(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

31.5.12

Vou amar-te num bolero




   Ontem à noite estive a ouvir boleros com o meu pai. Com o homem que me ensinou a ouvi-los  e a senti-los bem cá dentro. Há já algumas semanas que não o recordava tanto. E nem sequer fiz de propósito. Apenas liguei o youtube no telefone e comecei a ouvir boleros, essa fórmula musical que me está gravada nos genes talvez por influências paternas.   Fui ouvindo e sentindo. Sentindo que o amor que não morre. Porque há amores  que não desfalecem na ausência.
   Lembrei-me que já criei uma letra em que, na segunda frase do refrão, escrevi isso mesmo: “vou amar-te num bolero”. Se a procurarem no youtube,  verão que a canção “Dar-te música” do meu amigo Ricardo Sousa, fala sobre um tipo diferente de amor;  daquele entre homens e mulheres que vivem apaixonados.   Esta crónica não fala disso. Hoje estou a falar de algo muito mais abrangente e que é fundamental ter presente: há mil tipos de amor e milhões de pessoas para amar; o amor é mesmo maior que a vida porque não morre na morte; e sim, é o amor que nos move!
   Ontem estive a ouvir boleros com o meu pai. E sei que vou amá-lo sempre, em qualquer bolero que oiça.
Ana Amorim Dias

30.5.12

Estar vivo é diferente de viver


   Apesar de já pouco recordar sobre o que aprendi nos três anos em que tive Filosofia no liceu, lembro-me que adorava a disciplina. O Professor Furtado não debitava apenas as correntes de pensadores e as suas respostas às grandes perguntas da humanidade. Ele desafiava-nos a pensar por nós próprios e, ao que parece, gostava da minha lógica porque foi sempre generoso nas notas que me deu.
    Ontem lembrei-me de algumas das grandes questões filosóficas e respondi-as em segundos. Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos?   À primeira respondi: o que importa? À segunda respondi: do cocktail genético dos nossos ascendentes. E à terceira, “para onde vamos?”, decidi que,  quando lá chegar, logo saberei!
   O que importa mesmo questionar é o que é que andamos cá a fazer! O resto não tem a mínima importância. O que é que andamos aqui a fazer? Qual é o sentido da vida? … Pausa… Estou a ouvir-vos a pensar… Caramba! Não acredito que não saibam! Esta é de caras! A resposta é óbvia e, como tal, devia ser quase automática!
   O que estamos aqui a fazer? … A VIVER!!! Certo? É isto, não é? Podem pensar de diferente forma que não vos dou má nota por isso, mas pensam lá comigo: o que andamos cá a fazer não é a viver? A experimentar, a aprender, a pensar, a sentir, a evoluir e a emocionar-nos. Talvez algumas pessoas não percebam o sentido da vida por isso mesmo, por se esquecerem de o fazer. Ou por não sabererem como se vive, não sei…    Correndo o risco de fazer uma afirmação tão brilhante como a da Dona Caneças, vou dizer que estar vivo é diferente de viver. Mas é que é mesmo! Uma pessoa pode estar viva, respirar e ter os órgãos todos a funcionar em pleno e, ainda assim, não estar de facto a viver. Já me entenderam, certo? Respirar não é estar  vivo  de verdade.  Estar  mesmo vivo é acionar a toda  a hora a  apaixonada loucura de pensar e sentir. Estar realmente vivo é procurar incessantemente as emoções, o conhecimento e a evolução. Há muitas pessoas que apenas respiram e, com esse pequeno e constante sopro de oxigénio, arrastam-se pela existência sem a mínima consciência do que estão a fazer. E há outras, meus caros, que a dada altura do percurso, se recordam do que cá andam a fazer e começam  realmente  a viver.
   Não sei se o professor Furtado lerá esta crónica e nem sequer posso dizer que a aprovação deste meu ídolo da juventude seja assim tão importante mas,  tanto quanto o lhe recordo a vitalidade, creio que concordará comigo.
Ana Amorim Dias

29.5.12

O mergulho


   Ontem estava a contar passar o dia entre crónicas para algumas publicações, as últimas páginas de “Quatro”, umas arrumações e uns mergulhitos no mar. Mas, às nove e cinquenta, fiquei a saber que um amigo em apuros precisava de mim no Tribunal… às dez.
  Lá fui. Biquini rosa fushia por baixo de uma túnica e calças de ganga. Nos pés umas havaianas castanhas e, a completar o quadro, os cabelos sempre revoltosos de sal, colares de coloridas missangas  e outros adornos ibizengos.
   Fui à secretaria pedir uns esclarecimentos. Aproveitei e pedi também uma caneta e uma toga.
- Bom dia, Dra! – Recebem-me sempre com um sorriso rasgado. Explicaram que a toga teria que ser emprestada por algum colega. Não me preocupei. Quem tem boca tudo explica.
   Passei a manhã em espera e em inquérito. A audiência de julgamento ficou marcada para as   duas. fui a casa refrescar-me e buscar a amiga toga que sempre me acompanha nestas andanças de tentar fazer justiça. Não me livrei do biquini que a praia ainda me esperava. Voltei ao Tribunal e esperei. O costume. Mas a audiência lá se fez e, tendo em consideração o cenário, até correu muito bem. Mas foi ao sair daquele local,  tão solene e cheio de regras, que me lembrei de novo do que tinha vestido por baixo, como quem recorda a essência.
   Podemos passar a existência enganados, vestidos com togas, fatos e outras enganadoras peças de guarda roupa encenado, a pensar que somos grandes doutores, médicos, polícias ou padeiros mas, bem lá no fundo, somos inocentes selvagens que só precisam de uma tanga para se atirar ao mar e se ligar à essência da vida.
Ana Amorim Dias
P. s. – Sim. Terminei o dia com um mergulho. Gelado. Emocionante. Regenerador.
 

