos presente que, mais que fazê-la acontecer enquanto esperamos, devemos fazer dessas “esperas” algo memorável  e  produtivo.
Ana Dias

20.4.12


HOJE VOU
   Nunca tal me aconteceu! Escrevi duas vezes e apaguei tudo! Mas quem quero eu enganar? Ou isto sai de rajada, das profundezas de mim, ou então não vale a pena!
   Hoje queria contar-vos que à noite vou ao lançamento do novo CD de um amigo. Um homem talentoso e trabalhador que anda a construir a sua carreira há muitos anos.  Um homem que canta bem, muito bem,  e fá-lo com a credibilidade do sorriso que lhe a companha a voz.
  HOJE VOU ouvir, pela primeira vez ao vivo e com a banda a tocar, letras que eu mesma escrevi, com um prazer e impetuosidade que não se explica em palavras. HOJE VOU dizer-vos algo que decerto já sabem: que há músicas que emocionam e  letras que nos falam à alma.  Toda vida fui consumidora ávida das emoções que me chegam, embrulhadas na arte da música, mas HOJE VOU sentir o que é estar no lado de lá, ao “consumir” algo que ajudei a criar. 
   HOJE VOU  lembrar-vos que há sonhos que se concretizam… e sabem que mais? Acabei por dizer tudo o que queria, e saiu de rajada, das profundezas de mim!
  A ti, RICARDO SOUSA, obrigada por esta benção e votos de muito sucesso.  E a vocês,  que ouvirão as palavras a vibrar na dimensão melodia, apenas espero, do fundo do coração, que se cheguem a emocionar!!
Ana Amorim Dias

19.4.12

Palavra!


   “Falamos” desde a nascença. Iniciamo-nos com expressões faciais, choros, risos e outros sons, e continuamos a desenvolver  a capacidade de comunicar  até chegar à versão ( nunca acabada nem perfeita) da linguagem verbal e escrita.  Ora essa linguagem, como ferramenta que é, por vezes falha. Ou é o emissor que se explica mal ou é o recetor que não capta a mensagem, por mais bem emitida que tenha sido.
  As palavras são a mais brilhante invenção dos Homens! Desculpem-me se estou a ser obtusa mas a paixão turva-nos sempre o pensar. São as palavras que nos unem no gigante Ser que é a Humanidade. São elas que nos arrancam da à ilha isolada da nossa individualidade. Por isso, após escrever 328 crónicas a um ritmo quase diário, não posso deixar-me abater ao perceber que alguma mensagem foi, ocasionalmente, mal interpretada.
  E é neste momento, na crónica número 329, que páro e me pergunto:
- Porque escreves crónicas todos os dias, Ana? –
E me respondo:
- Porque gosto. Porque esta meia hora me faz feliz e me faz compreender melhor a vida e todas as suas nuances. Faço-o porque há sempre algo novo a dizer, a refletir e a partilhar.
  Termino com um agradecimento muito caloroso a todos os que têm tido a paciência de  me acompanhar neste processo. Um agradecimento feliz por quase todos entenderem que, por mais que às vezes os tons sejam acinzentados ou as palavras mais nostálgicas, a mensagem é sempre colorida, desafiante e repleta de significado. Palavra que sim!
Ana Dias
 

18.4.12

Selvagem

   O que define um animal selvagem? O perigo que representa para as outras espécies? A imprevisibilidade das suas ações? O cumprimento de regras não me parece que seja,  pois há muitos que vivem em estruturas regradas e hierarquizadas.
  Ao longo dos tempos muitos homens têm tentado domesticar animais selvagens. E muitas vezes o seu instinto imutável, por mais que se abafe, acaba por vir à tona de forma letal.
   Mas não será o Homem o mais selvagem de todos os animais? Não é o Homem a mais perigosa ameaça a todos os outros animais, ao Planeta e à sua própria espécie?
   É por isso que continuo sem compreender as pessoas que insistem em tentar “domesticar” outras pessoas, sem terem a consciência que o instinto imprevisível do ser humano, por mais que esteja latente, esconder-se-á para sempre debaixo da sua pele.
Ana Dias

17.4.12

Um desenho com ameixas


   O Tomás continua a exigir que o vá aconchegar à cama. Mas aquilo não  são mimos: a dois meses de fazer onze anos, ele quer é gargalhadas. Junta-se a vontade de rir dele à minha veia pela palhaçada e arma-se o rogobofe.
   Ontem fi-lo rir com as minhas patifarias de criança. Mas fiquei transtornada por perceber que, com cinco minutos de conversa,  a coisa ficou despachada!! Entre mais duas ou três, a  malandrice mais brilhante que tive para contar ao meu filho foi a vez em que desenhei as paredes da garagem dos meus vizinhos  com ameixas maduras!
   Mas que raio?!? Eu era assim tão certinha? Como? Como foi que isto aconteceu? Será que o meu currículo de malandrices infantis é assim tão insonso? Eu serei eu que não me lembro?
   Não posso ficar nesta angústia! Vou almoçar com a minha mãe que, com a sua boa memória, certamente me arrancará de tão terrível aflição. Mas uma coisa é certa: da próxima vez que os meus filhos aumentarem a sua lista de traquinices, vou perceber com mais lucidez que é um património importante… pelo menos para contarem aos filhos quando os forem aconchegar à cama.
Ana Dias

