(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.11.11

A tática

  Hoje vou falar de futebol! Garanto-vos que consigo imaginar  as gargalhadas de quem me conhece, ao ler esta primeira frase. Para quem nunca sabe se os jogos são para a Taça, para a Liga ou para o Campeonato do Mundo ( saber que estas coisas existem é um mínimo de que ninguém deve abdicar…), esta pretensão de escrita pode revelar-se arriscada.  Mas como ontem escrevi sobre política, já tudo espero de mim!
  Então vamos lá, sócios… mas não riam muito alto que estou concentradíssima.
Demorei um pouco entre a última linha e esta porque tive que ir consultar o senhor Fernando, aqui do café, que me explicou que os jogadores são onze ( é o que eu pensava! ) e que o guarda-redes normalmente não entra na contagem dos esquemas do 4-4-2  ;   4-3-3  ; 5-4-1  ;  4-1-4-1, etc. Não é preciso ser muito entendida para perceber de imediato que quanto maior for o número inicial (o que está logo depois do guarda-redes) mais o jogo é defensivo e vice-versa.  E é neste momento que começo a voltar à minha zona de conforto e a escrever sobre a vida.
   Afinal como é que eu jogo? Qual é a minha tática? Será que uso,  sequer, o  guarda-redes e alguns defesas? Ou entro com tudo ao ataque? É neste ponto que se torna claro o porquê de existirem vários campeonatos e taças. Vamos supor que o campeonato nacional é a nossa tática familiar; que a liga dos campeões se refere às nossas conquistas pessoais e o campeonato do Mundo é a nossa vida em geral. Quais são as minhas táticas? Quais são as vossas táticas? Estaremos a usar a melhor? E qual é o nosso prémio de jogo? Jogamos para atingir o quê? Fama? Glória? Riqueza? Felicidade? Sabedoria? Realização?
  Eu jogo para evoluir! Jogo para tentar descobrir tudo o que o meu ser encerra! Jogo para me emocionar e para fazer nascer emoções… E não preciso de pensar muito para perceber que a tática que uso é sempre a mesma… 11! Tudo ao ataque, guarda-redes incluído!
  É verdade que a baliza me fica desprotegida e que, volta e meia, sofro golos, mas com onze ao ataque costumo ser demolidora e ganhar todas as taças, campeonatos e afins! Por isso, e como em equipa vencedora não se deve mexer, vou seguir com esta tática insana… Se começar a perder logo aceito as novas fórmulas do meu treinador interior!
Ana Dias
   
 
  

29.11.11

Um acto de fé…


   Não sei como ainda não se lembraram do óbvio: cada novo bebé  deveria contribuir com cinquenta mil euros para a nação!  Ou melhor, só teria direito a cá nascer se trouxesse logo, do útero materno, dois lingotes de ouro para entregar nos cofres do Estado.   E já agora porque não outras medidas, como exigir aos estrangeiros o pagamento de cinco ou seis mil euros para cá virem passar uns dias a levar com o sol na cara e a tirar fotografias ao mosteiro dos Jerónimos?
  Além do mais, por cada gargalhada devia ser combrada a taxa da alegria e por cada ida à casa de banho, uma contribuição por uso de papel higiénico. Quem sabe até,  fosse viável o I. R., o imposto sobre a respiração…
  Não é meu costume escrever crónicas “ de intervenção”. Gosto de me manter, observadora, a trilhar o meu caminho e a viver metida comigo e com os meus assuntos de alma e coração… mas a vontade hoje falou mais alto.
   Encontramo-nos numa situação em que já não vale  a pena procurar culpados, nem fazer greves e manifestações ou armar outras confusões.  O estado arrasado da economia não deve ter um efeito arrasador  nas vidas das gentes. Deve sim ser encarado como uma oportunidade única para ponderar (pelo menos ponderar) como tudo se poderia começar a alterar. Quantos de vós já se deram conta de que a estrutura estadual é exorbitantemente gigantesca?  Andam milhares e milhares a desgovernar os poucos milhões que somos,  neste Portugal que merecia a oportunidade de manter a casta e a nobreza que na sua essência tem.  Já pararam para pensar que a função do ser “Estado” é gerir e providenciar? É provir previdentemente!  Como se de grupo exclusivo se tratasse, cada cidadão, para poder a ele pertencer e lá “brincar”, tem deveres e correspondentes direitos. E os dirigentes desse grupo devem ter por principal bandeira, os interesses dos membros e não os seus… 
  Desculpem-me todos os políticos por não acreditar em vocês. Sei que há ( tem que haver !) alguns que ainda sentem a Missão a guiar-lhes o caminho. Mas sei também  que é quase impossível não sucumbir  ao podre modus operandi da maquinaria pesada. 
  Assim, neste período negro, tomo duas atitudes: trabalho ainda mais apaixonadamente e uno a minha fé a quem, como eu, queira acreditar que ainda haja hipótese de alguns dirigentes perceberem qual é a sua verdadeira função….
Ana Dias