28.5.12

A parte mais gostosa


Estavamos todas juntas, espalhadas pelos sofás e pelo felpudo tapede, a beber um Lambrusco fresquinho.
- Os homens não gostam de celulite!  - Começou uma, enquanto comíamos snaks que, na embalagem, deviam trazer aquele género de frases que vêm nos pacotes de cigarros : “Comer estes snaks vai fazer com que as suas coxas fiquem repugnantes. A responsabilidade é sua”.
- Nenhum homem gosta menos de uma mulher por ela ter celulite, acreditem! – Disse eu. – Eles não são assim! – Senti-me na obrigação de defender o sexo que, naquele momento e lugar, era o mais fraco.
- Podemos perguntar-lhes. – Disse outra.
- Tomás? A celulite incomoda-te? –
- Credo! Que nojo!! –Respondeu.
  Expliquei-lhes que o meu filho mais velho é assim. Por agora tudo lhe mete nojo, até pensar em andar de mão dada com a namorada.
- João? A celulite incomoda-te? –
- Não! – E foi-se embora brincar.
   Depois de perguntarmos a um macho de dez anos e a outro de sete, resolvemos “atacar” o único macho adulto presente:  -  Paulo? A celulite incomoda-te? –
- Claro! Muito! – Respondeu.
   Expliquei que a opinião dele também não contava porque, além de ser um gozão da pior espécie, adora tanto a mulher que ela podia ser uma verdadeira beleia e  ele não se importaria.
- Só falta um! Afonso! A celulite incomoda-te? –
  As suas brincadeiras de menino de quatro anos e meio foram interrompidas e creio que não gostou muito.
- O que é ixo?
- É um bicho de quatro patas! – brincou uma de nós.
 Ele saiu da sala a repetir: - Um bicho de quatro patas, um bicho de quatro patas? Que medo! –
A discussão sobre os inconvenientes da celulite acabou com uma explosão de gargalhadas. O que eu me esqueci de lhes dizer, foi o que aprendi com um simpático brasileiro que há dias me atendeu num restaurante de rodízio:
- Cê não gosta dji gordurinha? Nossa! É a prartji mais góistosa da carne!! Si não tem gordurinha, presta não!! -
Há homens muito sábios…
Ana Amorim Dias

27.5.12

A minha paixão por mulheres



  Anda por aí uma música que diz:  “toda a gente sabe que os homens são brutos”. Coitadinhos. Não são nada! A menos que interpretemos o “brutos” no  lato sentido da ignorância e incapacidade de compreender as Mulheres.
  Nos últimos dias aprofundei a amizade com uma mulher que conhecia mal e conheci outra de quem apenas ouvira falar. Além disso também passei bastante tempo com três das muitas mulheres da minha vida. Como eu entendo os homens! As mulheres podem passar horas a falar de tintas para o cabelo, extensões de pestanas ou de celulite, mas são os seres mais fabulosos do planeta!  Embora de forma completamente inocente e espiritual, começo a peceber que sou louca por mulheres. As mulheres elevam-me e apaixonam-me. Surpreendem-me e inspiram-me!
   E isto leva-me a pensar que nós,  mulheres, à semelhança de algumas civilizações antigas, deviamos instaurar uma espécie de retiro exclusivamente feminino pelo menos uma vez por ano. No solstício de Verão, por exemplo, porque não? Devíamos reunir-nos em grupos de amigas, colegas e familiares que, na proibição  convicta da presença desses estranhos e “brutos” seres do outro género, se dedicariam apenas ao prazer da maravilhosa companhia que sabemos dar umas às outras. Deveríamos retirar-nos, durante largos dias, para a maior casa disponível e apenas poderíamos levar a miudagem e os animais de estimação. E enriqueceríamos de forma inimaginável a nossa existência ( e a dos homens, certamente!) com o exponenciar de toda a nossa mística e miraculosa energia feminina. Voltaríamos desses dias mais poderosas e próximas do divino porque aquilo que temos para dar umas às outras, não me levem a mal, mas nenhum homem consegue!
Ana Amorim Dias

