(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

6.5.13

Viver os sonhos

Vai desenterrar os teus sonhos!

Há demasiados assuntos a roubar-nos a paz de espírito e sei que não é nada fácil abstrairmo-nos deles. Se nos despreocupamos por completo entramos no pantanoso campo de correr o risco de perder o sustento, a casa, a família, a estabilidade e algumas outras coisas de quase igual importância. De caminho, no devir dos dias que se sucedem tão iguais, vai-se lutando por dormir bem no meio de tanta preocupação.
Afinal onde anda a esperança? Onde se meteu a paz de espírito? O que foi feito do entusiasmo? Para onde fugiram os sonhos?
Hoje não falo por mim. Tenho a esperança à flor da pele, a paz no meu centro, o entusiasmo na voz e os sonhos na ponta dos dedos que tecem histórias sem fim. O assunto é só contigo: onde meteste tudo isto? Até onde estás pronto a ir para resgatar o teu sonho? Ainda te lembras qual é? Quais são os obstáculos entre ti e a visionária missão que te destinaste? Não serás tu mesmo quem está a construir as muralhas que te impedem de viver o sonho? Não serão os teus infinitos medos e a tua constante inércia que contrariam, mais que tudo, a sua concretização?
Viver os sonhos dá uma trabalheira do caraças. Viver os sonhos assusta, incomoda, faz-nos tremer pelas bases. Mas é no momento em que começamos a sonhar com aspirações reais de concretização que a nossa vida começa. É aí que nasce a esperança, o entusiasmo, a coragem e a mais forte sensação de se estar mesmo vivo.
Agradeço-te que te recordes de cada um dos teus sonhos. Peço-te que tenhas a consciência que os sonhos que valem a pena implicam anos de trabalho, acarretam algumas perdas e têm por vezes que ser novamente adiados. Mas sonha, projeta, visualiza. Olha para dentro e começa a traçar planos. Olha para fora e entende que és capaz. Sê empenhado, esforçado, teimoso. Não te rendas a quem diz que não consegues e que o teu desejo é uma loucura desprovida de sentido. Sente-te a renascer, porque a cada sonho que conseguires concretizar, estás a emprenhar os outros com vontade de sonhar e poucas coisas existem mais belas do que esta.
Agora vai, vai desenterrar os teus sonhos e recomeça a sonhá-los. Renasce com a esperança, o entusiasmo e a paz de espírito de dares à tua vida um sentido.

Ana Amorim Dias

Mãe

Ainda o dia da mãe

Aconteceu com os dois. Quando perdiam a chupeta e começavam a reclamar, eu colocava-a de novo e pensava: "Não tarda muito já vais conseguir procurá-la e acertar com ela na boca!"
Creio que uma das coisas que mais aprecio neste "ofício" da maternidade, é acompanhar-lhes e fomentar-lhes a evolução; é presenciar o seu encantamento perante cada nova descoberta do mundo exterior e das suas próprias capacidades.
Adoro recordar o passado, deliciar-me com o presente e imaginar-lhes o futuro. Até aqui maravilhei-me com mil coisas, em particular com as suas reações aos estímulos que ajudei a proporcionar: a primeira colherada de papa, o primeiro banho de mar, a primeira caracolada, andar de avião, visitar o museu de história natural e por aí fora. Agora encanto-me com o desenvolvimento das suas personalidades tão diferentes, que me surpreendem a cada novo dia. O humor, a sensibilidade e a pontualidade britânica de um, a contrastar com a sedutora e anárquica personalidade do outro, fazem-me perceber que cada ser é muito mais do que a soma da educação e dos genes. O que vão fazer com os seus futuros nem me atrevo a imaginar, mas sei que continuarei com a mesma atitude fundamental de os amar sem posse enquanto lhes fomento, de todas as maneiras possíveis, a outra maior dádiva que uma mãe pode entregar: ensiná-los a voar, livres e independentes. Quero que saibam pensar por si mesmos, que sejam curiosos e entusiastas da vida; quero que saibam distinguir o bem do mal, façam as suas escolhas e aceitem as consequências; quero que conheçam o Mundo e saibam deixar nele as suas marcas; quero que sejam camaleónicos seres, capazes de se adaptar a tudo e todos, mas sabendo manter acesa a chama da própria essência; quero que se encantem para sempre consigo mesmos pois só assim saberão ser felizes...
Ser mãe é ser sublime. Sublime e feliz nesta missão de amar eternamente, com as mãos abertas de quem lhes prepara as asas.
Não posso terminar sem te agradecer a ti, mãe, por sempre teres sido exatamente o tipo de mãe que também eu me esforço por ser.
A todas as outras, o meu beijo sorridente.

Ana Amorim Dias
Tema dos noivos de hoje? Viagens.
Gostei em particular da ideia que tiveram para as listas das mesas. Uma malita de cartão em cima de uma bicicleta velha a que ontem deitaram o olho.
Apreciei a simplicidade. Ela pode estar em cada partida, em cada nova viagem e no espírito com que se abala... basta que embalemos uma mudazita de roupa e nos enchamos de força para começar a pedalar.
Por hoje é só. Fico por aqui, a viajar de cabeça enquanto tento proporcionar à Cristina e ao João um excelente início para esta sua nova viagem.