28.11.11

Viver no Paraíso


  Um anjo chega até mim e pergunta: - Então? Não vamos tomar café? –
  Tenho andado constipada e, contra o que é meu costume, muito amiga do sofá e do comando da tv…
- Queres mesmo ir, não é? – Pergunto.
  E a minha mãe, que também é de irrequieta efervescência,  responde que sair um pouco me vai fazer muito bem.
  Sentamo-nos na esplanada do  “Sem Espinhas”, na praia da Retur, e pedimos os cafés. O dia brilha quase tanto como o mar que,   debaixo do sol de  Outono, reflete  uma inacreditável auto-estrada espelhada.
  Tudo é perfeito. Absolutamente tudo menos o meu nariz que insiste em pingar.  O café sabe melhor a ouvir o chill out  e a deixar-me abraçar por aquela envolvência celeste.
- Achas que alguém sabe que o paraíso é aqui? – Pergunto à minha mãe.
- Desde que tu saibas talvez os outros já não demorem muito a descobrir….-
Ana Dias

25.11.11

O prejuízo

- Mãe, eu dou-te prejuízo?-
Por sorte não ia na zona das curvas porque olhei para trás com os olhos completamente esbugalhados.  Percebi que a pergunta se prendia com o facto de lhe ter acabado de dar a semanada com a qual compra as senhas de almoço dele, do irmão, e mais um ou outro pequeno prazer.
- Claro que não dás, meu anjo! Que ideia foi essa agora? -
- É que vocês estão sempre a gastar dinheiro comigo e com o João… -
- Meu amor, um filho nunca, nunca, nunca é um prejuízo!
Numa fração de segundo veio-me à memória ter ouvido dizer que um filho custa, em média, cento e muitos mil euros até se fazer à vida…
- Eu explico Tomás: da mesma maneira que os meus pais e os pais do teu pai nos proporcionaram tudo o que puderam até nós termos capacidade para nos sustentarmos, também nós faremos o mesmo por ti e pelo teu irmão. E, quando a vossa vez chegar, também vocês o farão pelos vossos filhos, mas não é prejuízo, é uma espécie de investimento maravilhoso.
- Eu vou ter que dar dinheiro aos meus filhos?? – questionou o João com voz de quem não gostava muito do que estava a ouvir.
- Meu Deus isto não me está a acontecer às oito da manhã de segunda feira… - Pensei.
E, enquanto os meus filhos alvitravam entre si,  no banco de trás,  sobre os nomes que dariam aos seus filhos ( segundo ouvi parece que cada um está determinado a ter um casalinho), eu fiquei a sorrir… e a desejar apenas que o dinheiro que venha a criar os meus netos seja fruto de trabalhos que lhes dêm  tanta paixão e prazer como os meus me dão a mim.
Ana Dias

24.11.11

My name is Bond…

    Quem não adora o James Bond? A “personificação” do estilo, autoconfiança e adrenalina é, desde há decadas, invejado por homens e desejado por mulheres. Não importando muito que ator o representa, a criação de Ian Fleming tem gerado milhões em bilheteiras e publicidade.
   Marcas como a BMW, Visa, L’Oreal, Ericsson, Avis ou Omega, já gastaram muito por alguns segundos de exposição às mãos da deliciosa personagem, sempre com resultados excelentes. Mas nem sempre se paga para aparecer. Há coisas que valem por si e, tarde ou cedo, são lembradas. É o caso da revista para amantes da leitura, a “Literary Review”, que aparecerá no próximo filme em cima de uma qualquer secretária do apartamento da M.  Segundo li no “The Mail on Sunday”, a revista foi contactada há certa de três semanas para autorizar tal protagonismo, integralmente oferecido.
  Pode ter sido uma notícia muito pouco importante e relativa a algo muito subtil, mas deixou-me feliz. Vejo o caso como se cinema e literatura fossem “irmãos” na criatividade e arte de fazer sonhar, em que o mais mediático estende a mão ao outro… para bem da humanidade. Fiquei feliz porque é no meio de inegáveis subtilezas que se exponencia a nossa capacidade de crescer.
Ana Dias

23.11.11

Joaquina


Todos estavam atarefados no castelo. Era dia de festa. Bobos saltitavam, coloridos, animando o povo, enquanto nobres guerreiros demostravam as suas artes de guerra para mero entretenimento dos visitantes. Cheirava a carne grelhada e cevada naquele entardecer do fim do Verão. Estavamos numa das primeiras edições dos Dias Medievais de Castro Marim.
   Uma criança parou perto de alguns burros que transportam outras crianças em pequenos passeios. A criança levantou a mão e, com um à vontade surpreendente, fez festas no pacífico animal.
 - Mãe! Também quero andar… - Eu já sabia que o Tomás não faria uma birra. Nunca foi miúdo de birras. Olhei para a fila de crianças que esperavam a sua vez para o curioso passeio e respondi-lhe:
- Olha amor, estão muitos meninos à frente…-
- Mas mãe… Eu quero mesmo andar!”
- Não,  Tomás! Andas depois, em casa.  – Assim que disse estas palavras, reparei no ar espantado de algumas mães que estavam próximas.
- Adeus Joaquina! Até depois. – Disse o Tomás, dando-lhe mais um par de festas. A burra, que de burra pouco tinha, deu-lhe um sinal cúmplice de entendimento e continuou com o único trabalho que tinha, apenas quatro dias por ano.
   A Joaquina foi oferecida ao Tomás,  pelos avós paternos, por altura do seu batizado. Vivia lá na quinta na existência mais idílica que uma burra poderia desejar. Não fossem algumas pontuais altercações com as irascíveis éguas e a sua vida teria sido um conto de fadas! Havia algo naquele animal que fazia com que fosse fácil amá-lo. Lembro-me, por exemplo, que era frequente o meu pai, após perguntar ao telefone por toda a família,  querer saber também se a Joaquina estava boa!
- Manda-lhe cumprimentos meus. – Dizia-me ele em jeito de brincadeira, mas com um inegável carinho na voz.
Também recordo como ele, quando nos visitava, subtraía belas frutas à fruteira lá de casa para depois se esgueirar, sorrateiro, e ir mimar a sua amiga de quatro patas e olhar meigo.
   Lembro-me de tudo isto porque há coisas boas de lembrar. Memórias doces de momentos passados a que, por sorte, tivemos a sabedoria de dar todo o valor.
Ana Dias
  
