(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.10.12

Por mais que se leia



   Abro os olhos como se estivesse a gravar uma cena de um filme de terror.  Procuro, aflita, o relógio ou o telemóvel porque sei que estou atrasada. Só não sei quanto tempo.
  -  Tomás! João!  Depressa!! Plano de emergência ativado!! – Vou gritando pela casa enquanto constato que já devíamos ter saído há cinco minutos.
  Os putos, cambaleantes e confusos, percebem que a coisa está grave e cooperam de forma surpreendente. Ainda nos deparamos com o grave problema do Tom que não consegue encontrar o livro de Ciências da Natureza. Entre todos, montamos uma ação de resgate ao livro que, vendo-se cercado, rapidamente aparece.
  No final das contas, o balanço do percalço não é grave: o Tomás entra na escola com dez minutos de atraso e o João mesmo em cima do toque. Mas não me perguntem como…
   E agora, tendo como testemunhas apenas o meu computador e a meia de leite escura,  relembro algo que me tem borbulhado no pensamento ao longo dos últimos dias: é que nem tudo se aprende nos livros.   Tenho andado a pensar bastante  nisto devido a uma grande amiga que, quase a ser mãe pela primeira vez, me tem dito que irá agir assim e assado com o seu bébé pois é isso que os livros lhe dizem.   E quando ela fala eu olho-a de boca aberta (literalmente, com comida à vista e tudo!).
- Querida! – Digo-lhe, quase a abaná-la – Somos sete biliões e há bébés desde que há humanidade, certo? Achas que,  antes,  as mães tinham que vestir os recém nascidos no mesmo sítio em que lhes davam banho??? Achas que,  antes, eles não saíam de casa até terem um mês? –
Ela olha-me com aquele ar que me revela que vai pensar no assunto, mas que também me deixa antever que continuará a ler como se trata de um filho.
  Há coisas que não percebo. Juro que não. Quando os meus filhos eram bébés, sempre tive o cuidado de os alimentar com comida e amor; mantê-los lavadinhos; quentes ou frescos consoante a estação e repletos de atenção e brincadeira. Ponto final. Não os acordava de x em x horas para lhes enfiar comida no bucho porque quando dormem é porque estão bem; não esperava pelo dia em que faziam quatro meses para dar a primeira sopa, ou pela vigésima quarta badalada do início do sétimo mês para introduzir o peixe!  Nada disso. Os meus meninos iam comigo para onde eu tinha que ir, brincavam com a natureza e com os animais e, com dez meses, mais coisa menos coisa, já se lambuzavam com pasteis de bacalhau e caracóis. Quem quiser que me leve presa, mas não segui nenhum livro. Segui o instinto, o amor que lhes tenho e, quem sabe a coisa mais importante: segui a ausência de ansiedade que me caracteriza! 
   Para se seguir o amor, o instinto e a ausência de ansiedade não é preciso ler livros. Basta ler ou  ouvir uma  frase  e ter a inteligência suficiente para a colocar em prática.
   Por mais que me custe admitir, há coisas que não se aprendem nos livros. E são muitas. Dei o exemplo dos filhos mas podia ter dado o exemplo dos homens, ou dos amigos, ou da família, patrões, colegas de trabalho, subordinados, etc.
   Qual é, por exemplo,  a mulher que aprende a “dar a volta” ao seu homem  com a leitura de livros sobre o tema??  Mais uma vez só lá se chega com amor, instinto e, claro, muita atitude.
   Enfim, os exemplos do que não se aprende nos livros são imensos, e escrevi hoje sobre isto porque o turbulento acordar  me fez entender que jamais de um livro se poderiam extrair ensinamentos capazes de fazer com que duas “pestes” ensonadas se unissem à sua mãe na missão impossível de fazer recuar o tempo.
Ana Amorim Dias

Boa Demanda


   Passei os anos de faculdade a ouvir, uma e outra vez,  que  mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.  Mais tarde vim a perceber que esta espécie de  provérbio jurídico nem sempre corresponde à verdade. E se assim é no contexto dos enredos judiciais,  sinto-me com legitimidade suficiente para o derrubar por completo se o tentar aplicar à vida em geral.
   Senão vejamos: o que é a vida? Partindo da mais básica e irrefutável premissa, ela é, nada mais e nada menos,  que o intervalo entre o nascimento e a morte.  E o que se passa ( ou se deveria passar)  nesse intervalo é uma incessante demanda:  a demanda da felicidade.  Podemos procurá-la de todas as maneiras possíveis e sob todas as formas de que ela se pode revestir e, enquanto nos conseguirmos  manter  focados nesse imperativo supremo, podemos dizer que a nossa vida é uma  Boa Demanda.
   O que não percebo é porque é que milhões de pessoas se permitem a uma rendição constante e  sucessiva   aos  maus acordos!  Fico com a ideia de que, na nossa essência, trazemos instalado o gene da Boa Demanda, mas que, ao longo desse intervalo de tempo que é a vida, nos vamos acomodando aos maus acordos, por  nos trazerem uma sensação entorpecedora de segurança e estabilidade.
  Aceitamos maus acordos em tudo. Nas relações interpessoais, nos ofícios, nos estilos de vida e na forma como escolhemos encarar  as nossas existências.  Aceitamos os maus acordos porque temos um medo visceral da Boa Demanda, esse bicho tenebroso que nos obriga a arriscar tudo a todo o momento.  Não abraçamos a Boa Demanda pelo medo de perder, sem perceber que, ao fazê-lo, estamos a perder à partida tudo o que realmente importa.
  Há Vidas vencedoras e vidas perdidas. Nas primeiras  vive-se a arriscar a nossa suprema demanda, mesmo sabendo que aqui e ali se perde; nas outras, nas vidas desperdiçadas,   passa-se por cá sem perceber que muito mais vale viver na  demanda da felicidade, com todos os riscos e perdas que daí podem resultar,  do que numa sequência constante de bons e ocos acordos.
Ana Amorim Dias