Ana Amorim Dias

Raízes

Raízes

Não faço a mínima ideia de quem foi o senhor António Isidoro de Sousa. Nem me parece importante. O que realmente me interessa, na praça central de Viana do Alentejo, é o facto de ter sido o meu avô, José Albino Dias, a esculpir o busto do tal senhor.
- Aborrece-te a viagem, titia?- pergunto-lhe antes de partirmos, para ter a certeza que estou a fazer a coisa certa.
- Claro que não, querida! Adoro voltar às minhas raízes!- respondeu convicta.
O seu pai, meu avô, faleceu sem que nenhuma das duas tivesse oportunidade de o conhecer. Mas as grandes pessoas costumam deixar marcas no mundo. E costumam tocar, de maneira inesquecível, as outras pessoas. É por isso que eu e a titia conhecemos bem este José Albino Dias, cujas histórias ouvimos desde crianças. As suas marcas, deixadas no Mundo e nos outros, chegam até nós por fora com a mesma intensidade que as suas influências genéticas nos inflamam por dentro. São isto as raízes. É por isso que as procuramos para sempre.

Ana Amorim Dias

Bagaço

Bagaço

No meio das curvas o telefone toca. Ponho o auricular e atendo.
- Onde estás?-
- Entre São Brás e Loulé.-
- Estou mesmo atrás de ti. Pára na próxima tasca para bebermos uma!-
- Combinado.-
Começo a cantar com a música do Indiana Jones.
" Parar na tasca, parar na tasca, pra beber minis, pra beber mi-i-nis..."
Olho para o lado e vejo a titia com um ar muito preocupado.
- Ana! Não é perigoso?-
- E porquê? É só uma!-
Paramos na tasca seguinte e peço três. Para mim, para a titia e para o Ricardo, que está mesmo a chegar.
- Não, não! Eu não quero!- Diz a titia aflita.
Já não vai a tempo.
- Ah... É cerveja? - pergunta ela ao ver as garrafinhas.
- Pensavas que era o quê?-
- Bagaço!-
Farto-me de rir. Pelos vistos na Holanda, além de não haver sol também não há Minis!!
Momentos depois, quando entro para o carro, reconheço a sorte de viver onde vivo... e de ter quem venha, no carro de trás, em constante desafio.

Ana Amorim Dias

Keep it simple

Keep it simple

No supermercado: "Posso levar queijo feta aos cubinhos para fazer aquela salada com couve roxa...", " ou então os clássicos couscous", "Não,couscous é melhor não, senão o Paulo goza comigo." De repente uma voz soou em mim, enquanto na minha cabeça as mesmas palavras piscavam em grandes luzes néon: "keep it simple"! Continuei a empurrar o carrinho com o alerta crónica a badalar tão alto que pensei que todos pudessem ouvir. "Claro, carne grelhada no carvão em cima de pão e salada! Simples!"
Mantém-te simples. Mantém a tua comida simples, as tuas roupas simples, os teus atos e pensamentos, tudo simples, muito simples! Mantém a vida toda simples!
Vai para casa pelo caminho mais bonito, mesmo que seja o mais longo; abraça quando te apetecer abraçar; ouve música, cantarola; acorda cedo só pelo prazer de estar desperto mais tempo; vai à tasca beber minis; almoça uma sandes à janela e ri-te, é tão simples.
Pode parecer complicado manter uma vida simples, mas não! É simples. Volta às bases, manda o superficial às urtigas. Entende o que é fundamental e o que podes deixar de carregar como um fardo. Fica longe das religiões e une-te à fé. Manda a fome de poder para o espaço e sente o poder invadir-te. Dá um pontapé à ganância e torna-te abundante. Mantém-te longe de processos judiciais e questões sem fim à vista. Fica longe dos papeis e anda na natureza de pés descalços. Sê simples. Chora com simplicidade, tem saudades sem dor, sente as dores sem desespero, da mais simples das maneiras. Experimenta tomar banho num rio, iluminar-te com velas, fazer castelos com nuvens, dizer "amo-te" quando o sentes. Experimenta. Sê simples numa vida simples e de caminho, se por acaso te sentires divino, é porque o exercício da simplicidade te ensinou a chegar ao mais complexo Nirvana.

Ana Amorim Dias

Não é desorganização, é intensidade!!

Não é desorganização, é intensidade!