25.5.12

Sob um sol inspirador



- Mãe, lê-nos a crónica de hoje! – Pede o Tomás.
   Estamos a jantar. Sem televisão. Só nós.
- Sim, mãe. Lê lá. – Apoia-o o pequenino.
  Procuro a crónica no telemóvel e começo a ler. Quando acabo ficam pensativos e eu interrompo a meditação cantando músicas de Natal com letras cómicas, inventadas ao momento. Gargalhadas. Cumplicidade. Um momento-tesouro.
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Pouco antes tinha recebido um mail :
“Olá Ana! boa tarde,
Aqui estou eu mais uma vez, para lhe dizer ... Como é possível ?! As suas crónicas são assustadoramente idênticas ao “meu estado de alma” e à situação que actualmente estou a passar ... parece que foram escritas para mim para me ajudar a saltar o degrau que teimo em não saltar (…)
Isto para lhe dizer mais uma vez OBRIGADA Ana, do fundo do coração, pelas palavras magicas!
E mais ... comecei a escrever (graças a si também) faço-o como uma espécie de Xanax precisamente para soltar as emoções que ficam presas.
 Vou dando noticias,
OBRIGADA; OBRIGADA e mais um OBRIGADA
Aproveite este sol maravilhoso para escrever, é inspirador este sol!”
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  Sim. Hoje vou aproveitar este sol para escrever. Como aproveito a chuva e os dias nublados. Hoje vou aproveitar este sol para escrever e para me entusiasmar com a vida. Vou aproveitar o sol e a inspiração que me dão os pedidos dos meus filhos para que lhes leia o que escrevo. Vou aproveitar o sol e a inspiração destes mails de agradecimento que me fazem crer que as palavras não operam  magia só em mim…
  Sim. Vou aproveitar o sol e inspirar-me para o discurso de motivação que vou fazer mais logo, no Ignite Algarve, às sete e meia em Loulé.
Ana Amorim Dias

24.5.12

Rendição absoluta




    Imagina que aterravas em território inimigo. Imagina que, aos olhos deles, eras um invasor. Mas imagina também que os inimigos eram poucos e que podias dominá-los se quisesses. O que farias?
   Quando pensamos em inimigos temos a visão de pessoas  a quem queremos mal e que nos querem mal a nós também. Mas isto podem ser apenas distorções da realidade.  Se invadimos um território, é natural que não nos vejam com bons olhos e desejem a nossa partida. E se nos sentimos ameaçados, também é normal que vejamos como inimigos as fontes dessas ameaças.
   Como derrotamos o inimigo? Fazendo-lhe mal?  Liquidando-o? Tenho uma opinião contrária que talvez faça de mim uma pessoa muito estúpida. Ou talvez apenas ingénua. Ou, quem sabe,  com vocação para a santidade. Não sei. Apenas sei que o inimigo não se derrota com a guerra e a aniquilação. A única forma lógica, válida e verdadeira de se acabar com o inimigo é fazendo-o entender que somos humanos, como ele. A única maneira de acabar com o inimigo é dando-lhe tanto amor que acabará por se entregar ao único tipo de rendição absoluta que existe: a de nos aceitar e amar de volta.
Ana Amorim Dias

23.5.12

Sensibilidade e bom senso



  Às vezes pergunto-me o que é melhor: viver na neutralidade, sem as partes menos boas dos sentimentos poderosos, ou existir numa assunção assumida de sensibilidades e emoções?
  A neutralidade é de uma simpatia enorme porque nos mantém tranquilos e apartados de todo o tipo de dor mas, por outro lado, acaba por ter aquele  mesmo efeito sob o qual ficam aquelas pessoas que se rendem a prozacs, Xanaxs e outros “neutralaxs” dos sentires.
  Caramba! Se somos humanos é para nos emocionarmos, certo? Isto de viver é mais ou menos como parir: dói como o raio, mas é maravilhoso! Há quem tenha a coragem de não usar anestésicos e compreenda os verdadeiros milagres da vida, e há quem se afogue em supressores de dor para não ter que lidar com ela, não vivenciando assim a magia de uma compreensão superior.
  Neutralidade ou emoções? Em que é que ficamos? Mesmo correndo o risco de me meter onde não devo,  atrevo-me a sugerir o uso de toda a nossa sensibilidade e emoção… mas com  o máximo de bom senso.
Ana Amorim Dias

22.5.12

Cinco minutos



   Desafiaram-me de novo para participar no Ignite, desta vez no Algarve. Como detesto virar as costas a um desafio, escolhi o tema “Ferramentas mágicas para uma vida de sucesso”  e espero conseguir, nos curtos cinco minutos a que cada orador tem direito, passar a mensagem de que todos nós temos poderes mágicos.  A sério! Todos temos encerrados em nós estes mecanismos,  poderosos e fáceis de ativar em qualquer lugar e situação, que nos permitem o mais notável feito de que toda a pessoa pode ser capaz: viver uma vida notável !
   Se cinco minutos chegam? Não! Pelos menos para enumerar e falar um pouco de todas as ferramentas mágicas que podemos ativar, cinco minutos não dão nem para começar… mas chegam seguramente para utilizar diariamente mecanismos como o otimismo, a infantilidade, as gargalhadas, o entusiasmo, o amor-próprio  e a consciência de que somos intrínseca e absolutamente livres.
  Ana Amorim Dias