16.4.12

Aumentar a coleção


Quando gosto de uma música sou capaz de a ouvir até à exaustão.   E desde que me lembro que faço coleção dessas músicas: as preferidas; as que considero como parte integrante da banda sonora da minha vida e que têm o condão de me levar a lugares, momentos vividos,  e emoções sentidas.
   Calculo que o número destas canções fabulosas esteja nas largas centenas,  afinal 37 anos são 37 anos! Embora não seja qualquer uma que entra para a lista ( sou muito exigente ), as que entram ficam cá para sempre. E a coleção de músicas vai  aumentando a toda a hora, com a mesma cautela e zelo com que vou escolhendo os “frames” do filme da minha existência: filtrando o que realmente conta e faz de mim uma pessoa melhor e mais feliz.
Ana Dias

15.4.12

Na génese da santidade


 
     Como há bocado consegui vencer a inércia das manhãs de domingo e pôr o corpinho a mexer, fiquei com  ideia de que hoje iria escrever sobre as vantagens de vencer a preguiça. Mas o imprevisto aconteceu: enquanto passava os olhos pela  revista dominical de um jornal diário, fiquei presa a um artigo. Falava de castidade.
   Entre vários testemunhos, teorias e justificações, houve uma que traumatizou: um homem (que nem sequer é padre) afirmava que renuncia ao sexo porque busca a perfeição e a santidade.
  “Cum caneco”!! Então quem assegura a continuidade da espécie não pode ser perfeito? Se todos aspirássemos à  santidade,  a humanidade  extinguir-se-ia??  Não faz sentido,  porque todos devemos esforçar-nos por chegar o mais perto possível da santidade!  Respeito as escolhas de toda a gente, desde que não prejudiquem os demais (não me parece que este senhor prejudique quem quer que seja a não ser, talvez, a namorada) mas isso não invalida que reflita sobre as coisas.
   Ao ler a tal reportagem lembrei-me do meu terceiro romance, o “ Orgasmos da Alma” que, apesar do seu forte título,  é uma obra absolutamente casta e que mergulha bem fundo em todo o tipo de orgasmos que podemos ter… com a alma. Incrivelmente, o sexo só nele entra na última frase da última página,  quando Diego confessa: “Nessa noite tive vários orgasmos da alma… a acompanhar-me os do corpo.”  
   E porque vos estou a contar isto agora? Para que me sigam o raciocínio:   O sexo não é feio. Nem mau. É uma “ferramenta” que, quando bem utilizada, nos eleva para dimensões perfeitas, para lá do tempo e do espaço. É uma maneira sublime de elevação, iluminação e vislumbre do divino. E eu chamo orgasmos da alma às experiências magníficas que vivenciamos  sem o corpo e que nos conduzem ao mesmo resultado. Também as sensações de perdão, de amor intenso,  de enfrentar medos, de nos superarmos, de aprender ou de apreender conceitos como a beleza ou a arte, têm a capacidade de sublimar a nossa existência.
   Somos um todo. Somos metade matéria e metade intangível. Porque não podemos usar tudo o que nos compõe para avançar na nossa evolução pessoal?  Conseguem Imaginar como seria o Mundo se todos começassem o dia com um bom orgasmo do corpo? Aposto que os da alma seriam muito mais prolixos e tudo seria melhor.
 E isto deixa-me  a pensar: será que não são os orgasmos,  do corpo e da alma, a mais forte génese da santidade?...
Ana Dias

13.4.12

Melodia do vento


Ontem à noite fez vento. E esse vento forte foi o combustível que a minha memória usou para me levar ao passado…
- Hoje não há horas para ires para a cama. Vais ver este filme comigo! -  
Eu tinha sete anos quando o meu pai me convidou para ver com ele “ The Eddie Duchin story”. E, nos últimos trinta anos, sempre que o vento sopra mais forte, lembro-me da cena em que a  mulher dele, no seu leito de morte, diz que tem medo do vento. Não sei se não gosto de vento por causa do filme, mas sei que adoro a memória daquela noite, em que o meu pai quis partilhar comigo um filme que adorava.
   Ontem, na viagem da memória em que o vento me levou, comecei a tauterear a música que o Tyrone Power toca com o menino de olhos rasgados. Nessa cena, única e de um encanto soberbo, a criança abraça-o no fim da música: abraça-o com a força agradecida de um momento de pura magia musical; com a mesma força com que ontem à noite abracei o meu pai na minha memória,  por ter conseguido gravar para sempre em mim… a melodia do vento.
Ana Dias