 
 

22.11.11

Trilogia

    Assim que me sentei os meus olhos colaram-se às palavras que brotavam da placa na parede:  “Existem três tipos de homem. Os vivos. Os mortos. E os que andam no mar.”  Indaguei de quem seria e foi-me dito que era atribuída a Platão.
- Hum… Não conhecia… - Disse eu, ainda encantada.
O dono do restaurante perguntou:  - Quem? Paltão? –
- Credo, não! Apenas não conhecia esta frase dele.-
- Procurei na net. Queria homenagear os homens do mar…-
   Fazia todo o sentido. Afinal o restaurante servia trinta pratos diferentes de polvo. Voltei a “namorar” as palavras. Os vivos, os mortos e os que desafiam a morte como modo de vida. E foi então que percebi que, para mim, também há três tipos de Homem: os vivos, os mortos… e os que desafiam a vida!
Ana Dias


21.11.11

Os esquilos

   O João entra no British Museum e fica espantado com as pessoas que lá estão, espalhadas pelo chão, de bloco de desenho na mão a registar com o seu cunho pessoal os artefactos expostos. Não se exalta com a beleza e importância do local e de todo o seu espólio: apenas lhe importa ter, também ele, um bloco de folhas brancas e um pedaço de carvão, para poder dar rédea solta à sua forma de ver o mundo.  Depressa percebemos que o melhor é arranjar-lhe papel e lápis. E, sem saber muito bem como, acabo por demorar por ali muito mais do que contava, deliciada a ver o meu filho de seis anos empolgado a desenhar tudo a que consegue deitar o olho.
  Viajar é isto. Ser surpreendido pelo inesperado e encontrar o encanto em pequenos “nadas” que nos invadem a cada nova esquina. Viajar é ver o que se planeou e é ler as entrelinhas, espreitar os sinais, viver o momento. Viajar é encantar quem se leva na “bagagem” e ser encantado pela sua companhia feita de espanto e cansaço. É regressar mais rico e encontar mais riqueza no ponto de partida.
  Perguntei aos meus filhos qual foi o momento de que mais gostaram e, depois de todo o esforço e investimento, percebo que foi algo tão simples como os esquilos que habitam os jardins do palácio de Buckingham… E é nesse momento que percebo que, para mim, o ponto alto foi o reencontro de um velho amigo com quem há tanto tempo não estava… e as gargalhadas que demos enquanto mostravamos Londres aos miúdos.
As viagens são isso mesmo: surpresas que se fotografam, acima de tudo, com a memória.
Ana Dias

15.11.11

O contador de estórias


  O ancião entrega o seu colar a um jovem. Ao mesmo tenho que lhe coloca o simbólico objeto ao pescoço, investe-o também com a missão que toda a vida teve. Contar estórias que fazem parte da história da tribo. Para que o legado não se perca. Para que as mensagens ancestrais continuem a passar de geração em geração.
  Ao testemunhar este momento, num qualquer programa de antropologia  que passa nos bons canais que a tv paga tem, sou atingida por uma revelação que me enche de um forte sentimento de solenidade. Os contadores de estórias são importantes. Da mesma forma que existem pessoas que fazem pão para alimentar os corpos, outras há que, transmitindo estórias e mensagens, alimentam as almas. Ocorre-me o pensamento, talvez fantástico e sonhador, de ser uma dessas pessoas. De ter por missão contar histórias, transmitir mensagens, alimentar almas… Se assim for, que privilégio representará para mim tal missão! E talvez assim seja porque, afinal, de tudo o que faço, contar estórias é a coisa que sinto ser mais importante.
  Foi ontem à noite que vi o ancião passar o seu colar e a sua função ao homem mais jovem. E que propositada imagem para iniciar a mensagem que hoje vos pretendia deixar: um pedido de desculpas pela ausência dos próximos dias. Espero que sintam a falta das palavras que todos os dias vos escrevo… Na verdade ficaria muito feliz se lhes sentissem a falta! Mas os verdadeiros contadores de estórias são como caçadores nómadas, movendo-se incessantemente no Mundo, de olhos bem abertos e com os sentidos bem apurados para melhor conseguirem “caçar” as estórias com que depois alimentam as almas.
  É por isso que agora me vou, na promessa de regressar,  daqui a alguns dias, com mais uma prolixa “caçada” que, feliz,   partilharei convosco.
Um abraço já saudoso,
Ana Dias
    