21.5.12

E o Mundo a encolher



 
 Acho que o Mundo está a encolher. Não estou a falar do tamanho, claro, até porque o pouco saber que tenho sobre essa área do conhecimento, apenas me vem de ténues lembranças estudantis e dos programas que vejo nos canais de ciências.  Mas continuo a achar que o Mundo está a encolher. O crescimento de todos os meios de comunicação, o desenvolvimento de novas tecnologias e a utilização crescente dessa coisa fantantástica a que chamamos internet, fazem com que o mundo encolha.
   Há muitos que proclamam os efeitos nefastos da globalização do conhecimento e do contacto virtual entre pessoas que nunca se viram e provavelmente nunca se verão. Muitas pessoas apontam esta explosão incontrolável de redes sociais, profissionais e afins como um dos primeiros sinais do armaguedão da civilização tal como a conhecemos, mas será que têm razão?  Não me parece. Na minha humilde opinião, quanto mais o conhecimento se puder espalhar pelo máximo de milhões possível, melhor. Quanto mais as pessoas de um continente, cultura, religião, formação ou convicção, conhecerem pessoas de outros continentes, culturas, religiões, formações ou convicções, melhor para a humanidade! Tenho esta estranha ideia de que quanto mais perto estivermos uns dos outros, mesmo que só virtualmente, mais temos a ganhar com isso; mais temos a aprender uns com os outros, a enternecer-nos mútuamente e a aceitar as diferenças.
  Saber que posso “falar” a qualquer hora com essa riqueza infinita que é todo e qualquer ser humano e  saber que o posso fazer à velocidade das teclas e para qualquer canto do Mundo, faz-me sentir que estou a viver numa das épocas mais propícias para o desenvolvimentos de cada pessoa enquanto indivíduo e enquanto parte do Ser fabuloso que é a Humanidade…
  E, enquanto percebo isto, está o mundo a encolher!
Ana Amorim Dias

20.5.12

Dona Genoveva


  Uma das grandes riquezas de viajar é a quantidade de pessoas que temos oportunidade de conhecer. Pessoas que passam fugazmente pelas nossas vidas mas que, ainda assim, deixam  algo que nos enriquece e passa a fazer parte do patrimódio estupendo que são as nossas memórias.
   Conheci a Dona Genoveva em Buenos Aires. Sentei-me ao seu lado no Café de Los Angelitos, onde fui jantar e ver um ( fabuloso ) espetáculo de tango. Ela estava com a nora a passar uns dias na capital argentina e, quando começou a responder às minhas investidas curiosas, fiquei a saber que aquela idosa peruana era uma pessoa especial. Na meia hora que passámos a falar, antes do show começar, descobri a sabedoria doce daquela simpática anciã.
- A vida é uma colcha de retalhos que vai ficando sempre maior… - Disse-me a certa altura. – E só nós é que podemos escolher a qualidade dos tecidos e as cores, mais ou menos alegres,  que queremos usar! –
   Não cheguei a saber se a Dona Genoveva tinha sido costureira. Apenas me ficou a lembrança do amoroso olhar com que me soube brindar… e a noção da responsabilidade pela colcha de retalhos que me cabe continuar a fazer.
Ana Amorim Dias

19.5.12

Conversa de chacha


   Cada minuto que vivemos é valioso. Podemos não ter grande consciência disso porque andamos a toda hora atarefados com coisas que pensamos serem muito importantes e não ligamos ao valor de cada simples minuto. A nossa falsa ideia de eternidade, infelizmente,  também contribui para o facto.
  E porquê isto, agora? Podem estar a questionar-se. Simples: porque quando estou, como ainda há momentos, metida com os meus pensamentos e escritos, e sou interrompida por conversas de chacha vindas de pessoas que querem saber do que não é da sua conta, fico ainda mais consciente dos minutos preciosos que estou a perder!  Fico com vontade de responder – Desculpe lá, mas deixe-me aproveitar estes preciosos minutinhos em paz e meta-se na sua vida! –
   Mas,  agora que penso nisso, os minutos que há pouco perdi com mais uma conversa de chacha, tiveram o valor de me fazer ver algo importante:  que cada minutinho é mesmo precioso!
Ana Amorim Dias