12.4.12

Bendita maldição


- Eu vou ter dois: o Gonçalo e a Tatiana.  – Afirmou o Tomás com a sua voz derretida. – E tu, João?-
- Eu vou ter cinco! Quatro rapazes e uma menina! –
- Tantos, filho? Bolas, nem sabes no que te metes.  – Avisei.
- Pensas o quê, mãe? Eu quero uma família de jeito! –
   Sorri e calei-me. Ainda é cedo para lhes dizer algo que só descobri no dia em que nasceram: os filhos são uma benção e uma maldição.  O chamamento ancestral de assegurar descendência e uma infinidade de outras razões,  continuam a fazer com que muitos de nós apenas se sintam “completos” depois de ter filhos.
   As bençãos de se ter filhos são tantas e tão indizíveis que nem me atrevo a ir por aí, embora quanto a mim, duas das maiores bençãos que os meus filhos me dão sejam as brilhantes lições de vida e as constantes gargalhadas que me arrancam pelos mais incríveis motivos.
   Quanto à maldição, por favor não me entendam mal mas, quando o nosso amor está dentro de corpinhos que ganham vida própria ao desagarrar-se das nossas entranhas, o mundo torna-se assustador. Percebi isso no momento em que eles saíram de mim: a minha vida tinha mudado para sempre; nunca nada do que eu fizesse seria alguma vez suficiente para os proteger como eu quero; haveria,  para todo o meu sempre ( assim o esperamos todos), alguém a quem nunca poderia falhar, alguém que manteria a minha preocupação e instinto protetor sempre alerta.
   Sim, os filhos são uma maldição. Mas a mais bendita maldição que um ser humano pode ter.
Ana Dias

11.4.12

Bodeguita de Atlântis

  Quando, há muitos anos,  planeei a minha viagem a Cuba, percebi que não poderia deixar de passar pela Bodeguita del medio, em Havana, onde Hemingway por vezes escrevia. Devido a um furacão qualquer alterei a o meu destino para o Rio de Janeiro e, tantos anos volvidos, continuo sem conhcer Cuba. Mas,  dessa viagem que não cheguei a viver,  ficou-me a mania de não perder outros redutos da boémia criativa dos gandes criadores literários: desde o Tortoni  em Buenos Aires, frequentado por Federico Garcia Lorca, ao café Greco em Roma, onde se diz que Hans Christian Andersen escreveu; passando pelo Café de Flore, em Paris que,  entre os mais badalados clientes, teve Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, tenho tomado café em todos.
   Não acredito que haja escritor, nos últimos 150 anos, que não tenha escrito em cafés. Ou pelo menos, “escrevinhado”.  Eu escrevo em qualquer lado. Em casa, na rua, restaurantes e cafés. Escrevo  onde quer que seja que a vontade me chegue. Já se deu o caso de sair do mar a correr para ir pôr no papel palavras que me estavam a sair em verso no meio das ondas.  E é frequente, durante qualquer viagem, encostar o carro na berma só para não perder mais algum bailado de palavras que me chega ao pensamento mesmo a meio do caminho. Mas há um sítio especial: o da meia de leite fantástica, com música de fundo e vida a acontecer à minha volta. Uma vida que nem vejo nem oiço, a não ser como pano de fundo a tudo o que escrevo pela manhã fora.
   Talvez seja sonhar alto, mas é de sonhos que a alma vive, e creio que não me morre a esperança de, daqui a muitos anos, o bar Atlântis, em Castro Marim, ser colocado nos roteiros turísticos como o local onde Ana Amorim Dias costumava passar as manhãs a escrever…
Ana Dias

10.4.12

Excerto de "Zoia"