 

14.11.11

Muitos anos depois


  Ela continua linda. Ele, como todos os homens, melhorou com os anos. Não é que não se vejam há muito tempo pois as reuniões familiares voltam a juntá-los todos os anos. Conversam um pouco sobre as suas vidas. Riem. Riem muito, na verdade. Circulam entre todos os outros convivas que também se divertem com estórias que saltam do passado para o presente, contadas com a naturalidade de quem sabe que a vida é feita de etapas. É frequente passarem muito tempo sem se verem e até sem se falarem, mas a sabedoria que possuem faz com que se mantenham amigos. Sabem que o amor ficou lá atrás, gasto até ao final no decorrer do tempo que há tanto tempo passou. Mas conhecem-se bem. Por isso sabem rir juntos.  Afinal partilharam a vida durante alguns anos e deixaram um legado comum. Sabem que, para o bem e para o mal, o outro está lá, ao longe mas presente,  para algum conselho ou palavra de apoio.  Sabem conviver tão bem quanto podem conviver um homem e uma mulher depois de passada a tensão do amor.
  E então, enquanto o seu neto sopra as velas do terceiro aniversário, eu abro-me num sorriso… o miúdo tem uns avós que se dão mesmo bem!
Ana Dias

12.11.11

Não quero

Não quero juntar riquezas
Nem viver de glória e fama
Só pretendo ter-me inteiro  
Saber amar quem me ama

Não vou galgar continentes
Nem coleccionar países
Só pretendo ver o ocaso
Longe das minhas raízes

Não quero a imensa mansão  
Não é esse o meu destino
Mas quero poder dar a mão
Falar e ser entendido

Não ambiciono o poder
Fujo dele na verdade
Nada me dá mais prazer
 Que o manto da liberdade

Ser um rei não é p’ra mim
Desisto da minha coroa
Eu só quero estar em mim
Nesta alma que em mim voa

Não quero dar o meu nome
 A qualquer grande avenida
Só me importa que o saiba
 Quem entrou na minha vida

Eu não vou ter biografias
 Entrar em livros de história
Basta-me ficar para sempre
 Vivo na tua memória
Ana Dias

11.11.11

O tempero

- E como quer que lhe prepare a carne, menina?-
- Olhe.. Não sei. – Respondi.
- Mas como é que a vai cozinhar?- Insistiu a senhora do talho, enquanto eu tentava controlar o Tomás, então com cinco anos, tendo o João ao meu colo.
- Pois… eu não cozinho.
   Apesar deste episódio se ter passado há uns bons anos, ainda me lembro bem da cara de pasmo da dita senhora,  que olhava alternadamente para mim e para as minhas rechonchudas crias, tentando perceber como raios  conseguia eu manter uma família sem cozinhar.
  Mas tudo tem o seu tempo e, se durante muitos anos eu pensei que jamais iria cozinhar, (porque não gostava ou não sabia) a vida veio a surpreender-me com o prazer desta atividade tão complexa e desafiante. Considero que, para cozinhar bem, é preciso inteligência,  vontade e instinto (requisitos que são imprescindíveis para qualquer coisa que se queira fazer bem).
  Mas, voltando à cozinha e ao fogão,  há algo mais que determina se o resultado final é um reduntante sucesso ou um tremendo fracasso: o tempero! Quando descobrimos as potencialidades do tempero e de tudo o que ele pode fazer pelas nossas criações, percebemos como é fácil garantir a presença de qualidades apetecíveis em tudo o  que confeccionamos. E, apesar das cestas repletas de especiarias, eu sei muito bem que o tempero secreto que garante o sabor das comidas que preparo é… a música! Poderá parecer estranho mas, pelo menos no meu caso, cozinhar a ouvir música faz realmente toda a diferença. E isto leva-me a pensar: já encontraram o vosso tempero para a vida?
Ana Dias
    