18.5.12

A chama milenar


   Contaram-me que há um mosteiro, lá para os lados dos Himalaias, onde existe um fogo aceso que já arde há mil anos. De geração em geração, parece que foram alimentando a chama,  que se mantém em convicto brillho.
   Imaginei o tal mosteiro  e o pequeno fogo ardente… e lembrei-me do pouco trabalho que dá manter a nossa chama acesa. Se pensarmos um pouco nisso talvez não seja difícil perceber que, à semelhança do que fazem daqueles monges, bastam algumas  simples ações diárias para mantermos bem acesa a nossa paixão pela vida. Sim! … Talvez até baste,  simplesmente,  que apenas nos lembremos dela.
Ana Amorim Dias

17.5.12

Ilha deserta


   Não sei se sou só eu que tenho esta mania ou se os outros também “gastam” disto. É uma pergunta clássica, a que vou respondendo,  desde a infância,  das mais variadas formas. O que levaria comigo para uma ilha deserta? Mas a questão torna-se ainda mais lixada porque ( pelo menos era assim que o meu irmão a colocava ) só  poderia levar  uma coisa.
   De vez em quando lembro-me disto. Bem sei que é mais um estranho devaneio, mas mesmo esses nos ajudam a perceber um pouco melhor a vida e a forma como a encaramos. Ao longo dos anos que me separam da menina “pequenina” que já fui, vários têm sido os objetos eleitos. Desde escova de dentes e pasta, a uma mala de livros ou álbuns de fotografias, passando pela minha fronha ou por um sistema de música alimentado com energia solar; já tudo me passou pela cabeça. Mas nunca ficava satisfeita com a resposta: como pode alguém escolher uma só coisa para levar? Por mais minimalista que eu consiga ser, era-me imprescindível, pelo menos,  uma malita com direito a dez quilos como nos voos low cost! Em todos estes anos nunca consegui chegar a uma conclusão tão brilhante como a que me surgiu há uns dias.   Se tivesse que ir para uma ilha deserta e apenas pudesse levar uma coisa, já sei o que levaria! A civilização!  Ficava o problema integralmente resolvido porque além de ser, como todos os humanos, uma animal social, também não saberia viver sem a escova de dentes, os livros e a música; os meus filhos e as notícias, o protetor solar e a internet,  e mais tudo o resto de que todos os dias preciso.
   Moral desta estória? Para vocês não sei. Para mim, foi ter-me trazido a alegria de conseguir responder a uma das minhas inúmeras perguntas.
Ana Amorim Dias
 

16.5.12

"Homemsexuais"


- Mãe, o que são “homemsexuais”? –
- Hoje as perguntas matinais começaram em grande! -  Pensei – E logo hoje que eu ia iniciar o dia a escrever sobre o que  desejaria levar para uma ilha deserta… -
- “Homemsexuais” não existe, João. Acho que estás a falar de homosexuais, não será? –
- Sim, isso. –
- Homosexuais são homens que namoram com homens, meu amor. – Expliquei com calma, temendo a reação.
- Que nojo! –
- Não deves achar isso, João. Cada um tem direito a escolher se quer namorar com homens ou mulheres, não te parece? Gostavas que te achassem nojento por namorares com meninas? –
- Não. –
    A coisa ficou por ali. Mas só por uns momentos. Ao sair do carro para ir para a escola voltou ao ataque:
- Mãe? -    
Tremi.
- Sim? –
- Como é que os homosexuais põem a sementinha? –
   Devo ter ficado com cara de peixe-balão, mas lá encontrei as palavras (que me pareceram) certas.
- Para os bébés nascerem é sempre preciso uma mulher, por isso eles normalmente adotam. –
Saímos do carro e, enquanto caminhávamos lado a lado até à escola, ele deu a estocada final.
- E se houvesse polícias que prendessem os homosexuais? –
  A sério! Ninguém merece passar por um susto destes antes das nove da manhã! Por uma fração de segundo imaginei o meu filho já homem, dirigente de algum partido extremista, a fazer campanhas homofóbicas! – Tem calma, Ana, tu estás a educá-lo bem. Isto é só um mal entendido! – Disse a mim mesma em surdina.
- Mas tu achas bem que houvesse polícias a prender os homosexuais? –
- Não, mãe. Claro que não! –
- Olha João:  - Parei e fi-lo olhar para mim  -  Se há coisa feia nesta vida, é a discriminação! -
- Mãe, o que é discriminação? –
Lá vamos nós outra vez!!!!  Respirei fundo e disse: - É pensar que somos melhores que os outros e tratá-los mal por isso. –
  Já não me respondeu.  Olhou-me com um sorriso traquinas, deu-me um delicioso beijo e deixou-me ali, atarantada para o dia todo.
Ana Amorim Dias

