(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

3.11.11

Aborrecimento crónico



   Quem tem filhos sabe do que estou a falar.  A eterna incapacidade de se entusiasmarem, durante um período substancial de tempo, por alguma coisa. Os vários canais só de programação infantil, as playstations, nintendos, computadores e legos têm uma validade limitada. Dos trabalhos de casa nem se fala… é fazê-los rapidamente e fugir a correr! E se os levamos para atividades fantásticas como parques temáticos, explorações florestais, praia, neve, piscinas e camas elásticas,  ficam a pensar que tudo o resto é revestido de um tédio absoluto.   O que me deixa a pensar que, por mais que lhes facultemos as mais incríveis vivências e alargamento de horizontes, isso só lhes cria sede de mais….
    Mas quem não tem filhos também sabe em que consiste o aborrecimento crónico. Apesar de haver coisas que decididamente nos entusiasmam bastante, como não podemos vivê-las com constância, o resto do tempo é passado num limbo amorfo de ausência de emoção. É claro que há pessoas com vidas mais monótonas do que outras e há alguns mais capazes de lidar com o marasmo e com o aborrecimento, sem se aborrecerem muito com isso. Mas, talvez devido à multiplicidade de oferta e rapidez com que tudo agora acontece, estamos cada vez mais aborrecidos… porque se por um lado  vivemos e experimentamos mais, por outro, quando os empolgantes momentos acabam, caímos num muito mais profundo fosso de insatisfação!    Não consigo impedir-me de imaginar se os nossos mais distantes antepassados se aborreciam nas grutas, depois de caçarem um búfalo e conseguirem ter um fogo aceso! Será que ficavam calmos e apaziguados, a catar piolhos uns dos outros e a olhar para as paredes da gruta??  A verdade é que a história comprova ( e somos a prova viva disso mesmo) que eles estavam aborrecidos! Caso contrário não teriam pintado as paredes das cavernas, não teriam começado a criar artefactos, nem inventado a roda. Se não estivessem aborrecidos, não teriam inventado guerras nem mil outras formas de se entreterem e talvez, apenas talvez, ainda estivéssemos agora num incipiente despertar desses tempos…
   Estou a dizer que o aborrecimento crónico é bom? Não! Estou apenas a concluir que é uma característica tão intrínsecamente humana como o são a necessidade de alimento, proteção e procriação.  É provavelmente esta incompleitude, que não nos deixa sossegar,  que nos impulsiona para a evolução…
  Quando os meus filhos estão tremendamente aborrecidos têm duas  tendências básicas: testar os limites da minha paciência ( que são bastante limitados…) ou provocar-se mutuamente até um inevitável estado bélico. Há uma solução que funciona sempre: água! Uma banheira bem cheia de água tépida com luz suave e uma musiquita a acompanhar tem o mesmo efeito do mais eficiente exorcismo.    E devo dizer que esta é apenas uma das muitas soluções para o aborrecimento crónico da humanidade em geral! Porque ele há-de existir sempre, resta apenas saber contorná-lo não com atitudes bélicas e repletas de adrenalina e efeitos nefastos, mas com a escolha de atividades mais apaziguadoras e produtivas. O aborrecimento crónico pode ser afastado por momentos zen ou repletos de paixão; pode ser afastado pela criatividade, solidariedade e caridade… e por tantas outras coisas boas para a nossa evolução no trilho certo!
Ana Dias