10.11.11

O único problema do Homem…

    
O único problema do Homem é teimar em esquecer-se que tem prazo de validade.  Parece-me bastante óbvio que,  se chegassemos à vida como os iogurtes, com o limite do prazo gravado na tampa, o Mundo seria um lugar bem diferente.  E nem era preciso saber a data exata do perecimento, bastava a consciência plena da sua vindoura ocorrência.
  Confesso que as epifanias de pessoas que passaram por grandes provações e descobriram o intrínseco  valor da vida, já não me comovem nem inspiram.  Na verdade só vêm corroborar a teoria do óbvio fim, segundo a qual o conhecimento da existência de algo tão irrefutável  e imperativo como a  morte deveria ser  o maior aliado para uma vida boa e recheada de sentido.
  É bem provável que, ao fim de apenas dois parágrafos, estejam a lamentar este sórdido tema e a ponderar seriamente interromper, por aqui, a leitura. A escolha é vossa… talvez não percam nada …  ou talvez estejam  a deixar passar uma oportunidade única…   Mas decidam vocês próprios se vão ou não enfrentar este touro  pelos cornos!
  É tão simples quanto isto: não existe vida sem haver morte e não há morte sem ter havido vida.  Mas como é que a consciência do fim nos pode dar sentido à existência?  Comecemos por um exemplo muito prático e simples: imaginem que a vossa vida era um longo e interminável período de férias sem data certa para regressar ao trabalho.  Tinham a vaga ideia que o dia do fim das féria eventualmente chegaria, mas nunca acreditavam que vos acontecesse a vocês… pelo menos não tão cedo…  E então, como as férias eram tidas como garantidas e intermináveis, perdiam todo o sabor: não eram vividas com a alegria absoluta nem com a energia devida;  ficavam sempre visitas e programas por fazer porque as férias iriam durar para sempre e haveria tempo para isso mais à frente; não iriam saborear aquele banho de mar  que, por inércia,  não dariam; não leriam todos os livros que a vossa sede impunha; não fariam aquele jantar para todos os amigos e familiares,   com velas e à luz da lua; não iriam ver o amigo que estava na estância balnear ao lado da vossa; não beberiam um elaborado cocktail ao pôr do sol  na companhia do vosso amor … Não fariam nada disto  simplesmente porque  haveria muito tempo até ao dia em que as férias acabariam,  por mais que, no fundo, soubessem que elas não podiam durar para sempre!
     A nossa vida são essas férias, sabem??!!  E um dia vamos  ser  “chamados para nos apresentarmos ao serviço” e não gozámos as férias!! Podemos até chegar à conclusão que não aproveitámos um dia sequer! Podemos ter ainda um laivo de consciência e perceber que deixamos passar todas as oportunidades, mas as férias chegaram, impreterivelmente, ao fim!
  E como podemos inverter esta devastadora tendência para esquecer o óbvio, que nos corre nas veias desde tempos ancestrais?  Que mecanismos existem para nos lembrar que a vida é limitada no tempo e que, até prova em contrário, é só com esta que podemos,  sem dúvida,  contar?   
    Há uma solução tremendamente simples: estabeleçam um fim imaginário para as férias da vida… Seis meses, um ano, dois anos… não importa. Imaginem apenas que têm  uma data marcada para o fim. Que lista farão de coisas a fazer? Quais serão as vossas prioridades?  Vão beijar e abraçar todos os dias as pessoas que amam? Vão perdoar ofensas e perceber que as raivinhas e ódios não valem, de todo, a pena?  Vão visitar os amigos que há tanto tempo não vêem? Vão pintar o tal quadro, escrever o tal livro, fazer a tal escultura ou canção? Vão finalmente tornar a vossa casa num caos de cor, amor e incenso? Vão fazer aquela viagem sozinhos? Vão enfrentar os vossos maiores medos? Vão dançar à chuva, dormir ao relento, cantar ao vento?  Vão saber viver o momento, apreciar a paisagem, ver o lado bom?  Vão conseguir fazer figura de parvos, ser tidos por loucos, rir à gargalhada? Vão aprender que é tão bom dar como é receber?
  Dêm-se ao trabalho de estabelecer este imaginário fim das vossas vidas e levem-no a sério. Comportem-se de acordo com o prazo que a vida, inexoravelmente, tem.  Não esperem por uma desgraça para que a epifania se dê!  Não esperem por ver a morte de frente para aprender a viver a vida bem! Podem já não ir a tempo!  
   E se fizerem esta experiência de forma dedicada, séria e consciente, verão que, quando o prazo fictício se esgotar, já aprenderam a viver de acordo com o que a vida realmente deve ser: viva, acordada, sentida, surpreendente, avassaladora  e plena.
  Experimentem… antes que as férias acabem.
Por agora, a todos os que tiveram a coragem de chegar ao fim deste texto, apenas me resta congratular-vos pela ousadia, pois tenho a certeza que, ao fechar a revista, vão pegar numa folha e começar a rabiscar uma interessante e arrojada lista que vos fará embarcar na mais proveitosa viagem que alguma vez fizeram…
Ana Dias

9.11.11

O bolinho de côco


  No outro dia encontrei a São, uma das senhoras que trabalha no ATL que o meu filho Tomás frequenta depois das aulas.
- Olá Ana! Sabe o que o Tomás fez hoje? –
   Se ela estivesse a falar do João, teria sido, certamente, alguma cómica patifaria… mas sendo o Tomás, fiquei admirada.
- O quê, São? – Eu já estava com ar zangado a planear o raspanete mas, pelo  olhar sorridente dela,  percebi que afinal não tinha saído asneira.
- Ele ontem estava a comer um bolinho de côco e eu comentei que adoro aqueles bolos e que há já muito tempo não os encontro em lado nenhum…. – Explicou ela. – E hoje… quando chegou da escola, trazia um, todo embrulhadinho, para me dar!-
Fiquei sem palavras. O que lhe ia eu responder? Que o meu filho é uma ternura? Não são as mães que têm que dizer isso dos filhos…  Mas o certo é que, dias depois quando o teste de matemática não veio com o “muito bom” que eu gostaria… não me preocupei muito com isso. Afinal ele anda a tirar “muito bons” em temas, quanto a mim,  bem mais importantes que a matemática…
Ana Dias