15.5.12

Boa noite, aranha




    Ela passou à minha frente num caminhar convicto feito a oito patas. A imaginação fez-me logo vê-la como se fosse às compras, carteira a tiracolo com a lista escrita lá dentro. Indiferente aos meus desaires, ela continuou a caminhar, sob este olhar atento e carinhoso. Mas antes tinha-lhe reparado na sombra. Uma sobra enorme, assustadora, muito maior que a própria aranha que, inofensiva, apenas seguia o seu caminho.
   Fiquei com o olhar lá preso: aranha e sombra; realidade e ilusão. Quando, pouco depois, me fui deitar, levei comigo uma consideração importante. Quantas vezes não conseguimos distinguir a realidade,  das sombras? Quantas vezes não tememos a ilusão que não corresponde à realidade? Quantos medos injustificados não termos, que passariam com um mero olhar mais atento e isento? Porque uma coisa é certa: embora a sombra que ontem vi, me tenha despertado instintos assassinos, aquela aranhita simpática apenas arrancou de mim um “Boa noite, aranha…”
Ana Amorim Dias

14.5.12

Elementar



      Quando duas pessoas não se dão bem,  normalmente põem as culpas uma na outra.  É raro ouvirmos alguém dizer : “Ele é  uma pessoa espetacular, mas o meu feitio não se coadunava ao dele. ” ou “ Terminámos  a nossa relação porque eu não tenho capacidade para lhe dar toda  a entrega de que  ela precisa.”
    Ao longo da vida vamos somando relacionamentos de toda a espécie; familiares, laborais, amorosos, de amizade, e por aí fora. Uns são mais fáceis e dão-nos a entender que somos pessoas funcionais e bem integradas,  e outros, mais difíceis, vão servindo para aprendermos as mais variadas lições.
   Às vezes pergunto-me como seria  o Mundo se cada indivíduo aceitasse a sua responsabilidade no tipo de relação que mantém com cada pessoa com quem se relaciona… Já imaginaram?  Mas o que me parece mesmo mais importante é que cada um assuma um facto fundamental  e extremamente óbvio. Há apenas uma pessoa com quem temos forçosamente que nos relacionar desde o princípio até ao fim dos nossos dias: nós mesmos.  O que parece já não ser assim tão óbvio é a relação direta entre a forma como nos damos connosco e o modo como nos relacionamos com os outros. E tenho a certeza que quem se dá mesmo bem consigo mesmo, não precisa de se esforçar muito para fazer funcionar bem todos os outros relacionamentos.
Ana Amorim Dias
    

12.5.12

Conquilhas e bodyboard



  Deixo-me convencer a passar o dia na praia. Com direito a sombrinhas, lancheiras a abarrotar de comida, raquetes e pranchas de bodyboard. Felizmente só lá consegui chegar à uma tarde. Mas mesmo assim estou morta. Muito, muito morta!
   Neste dia intenso e repleto de brincadeira, sal e sol, descobri algo que já andava a suspeitar: tenho um vício incontrolável! Alguém que me informe, por favor,  se conhece algum grupo de apanhadores de conquilhas anónimos! É que nem quero saber se as vou comer ou  não!  O simples facto de andar a dar à perna à beira mar e caçar as bandidas que, esquivas, se esgueiram ondas fora, é algo inexplicável. Quanto mais apanho, mais viciada fico…
   Mas as descobertas do dia não se ficaram por aqui. Andava o Tomás com os amigos, a apanhar umas ondas, quando decidi juntar-me a eles.
- Não liguem muito à minha mãe – Avisou logo aos amigos. – Ela é meia marada. –
O certo é que a minha prancha deslizava mais que as deles. Dei-lhes um “bailinho” tão jeitoso que acabaram por desistir, não sei se envergonhados pela derrota se pelo facto da “cota” se estar a divertir como louca.
   Mas a história tem moral. É que, disse-me o Tomás, as ondas têm que ser apanhadas no momento certo! E claro ( confessem lá que já sabem ), pensei logo que com a vida é a mesma coisa:  se apanhamos a onda na hora certa, chegamos muito mais longe.
   Por agora já vou indo porque, como ainda agora dizia: estou morta. Muito, muito morta!
Ana Dias

10.5.12

Seis e dez



  Ele tardou mas acabou por chegar. Quem não sentia já a falta do calor? 
    Depois de, ontem, ter passado a tarde a escrever na tal esplanada (sim, é a do Sem Espinhas Natura na praia da Retur!) acabei por não resistir a uma entrega há muito esperada. Deixei a Sam, na página cento e noventa, a braços com uma situação complicada; desliguei o computador e entrei no mar. Deviam ser seis e dez quando dei o primeiro mergulho do ano. Quer dizer, em Março já por lá tinha andado a brincar, mas como para mim só conta quando mergulho inteira, foi só ontem que inaugurei a Época Mar de 2012.
   Mas aconteceu uma coisa engraçada: se a bem elaborada crónica matinal sobre as razões do sono profundo não foi muito aplaudida, já a simples frase que acompanhou a fotografia da vista de um dos meus “escritórios” ( que utilizo todo o ano), foi alvo de inúmeros “gostos” e comentários. Fartei-me de rir. Será caso para dizer que uma imagem vale mais que mil palavras? Prefiro acreditar que não. Será que a “inveja”,  que eu disse não querer causar, foi a culpada de tal acaso? Também estou certa que não. O facto deveu-se, sem dúvida, ao calor que ontem se começou a fazer sentir, deixando-nos a todos com uma predisposição enorme para ouvir bossa nova à beira bar enquanto sugamos caipirinhas por duas palhinhas largas.
   Podia prometer tentar conter-me e não publicar mais fotografias deste Algarve que emociona e nos faz constantemente lembrar que a vida pode ser mesmo bela, mas não o vou fazer. Porque no fundo sei que gostam. Sei que os relatos destes meus Diasescritos ( para quem está a ler isto no face, é o nome do meu blog) vos trazem à alma esse bálsamo que é sonhar com a chegada das férias.
   Por agora um “até amanhã”,  porque tenho o romance para acabar antes da vossa chegada.
Ana Amorim Dias

