(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

6.4.13

Ontem à tarde

Ontem à tarde

O avião aterra em Sevilla sob um sol resplandecente. Olho para o relógio. Ontem a esta hora estava a beber cerveja numa esplanada da marina de Saint Tropez e agora vou tomar a direção de Castro Marim? Bem, é a vida!
Entro para o carro e páro junto às máquinas onde se paga o parque. Nesse momento lembro-me: faz hoje dois anos que, à hora em que eu hoje estava lá em cima nas nuvens, me ligaram: - Ana? Lamentamos informá-la, mas o seu pai acabou de falecer.-
Ponho o tiquet na máquina e a cancela levanta. Aprecio a união com o meu carro, esse prolongamento de mim que me leva onde quero. Entrego-me a esse prazer. Passo da segunda para a terceira e da terceira para a quarta, meio macambúzia. Mas quando a quinta se engata não reprimo o sorriso que se me estampa no rosto. De que me serve estar triste? Isso não o traz de volta. Prefiro abraçar este sorriso agradecido por tudo o que de bom ele deixou gravado em mim.
E então lembro-me de uma das gravações do Eric, sobre a forma como a sua mãe, as suas filhas e algumas mulheres que amou o ajudaram na sua construção pessoal. Faço o mesmo exercício com a minha própria vida e sorrio outra vez de orelha a orelha, lembrando-me da última lição deste homem que me inspira a superar-me.
- Não aprecio despedidas por isso tchau, nem vou olhar para trás.- disse-lhe eu.
- Tens razão, eu também não. Tchau!-
Devido às filas em corredor, acabei por ficar mesmo de frente para a saída da gare. E lá estava ele à espera. Deu uma gargalha, fez adeus e só então foi embora.
E eu fiquei a rir. Já aprendi que o Mundo é tão pequenino que um dia destes nos vamos encontrar por aí.

Ana Amorim Dias

Paciência

Paciência

As narrativas de incontáveis acontecimentos estão já retidas em horas e horas de gravações. Sei que vai ficar tanto por contar que ando sempre atrás do pobre Eric, de Iphone em punho, para o fazer falar ainda mais. Chateio a família toda, vasculho álbuns de fotos, pergunto, esmiúço e, claro, ponho toda a gente a rir a toda a hora com o meu francês deplorável e as minhas ideias loucas.
É incrível a hospitalidade de toda a família e a disponibilidade para fornecerem todo o barro necessário para prosseguir com a minha "escultura".
Mas ainda bem que já me vou amanhã. Deve ser por me sentir tão bem em todos os lugares e com todas as pessoas que acabo por me sentir em casa e ficar com a sensação que estou a encher mais espaço do que aquele que o meu corpo ocupa.
Amanhã tudo voltará ao normal em Saint-Maximin-la-Sainte-Baume. Já cá não vou estar a desencaminhar toda a família nem a testar a infinita paciência do Eric como uma miúda irrequieta a quem há que responder a todos os porquês. Começo a desconfiar que nem toda a formação antropológica e aventureira o prepararam para tamanha estafa!

Ana Amorim Dias