8.11.11

NO TEU SONO…


“Velo-te o doce sono / enquanto te vejo dormir
Respiras suavemente / até pareces sorrir
Leio-te o rosto sereno / sondo esses perfeitos traços
Esse semblante moreno  / que não me poupa os abraços
E imagino-te os  sonhos / o que te dá mais prazer
Em coloridos desenhos / memórias do que vais ser…” …

  A música ecoa pela casa. E eu já nem reparo no seu especial significado… admiro-lhe apenas a extrema beleza. E antevejo o sucesso do meu amigo Ricardo Sousa.
    O Tomás chega e comenta – Que gira, mãe!! É tua? -  A naturalidade da pergunta e da forma como é feita, deixam-me admirada.  Aceno afirmativamente com um sorriso brilhante, enquanto lhe  meço as palavras. Afinal esta música, que todos em breve ouvirão, foi escrita para ele e para o irmão. É uma ode aos seus sonhos de criança, para que os acompanhem sempre e os mantenham corajosos, sinceros e inocentes…
  A música ecoa pela casa. E eu já nem reparo no seu especial significado… admiro-lhe apenas a extrema beleza.  Agradeço a sorte do reencontro com o Ricardo Sousa e o nascer deste fabuloso projeto. 
E agora de manhã, ao ouvi-la de novo, imagino o quanto o meu pai apreciaria este fabuloso bailado de letra e melodia a soar na bela voz do Ricardo… Uma lágrima teima em espreitar. Deixo-a correr. E termino a cantar-te, pai, as últimas palavras deste tema encantador: “… e sonho que nunca percas esse sono feito esperança…”
Ana Dias

7.11.11

No banco de trás…

   Abro o jornal. Uma pequena notícia faz-me parar. Na Alemanha desenvolvem um VW Passat e e conseguem pô-lo na estrada sem condutor… controlado por computador. O título da notícia?  “Carro sem condutor tem futuro”.
   Título do meu pensamento? “ Mas que raio??...”  A cada dia que passa vivemos mais no futuro. Mas até que ponto isso é bom? Neste caso em concreto, até acredito que haja pessoas para quem este futuro seja perfeito, mas para mim, é como uma condenação à privação de prazeres!  Sempre que volto de viagem, a segunda coisa de que mais sinto a falta ( a primeira são os putos, claro!) e para a qual volto com uma satisfação inflamada, é para o prazer de conduzir. Se estou dois ou três pares de dia sem os comandos das viaturas, falta-me uma parte de mim, da minha auto-determinação… sinto-me quase amputada! Por isso posso dizer que este futuro possível,  de que a notícia fala,  não  será por mim escolhido!
   Mas há mais: penso como seria mandar o carro buscar os miúdos à escola… Até acredito na segurança e executabilidade, mas como reagiria a dita viatura quando eles começassem com as habituais implicâncias e tropelias no banco de trás? Acredito piamente que todos os fusíveis do carro e circuitos do computador que lhe desse as ordens se derreteriam antes da primeira rotunda!!  Por outro lado começo a imaginar com quem implicariam certos condutores mais irascíveis, ao verificarem que o carro que os tinha ultrapassado de forma mais abrupta não tinha ninguém lá dentro…   E acabo por me lembrar do Knight Rider – o Justiceiro- , a série televisiva dos anos oitenta, com o David Hasselhoff, em que carro e condutor, além de grandes amigos, eram uma dupla imparável no combate ao crime! Não consigo evitar o riso ao imaginar os meus carros com umas luzinhas vermelhas à frente, a meterem-se comigo de cada vez que páro numa sapataria para comprar mais um par de botas…
   Na verdade, a grande ironia de tudo isto é ser a marca “carro do povo” a desenvolver este conceito que me parece tão descabido como a invenção de bananas que falam,  para os miúdos não se esquecerem de as comer no lanche da meia manhã!!
  Mas não posso evitar  ressalvar-me com a hipótese de,  talvez, daqui a duas ou três décadas, ir sentada no banco de trás a ler esta crónica ao meu carro que me “ouve” com atenção enquanto  me conduz  a uma qualquer apresentação de um novo romance… e me responde: “Ana: devias ter acreditado no futuro”…
Ana Dias
  
  

