O almoço decorreu tranquilo. Uma mãe a comer já fora de horas com as duas filhas ainda ensonadas. Depois do café, que finalmente nos despertou, passamos para o escritório. Estiquei-me no sofá, pernas em cima da mana e com direito a festinhas. A nossa mãe, sorridente na cadeira presidencial da secretária, ouvia-nos a tresloucada conversa.
Entre gargalhadas e gozos com a delicadeza distinta da nossa mãe, virei-me para a minha irmã e soltei, sem pensar, mais uma das minhas pérolas: - Tu não vês que ela é enxertada de princesa? –
Fez-se um breve silêncio, logo interrompido pela minha própria gargalhada a que se juntaram as delas.
Um pouco mais tarde, enquanto fazia a via do Infante de regresso a casa, comecei a escrever mentalmente esta crónica. E quanto mais a “escrevia”, mais percebia a verdade naquela tão espontânea frase. A minha mãe é realmente enxertada de princesa. Desconfio que, ao nascer, várias fadas se juntaram para a abençoar com esse enxerto de todas as distintas qualidades que tem. Nem encontro, aliás, outra justificação plausível para o seu jeito de ser tão leve e de real porte.
O pensamento continuou o seu caminho, muito mais veloz que o carro. – E a minha irmã é enxertada da poesia etérea própria de quem vem das estrelas! – Decidi, sem qualquer dúvida.
- E tu, Ana? És enxertada de quê? – Perguntei-me, enquanto o asfalto cinzento ia deslizando por mim. – Ora! Sou enxertada de um mau génio muito impetuoso, revolucionário e criativo! – Perante tão genuína resposta, sorri para o horizonte azul que me devolve sempre à liberdade e pensei no bem que o almoço de hoje me fez. Fui para lá a dormir e voltei bem acordada. Num sentido muito lato, claro.
Agora, devido à vontade que me ficou, só me resta perguntar à Mãe princesa e à Mana poetisa das estrelas se lhes apetece uma breve fuga para qualquer lado… só as três.
Ana Amorim Dias