9.5.12

Concorrentes de Morfeu


   Ninguém me tira da ideia que as noites de sono agitado têm uma relação direta com a quantidade de convites e pedidos para aplicações que nos vão fazendo no Face enquanto, incautos, estamos a dormir.  
   Descobri  isso hoje porque o meu sono não foi, como de costume, forrado a chumbo, e em vez dos trinta segundos que normalmente levo para adormecer, devo ter demorado para cima de minuto e meio! Encontrei  a explicação ao ligar o face: convites e pedidos para aplicações em números acima da média. Até fiquei com a sensação que quem nos convida, noite fora,  para cursos intensivos de crochet e jogos de pôr caras nas bolas das árvores de Natal, tem algum acordo com uma entidade que faz concorrência ao Morfeu!
   Se por acaso se riram, desde já aviso que agora a coisa vai ficar séria. Pensem lá porque é que se pode dormir bem! Como é que se atinge em segundos aquele estado de sono,  tipo coma,  que nos faz acordar ressuscitados? Será a consciência tranquila? A ausência de preocupações? Alguma predisposição genética? A idade? Ou uma mera questão de sorte?
   Nesta altura quase consigo ouvir a voz do meu pai a dizer : “ Aproveita, Ana. Aproveita que eu também era assim e agora  se durmo cinco horas seguidas  é uma sorte!”
   A verdade é que não sei porque é que as empresas que produzem  calmantes iriam à falência comigo ( pelo menos até à data )!  Sei que me deito tranquila e com a consciência na paz,   mas preocupações,  quem as não tem? Portanto estas justificações talvez não sejam muito acertadas.   O que sei é que enquanto o sono me embalar neste restabelecimento mágico, o aproveitarei com prazer. Mas quando, como aconteceu ao meu pai, as noites começarem a ser mais brancas, também será muito bom: terei mais tempo para escrever!!
Ana Amorim Dias
  
 

8.5.12

Sinceridade fraterna



    A sala era grande. Pelo menos é assim que me lembro dela porque, na altura, eu era bem mais pequena. Tinha umas portas enormes, envidraçadas, que davam para o lado poente da propriedade. E era por detrás das cortinas dessas portas que eles surgiam, como elenco de um musical da Broadway, muito compenetrados nos seus papeis. Eles cantavam Caetano e Gal; cantavam Sting e Scorpions e cantavam os meus preferidos: imitações de música chinesa e canções populares alentejanas.   O meu pai, com a sua voz bonita, acompanhava os meus irmãos artistas, sentado no sofá/plateia. Mas comigo era diferente: os meus idolatrados irmãos não me deixavam abrir a boca e, caso a honra de aparecer com eles em  palco me fosse concedida, apenas o podia fazer como figurante e assumindo o compromisso de manter a boca fechada.
   Adoro cantar… mas continuo a não gostar muito de me ouvir.  Até os meus filhos já me vão pedindo silêncio quando, no carro, alguma canção mais animada faz nascer em mim uma actuação tão empolgada como se estivesse no palco do Pavilhão Atlântico. 
  Durante muitos anos recordei estes episódios (bastante frequentes, acreditem!)  com uma pitada de mágoa pela atitude da minha irmã que, além da maravilhosa  voz,  fazia (e faz) melodias divinas; e pela atitude do meu irmão, dono de uma voz doce e muito afinadinha. Ficava fula por não ter aptidões para participar naqueles duetos irrepreensíveis que tanto me deliciavam.  E os meus pobres irmãos, não sei se para aplacar a minha titânica ira de criança rejeitada, habituaram-se a fazer-me ver a toda a hora que as minhas artes eram outras.
   Ainda hoje não me atrevo a interromper-lhes as cantorias, mas agora já não me resta nem a tal  pitadinha de mágoa. Apenas o agradecimento pela sinceridade de irmãos mais velhos com que souberam dizer-me que para cantar não sirvo… mas que em quase tudo o resto, sou o maior orgulho deles!
Ana Amorim Dias