“ Rafael,
  Muitos anos se passaram desde os tempos em que escreviamos longas cartas um ao outro. Muito tempo passou desde a última vez em que conseguimos comunicar verdadeiramente e transmitir mutuamente  o que nos vai cá por dentro.
  Vou dizer-te coisas que já repeti até à exaustão e talvez te diga outras que ainda nunca fui capaz…
  Mas deixa-me começar pelo princípio: a nossa história foi um conto de fadas. Disso nunca duvides! Fizeste-me completamente feliz durante muito tempo, desde os anos da nossa adolescência, em que conseguimos crescer entrelaçados e unidos, até nos tornarmos adultos capazes e vencedores… Juntos fomos capazes de coisas incríveis: mudamos a realidade do património e tocámos e alterámos muitas das vidas que connosco se foram cruzando. Chegámos a ser o vórtice em torno do qual todos os que fazem parte das nossas vidas giravam. Juntos conquistámos sonhos em que acreditámos e fizemo-lo com uma tal veemência e sucesso que se poderia pensar em capacidades quase mágicas.
  A felicidade tranquila e absoluta que a partilha de vida contigo me trouxe foi algo que quis tomar como seguro até ao fim dos meus dias. Mas sabes, Rafael? No fundo eu sentia que ninguém podia ser assim tão feliz durante toda a vida. Sentia que um dia o filme da minha existência ia ter história para contar…
  Agora penso nos medos intrínsecos que nos acompanham pela vida e começo a entender os seus significados. O pavor que eu tinha de te perder, lembras-te? A fobia infantil e incontrolável de que te desvanecesses no ar…. Muitas vezes, quando viajávamos, se te afastasses de mim um minuto eu entrava em pânico a pensar como seria se nunca mais te voltasse a ver…
   Pois bem, Rafael: ultrapassei o meu mais enraizado medo no dia em que, depois de te saber perdido, te disse interiormente o meu derradeiro adeus.
  Sei que o teu amor por Luz ( e o dela por ti, também), foi algo completamente verdadeiro, e sentido com a plenitude que só existe naqueles raros casos de pessoas abençoadas com a mais grandiosa das graças: o reconhecimento da alma…. Uma ligação tão forte e poderosa jamais poderia não ter sido vivida. Não estava nas vossas mãos evitá-lo. Era algo que estava escrito e destinado a acontecer. E Isto não foi por mim entendido apenas agora; senti-o de forma cristalina no preciso momento em que o sentiram vocês.  E, apesar de na alma sentir a verdade e dos vossos sentimentos e a inevitabilidade da vossa ligação, foi na minha ignorância do ego que tentei desesperadamente lutar contra a mais poderosa força do Universo… A minha sabedoria era então muito incipiente, confesso.
  Por isso, Rafael, pára de te culpar por teres amado. Acaba com qualquer sentimento menos bom que possas ter por Luz; não a vejas nunca como o interveniente que veio causar a morte do passado perfeito porque, mais que isso, ela é e será sempre, um ser superiormente ligado ao teu. Não a vejas nunca como origem do mal por que tens passado. E mais te digo, com todo o carinho: não lamentes a morte do ser perfeito que fomos enquanto casal:… no Mundo tudo perece, desde a mais bela flor ao mais esplendoroso monumento. A perfeição é efémera, bem como a existência… Mas, se a passagem de algo belo pela via da existência deixar a sua marca na memória de quem fica, então a sua existência não terá sido em vão.
  É por isso que não lamento nem o princípio nem o fim da nossa história de amor! Não renego o passado nem o amor que tivemos; pelo contrário, orgulho-me dele e de toda a obra que deixou erigida.
 É por isso, Rafael, que sei também que, onde quer que o futuro nos leve, serás para sempre uma importante parte do meu património interior. Sei que amarei para sempre o teu espírito e a tua alma… Aceita apenas que já não te vejo como o meu homem, o meu marido, o meu porto seguro… Passaste a ser um irmão para toda a eternidade, alguém com quem crescerei sempre e que quero que faça para sempre parte da minha existência.
  A Bianca está sempre a dizer – “ Que Deus tenha piedade dos homens que nos amarem..” e refere-se a todas as “manas” quando o diz. Mas não concordo, não com o sentido com que o faz. Homem que me ame ou tenha amado e, sobretudo, homem que tenha sido amado por mim, já tem a maior benção que a vida pode trazer. Guarda-a bem no teu interior  e aceita a minha partida. Só quando o fizeres em pleno poderá a tua vida começar de novo e novamente seres absolutamente feliz.
  Reitero, e fá-lo-ei eternamente, o perdão a ti e à Luz, dois seres  maravilhosos  cuja presença na minha vida agradecerei para sempre. Reitero o perdão a cada dia, limpando-me completamente de qualquer mal. Aceita-o, Rafael, a Luz já o fez há muito e é por isso que somos cada vez mais unidas e aprendemos cada vez mais uma com a outra.  Aceita o perdão e perdoa-te a ti. Aceita a vida e sê feliz, abraça-a como só tu sabes e vive em pleno a tua lenda pessoal… Tens tanto de bom para dar ao Mundo, jamais o esqueças.
  Talvez te perguntes qual o motivo de não voltar  a viver feliz nos teus braços se a compreensão foi total e o perdão tão absoluto… A verdade é que nada houve para perdoar, Rafael, a não ser a dor do abandono que sofri. A rocha sólida e constante que sempre foste para mim desvaneceu-se em pó ao longo dos largos meses em que te pedi em vão que me abraçasses com alma e me cobrisses a existência com o manto quente da tua plena presença. Em toda a verdade, não foi o amor por Luz que me roubou de ti, foi a tua incapacidade de me dares todo o amor e atenção a que sempre me habituaste…  Meu pobre tolo… Como pudeste pensar que uma mulher como eu se contentaria em ter  menos do que o absoluto? Foi apenas essa a tua falha.
  Ao mesmo tempo, e como querias estar em paz contigo e comigo, presenteaste-me com a liberdade para me entregar a uma amizade pura e doce. A verdade, Rafael, é que me deixaste livre para chorar a sós. Retiraste o teu ombro e aceitaste o do Benedito para acolher as minhas lágrimas. Tomaste-me por garantida e deixaste que outro homem fizesse aquilo que apenas tu deverias ter feito: curar-me. E claro, como todos os laços que se forjam no calor das mais duras batalhas, o laço de amor que selei com ele jamais poderá perecer.
   Talvez algum dia as irónicas partidas da vida transmutem a força titânica dos sentimentos que me prendem a ele, mas nunca, jamais, deixará de fazer também parte da minha história. Começo a aceitar a realidade e todas as suas impossibilidades, mas na certeza de que não é o exterior que nos mata o sentir.
  Por tudo isto te digo, te repito e te relembro que a vida, meu anjo, é o caminho que percorremos na gloriosa busca do reencontro com nós mesmos e nunca com os demais.
 É por tudo isto que espero que não esqueças a fortaleza que existe no teu interior: a única fonte onde verdadeiramente poderás encontrar o derradeiro sentido da tua vida e a secreta fórmula de bem a viveres.
Com todo o amor e carinho,
Carmen.”