- Acabo o teu livro antes do fim do mês.-
- O quê? Não podes, não podes! E os anos noventa? E as visitas aos antropófagos? E o resto das histórias da volta ao mundo de mota?-
- Tivesses mandado as gravações quando te pedi! O livro está a chegar ao fim...-

Passei os últimos vinte e dois dias a escrever a biografia deste bulímico de vida como se o mundo estivesse para acabar. Seja sobre realidade ou ficção, quando mergulho num livro tenho que o levar a eito ou corro o risco de me perder da intensidade da história. Como amanhã chega a Portugal a minha titia preferida e me quero dedicar inteiramente a ela, contava ter terminado a obra antes da sua chegada. Tudo se resume a uma questão de intensidade: intensidade para escrever coisas intensas; intensidade para viver os momentos intensamente; intensidade em tudo. Se não for intenso não vale. Se não for intenso não quero, não me serve, não é para mim, não vale a pena.
Olho para a minha secretária e penso: "Não, isto não é desorganização, é intensidade! E afinal que mal faz interromperes uma semana? Esta bagunça vai estar toda aqui, bem como a inspiração dentro de ti!" Não seria justo deixar de fora os anos noventa, as visitas aos antropófagos e o resto das histórias da volta ao mundo na Harley. Não seria correto deixar esta biografia fantástica meio coxa por motivos de organização, inspiração e intensidade.
Por isso, menino Eric, tens uma semana para me mandares o resto da tua vida. Regresso a ela na próxima segunda feira. Com toda a intensidade e emoção, como sempre!

Ana Amorim Dias

Teoremas de amor

A equação do amor

- Achas mesmo?-
- Não acho, tenho a certeza!-
- Então anda tudo enganado...-
- Náá, nem todos.-
- Repete lá outra vez.-
- A equação do amor anda a ser aplicada ao contrário: as pessoas sentem-se felizes quando têm o amor de outra pessoa e sentem-se profundamente miseráveis quando essa fonte pára de jorrar ou diminui a sua intensidade...
- E o resto? Explica-me de novo a equação certa!-
- Se nos amamos profundamente a nós mesmos, é inevitável que os outros nos amem.-
- E como é que nos amamos profundamente a nós mesmos?-
- Já amaste muito alguém? -
- Claro.-
- Quando amaste muito outra pessoa, não te apetecia estar o tempo todo ao seu lado e fazer tudo com ela?-
- Certamente.-
- Amarmo-nos profundamente é isso: querermos fazer tudo e passar o tempo todo connosco. Amar-nos profundamente é viver ligados à nossa essência num momento eterno de pura diversão e prazer.-
- Achas?-
- Tenho a certeza! Por isso não fiques triste se a pessoa que amas não te dá toda a atenção que querias. Que importância tem isso?? Tens-te a ti. A tua presença em ti é sempre a melhor companhia. E se te amares é para sempre!-


Ana Amorim Dias

Ao menino do mar

Ao Lourenço, o menino do mar

Querido Lô, a história hoje é para ti, meu amor. Vou contar-te o que aconteceu ontem, ao fim da tarde, cá na Quinta.
A tia estava a fazer zumba e mandou os primos estudar. Os malandros queriam fugir para a rua porque o João tinha feito uma descoberta qualquer que queria mostrar ao Tomás. Eu queria que eles fizessem os trabalhos de casa mas os bandidos dos teus primos, armados em malcriadões, disseram que não os faziam. E então a tia, toda esbaforida e suada, interrompeu a zumba e fez cara de má!
Sentei-os na mesa da sala e disse ameaçadoramente:
- Não se atrevam a sair sem isto estar tudo feito!-
Passado um bocado o João foi ter comigo e entregou-me os trabalho já terminados. Ainda os ouvi descer as escadas a correr e depois fui tomar banho.
Quando estava a acabar de me vestir, vi uns movimentos estranhos no corredor: estavam os dois com luvas de cirurgião, a atravessar a casa com um aquecedor a óleo. Trancaram-se os dois, muito misteriosos, no quarto do João e não ouvi mais barulhos.
Não sei se sabes, querido Lô, mas quando a tia acaba a zumba, fica com uma fome de lobo, por isso a minha paragem seguinte foi a cozinha, onde fiz um ataque grande ao frigorífico.
E ali estava eu, entre fruta, queijo e pão quando vi o João chegar, sorrateiro, para preparar migalhas e um pequeno copo de leite.
- O que é que vocês andam a tramar, filho? - perguntei-lhe. - Porque é que estão trancados no quarto? Porque estás a preparar migalhas? Têm algum bicho escondido?-
A cara que ele me fez não deixou nenhuma dúvida.
Voltei a perguntar:
- Não é um réptil, pois não?-
- Sim, mãe.-
- Uma cobra?-
- Sim, mãe.-
- Está bem presa?-
- Não, mãe. Ela soltou-se e estamos a tentar apanhá-la!-
Como podes imaginar, a tia não gostou nem um bocadinho da ideia de ter uma cobra à solta lá em casa e, muito zangada, telefonou ao tio Ricardo para ele ralhar com os teus primos.
E então o João riu-se e acompanhou-me ao seu quarto onde, em cima do aquecedor, estava um ninho, cheio de passarinhos bebés.
- Eles assim vão morrer! - disse-lhes eu cheia de pena.
- Nada disso, mãe! Nós tomamos bem conta deles!- disse o teu primo Tomás.
Mas sabes, Lô? Tive que pôr o ninho na árvore porque senão os pobres passarinhos morriam mesmo. Assim, quando tu voltares da Colômbia, eles já vão estar grandes e fortes e vão voar para que tu os vejas...
Um beijo grande da tia, meu lindo menino do mar.

Ana Amorim Dias