4.11.11

Morrer de amor


   Ela não queria acreditar! Ele estava mesmo a deixá-la. Desta vez não havia mais argumentos nem ardis para o conseguir manter a seu lado. Sabia, no fundo, que tal dia chegaria. O que não sabia era que, com a sua chegada, partiria toda a sua vontade de viver.
   Ela matou-se pouco tempo depois. Por não ter esperança. Por não ter amor para si. Por não ter amor por si. Tinha-o entregue todo. Não importa como o fez. Fê-lo simplesmente. Roubou a si mesma a vida que um dia lhe tinham dado. E partiu.
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Este caso é verdadeiro. É de alguém que eu conheci. De alguém que morreu de amor. Ou por amor, como queiram. Ela já se foi há quase um ano e só agora consigo escrever-lhe. A ela, a todos os que já morreram de amor e a todos os que já sobreviveram ao amor…
Nos filmes fantásticos há por vezes uma poção extremamente poderosa capaz de controlar o Mundo. Os personagens lutam por ela para a controlarem e a usarem em seu proveito, sejam os seus intuitos bons ou maus. Ora o amor é isso mesmo: é aquele frasquinho azul turqueza, guardado num cofre da mais alta segurança por ser algo tão poderoso que, caindo nas mãos dos “maus”,  pode destruir o todo o Universo conhecido. E é também a “substância” mais magnífica e poderosa que jamais existiu ou poderá vir a existir.
    Na realidade, a maior descoberta da humanidade deu-se no preciso momento em que um ser sentiu amor por outro…  Tornámo-nos poderosos para além do que a própria imaginação é capaz de alcançar!
  Mas então porque é que há quem ainda se mate por amor? Porque é que há quem definhe aos poucos e perca toda a razão de viver se o amor se vai? Porque é que há pessoas que se matam por serem “deixados”e outras que, como a minha mãe, que viu o seu amor de toda a vida partir para outro estado, se erguem com nobreza e enfrentam a vida da forma mais positiva que conseguem, honrando o amor que tiveram a fortuna de viver??
   Tudo depende de dois fatores: a forma como se vêem as coisas e o modo como se amou ou ainda ama…
   Sabendo olhar para um amor que se foi com o sorriso da alegria que se sentiu na sua presença, consegue-se manter viva a memória desse amor. Quem guarda,  no seu património interior, o imaculado e eterno amor, pode seguir adiante e amar de novo… sem nunca esquecer nem deixar de amar quem já amou!
  Mas sobreviver ao amor e não desejar morrer na sua ausência depende também da forma como se amou: quem ama outra pessoa deixando de se amar a si mesmo, perde-se no processo. Quem ama assim, ao perder o seu amado/a, deixa de existir e apenas encontra um caminho: a extinção! Mas quem ama alguém mantendo intacto e imaculado todo o amor e respeito que tem por si mesmo, há-de encontrar sempre a força para seguir adiante e amar de novo… porque o amor continua catalizado em si, como a tal poderosa “arma” azul turqueza de que vos falei há pouco!
  Há quem se mate por amor e há quem escolha “matar” o amor para não morrer de amor… Como sempre, o caminho do meio é o mais certo. É por isso que aconselho  a que não se matem por amor… nem escolham matar o amor: lutem por continuar a senti-lo, mesmo depois dele partir. Só escolhendo sempre o amor  estarão preparados… para amar!
Ana Dias




3.11.11

Aborrecimento crónico



   Quem tem filhos sabe do que estou a falar.  A eterna incapacidade de se entusiasmarem, durante um período substancial de tempo, por alguma coisa. Os vários canais só de programação infantil, as playstations, nintendos, computadores e legos têm uma validade limitada. Dos trabalhos de casa nem se fala… é fazê-los rapidamente e fugir a correr! E se os levamos para atividades fantásticas como parques temáticos, explorações florestais, praia, neve, piscinas e camas elásticas,  ficam a pensar que tudo o resto é revestido de um tédio absoluto.   O que me deixa a pensar que, por mais que lhes facultemos as mais incríveis vivências e alargamento de horizontes, isso só lhes cria sede de mais….
    Mas quem não tem filhos também sabe em que consiste o aborrecimento crónico. Apesar de haver coisas que decididamente nos entusiasmam bastante, como não podemos vivê-las com constância, o resto do tempo é passado num limbo amorfo de ausência de emoção. É claro que há pessoas com vidas mais monótonas do que outras e há alguns mais capazes de lidar com o marasmo e com o aborrecimento, sem se aborrecerem muito com isso. Mas, talvez devido à multiplicidade de oferta e rapidez com que tudo agora acontece, estamos cada vez mais aborrecidos… porque se por um lado  vivemos e experimentamos mais, por outro, quando os empolgantes momentos acabam, caímos num muito mais profundo fosso de insatisfação!    Não consigo impedir-me de imaginar se os nossos mais distantes antepassados se aborreciam nas grutas, depois de caçarem um búfalo e conseguirem ter um fogo aceso! Será que ficavam calmos e apaziguados, a catar piolhos uns dos outros e a olhar para as paredes da gruta??  A verdade é que a história comprova ( e somos a prova viva disso mesmo) que eles estavam aborrecidos! Caso contrário não teriam pintado as paredes das cavernas, não teriam começado a criar artefactos, nem inventado a roda. Se não estivessem aborrecidos, não teriam inventado guerras nem mil outras formas de se entreterem e talvez, apenas talvez, ainda estivéssemos agora num incipiente despertar desses tempos…
   Estou a dizer que o aborrecimento crónico é bom? Não! Estou apenas a concluir que é uma característica tão intrínsecamente humana como o são a necessidade de alimento, proteção e procriação.  É provavelmente esta incompleitude, que não nos deixa sossegar,  que nos impulsiona para a evolução…
  Quando os meus filhos estão tremendamente aborrecidos têm duas  tendências básicas: testar os limites da minha paciência ( que são bastante limitados…) ou provocar-se mutuamente até um inevitável estado bélico. Há uma solução que funciona sempre: água! Uma banheira bem cheia de água tépida com luz suave e uma musiquita a acompanhar tem o mesmo efeito do mais eficiente exorcismo.    E devo dizer que esta é apenas uma das muitas soluções para o aborrecimento crónico da humanidade em geral! Porque ele há-de existir sempre, resta apenas saber contorná-lo não com atitudes bélicas e repletas de adrenalina e efeitos nefastos, mas com a escolha de atividades mais apaziguadoras e produtivas. O aborrecimento crónico pode ser afastado por momentos zen ou repletos de paixão; pode ser afastado pela criatividade, solidariedade e caridade… e por tantas outras coisas boas para a nossa evolução no trilho certo!
Ana Dias