9.4.12

“Pluripolares”


    O meu filho mais novo tem uma capacidade fantástica, herdada de mim, que consiste em chorar e rir ao mesmo tempo. Há alturas em que ambas as ações são tão convictas que fico sem perceber qual é a que prevalece. E isto faz-me lembrar a bipolaridade,  uma doença em que a pessoa passa muito rapidamente de um extremo de humor ao outro, diamentralmente oposto.   Deverei com isto assumir que o meu pestinha e eu somos bipolares? Não me parece. Somos apenas pessoas que conseguem achar graça a alguma coisa, mesmo estando a chorar.
   Por outro lado, também se diz que é bipolar quem tem duas personalidades, como se houvesse duas pessoas dentro de uma. Nesse caso não teremos todos uma boa dose de bipolaridade? Se a  personalidade, numa definição muito leiga e popular, é o "conjunto das características marcantes de uma pessoa”, não poderemos assumir que todos temos em nós características marcantes antagónicas? 
   Senão vejamos: todos somos bons e maus;  santos e pecadores; grandiosos e pequeninos. Todos conseguimos ser egoistas e generosos;  compreensivos e incompreensivos;  tolerantes e intolerantes. Creio que não haja um único ser à face da terra que não tenha já sentido amor e ódio, vontade de perdoar e desejo de vingança; medo e coragem.     É certo que há uma  tendência mais prevalente para algum dos lados mas, ainda assim, ninguém me tira a convicção que o ser humano é, por definição, um ser “pluripolar”.   Apenas nos resta decidir qual dos polos nos “sabe” melhor…  como faz o meu filhote, que acaba por decidir sempre que rir é muito melhor que chorar!
Ana Dias

8.4.12

Renascer


   Jesus foi um nazareno dissidente. Alguém tão fantástico, poderoso e especial que tiveram que acabar com ele. Não conseguiram.  E a prova disso é o facto de a sua vida e ensinamentos continuarem, até hoje, a ser celebrados. No dia da festa da sua ressurreição vi-me na contingência de explicar aos meus filhos o porquê de não os acompanhar à missa que tal facto festeja. Fiz o melhor que pude mas receio que muitos anos se passem até que me entendam. Ou talvez não.
  Não sou nazarena, nem me considero dissidente. E longe de mim a pretensão de  me comparar a um ser tão iluminado e fantástico como Cristo. Mas, tal como cada um de vós, lá vou atravessando por vezes umas cruzes bem pesadas e alguns momentos de dor, em que me consola o facto de, tal como Jesus, conseguir ser forte e  fiel aos princípios que me guiam, não obstante as “crucificações” e “mortes” que vou tendo que enfrentar.  
  Hoje escrevo-vos de uma silenciosa capela, no meio do campo, onde apenas se ouvem as folhas a abanar ao vento, os pássaros a festejar a Primavera e outros sinais da natureza viva, também ela renascida. Escrevo-vos dos locais onde mais consigo sentir a fé. Escrevo-vos da terra e do meu corpo, essas voláteis casas de  Deus, seja lá qual for a sua forma e essência. Porque a fé é algo privado, que não precisa de uma multidão para se mostrar ou fazer ouvir.  Escrevo-vos a ouvir o renascer que em vós brota a cada instante, mesmo que não o consigam ver nem sentir. Porque todos renascemos constantemente: nas células, nos pensamentos e no que sentimos. E é assim mesmo que deve ser. Primeiro morremos no momento que acabou de passar, bom ou mau, marcante ou nem por isso. Depois ressurgimos, melhores ou não, numa sequência tão eterna quanto a nossa precária durabilidade permite. Porque, no fundo,  tudo é eterno. Pelo menos enquanto dura.
  Hoje escrevo-vos de uma silenciosa capela no meio do campo,  com uma fé consistente e renovada,  que celebra o constante renascer de todos nós … como seres cada vez melhores.  
Ana Dias

7.4.12

Dia Mundial do “Obrigada”




    Não sei se o Dia Mundial do Obrigada existe. Apenas sei que nunca dele ouvi falar.
Há dias mundiais de tanta coisa e este parece-me tão importante que, a não existir, deveria ser implantado.
Mas vamos um pouco mais longe: o que agradeceriam se hoje fosse tal dia? E a quem? Diriam “obrigado por estar vivo, apesar de todas as dificuldades”? Diriam “obrigada pelo pouco dinheiro que ainda tenho na carteira”? Diriam “obrigado por ter emprego” ou “ obrigado por, apesar de não ter emprego, ter força de vontade para continuar a lutar”?   E quantos de vós saberiam agradecer tudo o que já vos causou dor, mas vos tornou mais fortes e sábios?
   Quantos de vocês teriam vontade de agradecer o  privilégio de, pelas vossas vidas,  terem passado  todos os que já partiram? E será que agradeceriam o amor que já sentiram , mesmo que ele tenha ficado  algures no passado? Saberiam dizer obrigado pelo momento que está  a acontecer  agora? Pelo facto de conseguirem ver, falar, cheirar, ouvir, andar, pensar, sentir? Lembrar-se-iam de agradecer todas as oportunidades que tiveram de crescer, perdoar, reconciliar e  emocionar?
   Há tanto para agradecer que só me ocorre uma coisa: um dia inteiro jamais chegaria! O melhor é propormos dois dias mundias do “Obrigada!”
Ana Dias
Ps – Ah, esqueci-me: OBRIGADA!!!!
  

6.4.12

Estranha fé


- Esta Páscoa também não vou à missa. – Disse no outro dia à minha mãe que, apesar do ar desconsolado, não me fez qualquer comentário.
 Hoje é Sexta-feira Santa, o único dia o ano em que não se celebra missa. É também o dia em que faz um ano que o meu pai faleceu, ele que me educou na fé católica e tanto gostava que eu lá fosse. 
  Mas eu não vou à missa por ter fé em excesso e não em defeito.  Não é na missa que ela em mim se acende ou exponencia: isso tanto pode acontecer numa igreja, como numa mesquita, num templo hindu, num mosteiro budista ou nas ruas de qualquer cidade. Não vou mas respeito e admiro quem vai e procura um encontro mais intenso com a fé o sentido de tudo. Apenas não consigo entender quem o faz como castigo auto imposto.
  Não vou à missa porque não sinto necessidade de mostrar a ninguém que tenho fé nos Homens, no Mundo e na Vida. Tenho fé que cada vez mais a parte boa, lúcida e sábia de cada Homem, prevaleça sobre o seu lado mau, conflituoso e ignorante.
   Tenho fé na fé dos outros e na sua capacidade de perdão, entrega e generosidade. Tenho fé que as guerras ( em particular as religiosas, incompreensíveis na sua génese) se esbatam em compromissos de entendimento sustentável .  
  Tenho fé em quem mais custa tê-la: em mim mesma,  e na coragem de  persistir na tentativa de contribuir para um Mundo emocionalmente mais evoluido.
   Perdoem-me se alguém ofendo, mas tenho fé em tantas e tão boas coisas que os monólogos aborrecidos e cânticos deprimentes ma poderiam perturbar.
   Talvez por não ir à missa me esteja a expor ao perigo de não ter acesso à vida eterna no Paraíso mas, de igual forma, ao não “exercer” outros credos, não estarei  também a dizer adeus à eternidade com 40 virgens ou condenada a nunca renascer como um ser mais evoluído?
   Hoje é Sexta-feira Santa e, neste único dia do ano em que não se celebra missa, resta-me desejar que todos os dias sejam santos. Para crentes e  não crentes de todos os credos. Para ateus, agnósticos ou simples não pensadores.
   Por isso pai, estejas tu onde estiveres, tenho fé que não fiques triste e compreendas… porque não vou à missa.
Ana Dias

5.4.12

Palavras de sonho


    Li algures um testemunho de um escritor que dizia que escreve para fazer as pessoas pensar. Um outro escritor, meu amigo, dizia,  na apresentação do seu último livro, que escrever é uma tentativa desesperada de conquistar a vida eterna através da obra que fica para além do seu desaparecimento. Para outros,  ainda, acredito que escrever seja um exercício de enaltecimento do ego, ou uma fórmula fantástica de exorcizar demónios e redescobrir o sentido das coisas.
    Penso na última resposta que dei quando fui confrontada com tal questão.
- Escrever é tudo e tudo é escrita. Escrever é ser, respirar e existir. 
   Não podia ter sido mais verdadeira. E lembrei-me  disto porque, no sonho que hoje  me embalou o despertar, senti as palavras formularam-se-me tão vívidas e vibrantes que tive que ligar o computador e, no próprio sonho, começar a escrever.
Ana Amorim Dias