2.11.11

Ser inteiro

   Num feriado ainda ameno, entre um passeio de bicicleta, um banho de mar, um jogo de ténis, alguma escrita e arrumações, consigo encontrar tempo para me esticar no sofá e dar luz verde ao frenético polegar.
  Páro na volumosa Oprah.  A entrevistada é  Jane Fonda:  72 anos, um aspeto tremendamente jovem e saudável e um brilho feliz no olhar. Fico a ver. Afinal a senhora, a cada nova frase que diz, apresenta-se-me com a característica que mais gosto: coerência. Mando parar o polegar porque pressentido que algo  bom vai sair dali.
  E fico assim, durante quase uma hora, a conhecer  mais um caso de vida, como tantos, com altos e baixos, conquistas e desesperos. Sinto-me inspirada com muitas das coisas que diz… e comprova! Afinal envelhecer pode muito bem ser uma aventura maravilhosa, sábia e enriquecedora!
  Mas o momento pelo qual eu esperava, o tal que pressenti que chegaria desde o primeiro momento da entrevista, chega sob a forma de parcas palavras: “ As mulheres tentam, durante toda a vida, ser perfeitas… e esquecem que devem lutar apenas por ser inteiras!” .  A frase atinge-me com a força de um furação de boas consequências…. e começo,  de imediato, a “digerir” aquilo!
   Não são só as mulheres a buscar a perfeição quando, em vez disso,  deviam lutar por ser inteiras. Também aos homens se aplica. Cada vez mais.   Ser perfeito não será apenas uma utopia sem qualquer hipótese de concretização prática?  Ser inteiro não será a mais nobre causa a que  pode aspirar cada indivíduo, no campo da sua própria evolução? E o que implica ser inteiro? Aceitarmo-nos e aprendermos a lidar com as nossas idiossincrasias e características mais estranhas? Ou ousar colocar a nossa fasquia cum cume de realização pessoal, familiar e profissional? Ser inteiro será  aspirar a viver em absoluta e pura verdade com todos os que nos rodeiam e darmos tudo de nós?
   Creio que a resposta a esta questão apenas poderá ser dada por cada um de vocês… Mas posso partilhar que, para mim, ser inteira é não me dececionar; é ser verdadeira comigo;  é cair e voltar a reerguer-me mais forte e sábia; é saber  desistir do que não importa e descobrir o que tem realmente importância. Ser inteira é amar-me incondicionalmente, mas aceitar críticas; é amar incondicionalmente os outros sem deixar que esses outros me destruam ou suguem demasiada energia. Ser inteira, para mim, é estar ativa, cheia de planos, projetos, sonhos e metas…. enquanto, ao mesmo tempo, sei desfrutar a viagem….
Ana Dias

1.11.11

Onze horas



    Não me emocionei tremendamente no primeiro dia de escola dos meus filhos. Encarei o facto de forma muito prática  e concluí que é  a ordem natural das coisas: nascem, gatinham, andam, falam, pensam que mandam, vão para a escola, continuam a pensar que mandam, e por aí fora.
   Mas ontem à noite um novo dado surgiu nesta perfeita e previsível equação…
- Mãe… tenho a festa do Halloween lá na escola. Quero que me leves às oito e me vás buscar às onze… pode ser?
Reconheci no seu “pode ser”  uma ferramenta rudimentar  de mal disfarçada humildade por parte de quem sabia, à partida, que a batalha estava ganha.
 - Bolas… Começas cedo…. – Respondi-lhe, com o humor a oscilar entre o orgulho e a resignada condição de mãe de pré-adolescentes.
- Óh mãe… - Por momentos o Tomás viu a vida a andar para trás.
- Tem calma! Claro que podes ir! Mas onze horas é muito tarde para quem tem só dez anos… - Mal acabei de falar lembrei-me das intermináveis negociações com o meu pai… Ri-me… Parece que foi há tante tempo e, ao mesmo tempo, há tempo nenhum…
   Ouvi, nostálgica, a forte argumentação do doce Tomás, advogando com hombridade todas as razões pelas quais considerava que às onze horas era justo para os dois.
   Condescendi sem grande dificuldade e deixei-o na sua primeira festa noturna com direito a DJ e tudo. Combinei ir buscá-lo ao portão da escola às onze em ponto e,  às cinco para as onze, lá o vi a aparecer no local combinado….cinco minutos antes do tempo, tal como eu  fazia na época em que era eu a ter que saber os limites.
   Quando lhe levei o copo de água à cama e dei o beijo de boas noites, sorri…  Isto é complicado, mas pode ser que corra bem…
Ana Amorim Dias