4.4.12

Por um amor maior




   Conheço-a há mais de trinta anos e,  durante todo este tempo,  sempre a vi a viver uma paixão feita tanto de alegrias como de amargos dissabores.
   A minha mais antiga e constante amiga, com a sua personalidade alegre e expansiva, infelizmente não é perfeita. Ela é,  como  o próprio filho afirma, “da lagartagem”!
   Sempre a vi a seguir o seu amado clube, contra tudo e contra todos; a sofrer como uma condenada em jogos mais importantes; e a manter-se fiel a esse tão grande amor. Em alturas mais críticas, e dando provas da mais sólida amizade, cheguei a sofrer ao seu lado e  a gritar de alegria por o Sporting marcar ( perdoem-me mas a amizade vem primeiro!).
  Mas quis o destino ( ou o pai da criança, por certo ) que o Afonso, seu filho,  lhe saísse das entranhas, qual  profanador hospedeiro, com o mais vermelho sangue a latejar-lhe na alma. Assim que as enfermeiras o deitaram no berço pela primeira vez, o seu pai cobriu-lhe o franzino corpo com as vestes benfiquistas, selando um pacto irreversível.  
Com a chegada do entendimento,  ao ser questionado sobre o local de nascimento, respondia com voz fanhosa:
- No xtádio da Uuz. –
- Não, meu anjo! Foi no HOSPITAL da luz! – corrigia-o a mãe.
- Nã foi nada! Foi no xtádio da Uuz!! -
Mas isto é só um exemplo da sua encarnada  paixão.   A minha pobre amiga tem que ouvir o cd do Benfica a toda a hora, com o acérrimo adepto a cantar tudo de cor e  com uma convicção invacilável.
Mas foi apenas há dois dias que a Margarida me confessou o inconfessável ( mas prometam manter o segredo, que não lhe quero manchar a imaculada reputação  sportinguista, ok?)
- Sabes, comecei a levá-lo à escolinha do Benfica. Se visses a alegria dele, todo equipado a rigor e a jogar “ à séria”… Juro-te, Ana,  nunca tinha visto o meu filho tão feliz em toda a vida.  
Eu não respondi nada porque lhe vi um orgulho no olhar que não achei nada normal. Afinal conheço-a há mais de três décadas e somos mais que unha e carne. Olhei um pouco mais para aquele olhar com 20% de tristeza e 80% de alegria. Não precisei que ela me explicasse mais nada.   Ali estava eu, perante uma mãe  cujo filho é da equipa rival, que falava do seu pequeno  “arqui-inimigo” cheia de alegria e orgulho por o ver tão decidido e feliz.   
– “ Assim são os filhos” -  pensei,  - “ os reis de um amor maior!”

Ana Dias

3.4.12

A origem do caos



   Ontem, perante uma plateia muito reduzida, comecei a dissertar sobre o facto de não fazermos escolhas.
- Nós nunca fazemos escolhas – Ouvi-me eu a dizer, com alguma surpresa – nós sabemos sempre o que queremos e não queremos, se é pela esquerda ou pela direita, se nos apetece carne ou peixe, se isto ou aquilo nos faz sentir bem ou mal.
  E elas olhavam para mim com atenção.
- Nós nunca fazemos escolhas, porque o nosso coração sabe sempre tudo com uma certeza absoltuta – Continuei – a única coisa importante, é saber como ouvi-lo!
  Agora,  que me lembro do que ontem à noite disse, percebo que o derradeiro motivo de não sabermos escutar o nosso coração/essência, é sermos animais sociais.  Esquecemos como se ouve o nosso interior por “respeito” aos outros.
Se somos expansivos, invadimos o espaço alheio; se não somos, implodimos.  Se somos totalmente sinceros, ferimos; se não somos, prejudicamos.  Se somos impulsivos, damos ideias erradas; se não somos, contribuímos para uma humanidade mais fria.  Se somos servis com os outros, somos carrascos connosco. Se somos constantes, não evoluímos; se evoluímos, tiramos a segurança aos demais.  Se somos falsos connosco, agradamos aos outros; se somos verdadeiros connosco, lançamos o caos no Mundo. Mas, como diz uma pessoa que muito amo:  " ...não te preocupes se por vezes lanças o  caos, minha filha, pois é dele que  nasce sempre a luz e o ordenamento, não só do cosmo, como de tudo. Por isso continua a espalhar esse tipo de caos!"
  É difícil sobreviver incólume no caos que plantamos ao seguirmos a nossa verdade, mas muito mais vale esse caos que nos engole em dificuldades sem fim,  do que a pacífica e amorfa vida de quem cede  a sua verdade às que os outros que lhes impõem.
Ana Dias

2.4.12

A fuga do Chouriço (ou Como animar uma tarde chata de domingo)



    Ontem, pouco depois de escrever a crónica sobre a neura de domingo à tarde, liguei a uma amiga para me salvar da letargia.
- Olá princesa, estou cheia de tédio… - Lamentei-me.
- Então já vou aí ter. – Respondeu prontamente.
- Traz o Mixa para brincar cá na quinta. – Acrescentei.
   Meia hora depois a minha amiga Hebe, uma espécie de Heidi dos tempos modernos, mas toda fashion e elegante, apareceu com o seu borrego de estimação, criado em casa e a biberon.
  O Tomás e o João largaram o computador e vieram logo para a rua, brincar com o “primo”.
- Mãe, não achas que o Mixa gostava de ir aos estábulos conhecer os outros animais?- Quis saber o João.
  E lá fomos em excursão, debaixo da chuva miudinha, com o Mixa todo contente, a fazer tropeçar os miúdos.    Passamos pelas éguas, pelos patos e pintaínhos. Vimos os galos, as galinhas, a cabra e também a burra. Terminamos a visita no “quintal” comum dos animais a que apenas as éguas não têm acesso devido ao seu mau feitio. Ora é nesse mesmo “pátio” que moram o Chouriço e a Salsicha, um casal de porcos vietnamitas cuja burrice faz a própria Joaquina II  ( a burra ) parecer uma cientista.
   A certa altura tive a brilhante ideia de pedir ao João para correr atrás dos bichos ( para dar mais emoção à tarde, estão a ver?) , mas o pobre do Chouriço assustou-se de tal maneira que se escapuliu pela porta mal trancada ( ainda não se apuraram bem as responsabilidades de tal façanha, mas a seu tempo as devidas investigações terão lugar).
   Moral da história, seguiu-se uma hora e meia de perseguição desenfreada em que eu, a Hebe/Heidi, o Tomás, o João, o  Mixa e a Fiona (a mais velha e  anafada cadela cá da quinta que se nos juntou para ajudar à festa) corremos monte acima e cerro abaixo numa tentativa vã de persuadir o Chouriço a regressar para os braços/patas da sua amanda Salsicha. Ainda ocorreu o momento em que quase triunfámos mas o burro do porco, após três marradas convictas na parte de trás da porta da entrada do “quintal”, desistiu e fugiu de novo para o mais alto cume da quinta.
   Esmorecidos, demos por encerrado o resgate, na esperança de, com menos confusão, o Chouriço se voltar a aproximar de casa. E  fomos então comer nêsperas e buscar pares de binóculos para conseguir ver o bicho. Vai daí o João desaparece e volta algum tempo depois.   Ao fim da tarde, já eu estava preparada para mandar os meus encardidos filhos para o banho, comentei com a Hebe: - Hummm…. Aquele desaparecimento do João deve trazer água no bico. -     E ela ficou a olhar para mim sem perceber nada, enquanto eu fui à varanda de cima ( de onde a visibilidade para os estábulos é melhor) confirmar as minhas suspeitas: o estupor do moço foi abrir a porta da área comum dos animais para o Chouriço, ao regressar, ter como voltar aos seus nobres aposentos.
- HEBEEEEE!! – Gritei, enquanto descia as escadas.  -  Agora é que fugiu tudo! O João deixou a porta aberta!
  E lá fomos, a correr à força toda, com o Mixa já cansado a acompanhar a aventura. A Cabra, perdida de grávida, andava satisfeita de roda das laranjeiras. A burra apareceu do outro lado, toda acelerada,  enquanto algumas galinhas dissidentes mediam forças com os atarantados gatos.  Entre correrias e esbracejares, lá conseguimos reunir o gado, mas ainda faltava uma galinha que se colocou num sítio tão inacessível que só depois de muito cercada se deixou apanhar.
   - Não, não…. Eu não acredito… - Lamentei-me, ao ver a Joaquina II de novo à solta. – Estes bichos estão possuídos por algum espírito libertador. –
  Depois de prender de novo a burra fomos finalmente para casa e o João ainda reclamou por eu não lhe dar banho de banheira cheia como lhe tinha prometido.
- Óh filho, toma duche e desenrasca-te que tenho que fazer o jantar. Foi por tua causa que andei até esta hora a prender o gado!
- Mãe… O que é gado? – Perguntou o meu cowboy favorito, já pronto para entrar para o banho.
  Não consegui evitar um sorriso!!
 O Chouriço ainda anda a monte, mas espera-se que regresse da sua aventura ainda no dia de hoje.

Ana Dias