7.5.12

Proporções de Sol e Lua


   Ontem, enquanto olhava para a Lua e lhe admirava a etérea beleza, tentei perceber se sou uma pessoa mais virada para a Lua ou mais virada para o Sol. Deixei-me estar na varanda, naquele embalo de noite serena, a ouvir os sons tardios do campo. Inspirei o ar puro e admirei as ténues nuvens que iam brincando com aquela bola branca e luminosa que tantos sonhos incendeia.
  E continuei a tentar perceber: “ Afinal, sou mais de Sol ou de Lua?” Lembrei-me da canção do Rui (Veloso) em que ele canta sobre o lado lunar das pessoas. Cantarolei-a  um pouco. Lua ou Sol? Sol ou Lua?
  Cheguei à conclusão de uns cordiais 50/50. Tomos somos Sol e Lua. Todos somos noite e dia; perfeição e imperfeição; tristeza e alegria; romance e real.  Todos nos encantamos com a noite e exultamos o dia. Tudo faz parte do devir ritmado da nossa existência. Tudo faz parte de nós e da raíz do nosso encanto.
   Mas foi esta manhã, quando o Sol me acordou com os beijos dos seus alaranjados raios, que a resposta me chegou, tão quente e envolvente como ele mesmo. Sou cem por cento Sol e sou cem por cento Lua. Sou cem por cento qualquer que seja o contexto ou momento que me envolve e emociona.
Ana Amorim Dias

5.5.12

Carta a uma mãe


    Hoje escrevo só para ti. Por isso ouve-me com a voz de menina decidida que há muito tempo já fui. Olha-me de cima para baixo, como me olhavas quando eu era pequenina e te seguia, casa fora, atrás de uma lindíssima Deusa de flutuantes vestidos. Sente-me como me sentias quando o meu tamanho ainda permitia que me aninhasse no colo do teu doce perfume. Quero que me vejas, oiças e sintas na invacilável  pureza de criança com que eternamente te chamarei de MÃE.
   Hoje escrevo só para ti e  quero que saibas o quanto entendo e me encantam as palavras que no silêncio me dizes. Quero que saibas que sinto cada gota  de orgulho que tens nas minhas conquistas; que sinto cada onda de alegre prazer  com  que a minha boa disposição te enrola;  que sinto cada aragem  de divino  com que as minhas palavras te embalam.
   Hoje escrevo só para ti porque o cordão que nos une é feito do aço eterno de um amor maior que a vida; porque te sinto a estóica tristeza de não saberes aplacar-me os desgostos; porque te conheço o desejo de que todos os meus caminhos sejam feitos só de alegria; porque sei que me entendes as escolhas mesmo quando não as percebes e me devolves toda a paz como tu  e só tu consegues.  
   Hoje escrevo só para ti porque só de ti posso em verdade dizer o quanto és nobre, forte e muito, muito bela. És uma caixa de gloriosas surpresas envolta em pose serena. És presença encantadora na minha encantada visão. És o mar de águas mais calmas em que jamais naveguei.
  E é por isso que nunca duvidei do meu pai quando embevecido dizia que as suas filhas eram lindas, mas que  mais linda que nós era a mãe das filhas dele.
Hoje escrevo só para ti. Ouve-me com voz de menina.
Ana Dias
 
 
 
 
  

4.5.12

Hulka


   O ritmo interminável com que a senhora da mesa ao lado está a mexer o café,  irrita-me profundamente. O facto de ter trocado três vezes de roupa ( quando acerto sempre à primeira) irritou-me profundamente. O batido de meloa que fiz para o pequeno almoço não ficou com o sabor que eu queria… e isso irritou-me profundamente.  Até os índios dos meus filhos perceberam que a irritação é profunda e fizeram a viagem matinal sem dar pio. Isso irritou-me. Profundamente. Como se não bastasse, a mesa onde escrevo todas as manhãs está ocupada! Aiiiiii que profunda irritação!!!
   Leio o que já escrevi. Começo a rir. Percebi o que se passava assim que hoje abri os olhos e dei os primeiros  sinais de Poltergeist. Raramente este fenómeno me atinge  de forma tão acentuada mas, quando acontece, o melhor é fugirem! Fujam todos! Protejam-se! Hoje, para ser Hulk, só me falta ficar verde! 
   Mas conheço bem o antídoto. As palavras saem-me lentas, hesitantes. Não me importo. À medida que me forem saindo, pela manhã fora, o sorriso suave e doce vai voltar à minha alma e salvar-me de todas as irritações.
  Já sabem, certamente, do que falo. Qualquer mulher me entende porque, volta e meia, também está assim. E qualquer homem que ature uma mulher também percebe  pois são vocês, homens, quem mais sofre na pele o incompreendido terror que a TPM vos inflinge. Pobrezinhos… Aqui vos deixo hoje a minha simpatia e solidariedade.  Não desesperem: por mais que esse síndrome ataque com força, também passa depressa. E em caso de perigo, não hesitem: fujam! Porque o seguro morreu de velho.
Ana Dias

“Logo pela fresquinha”

- Chega-te para lá, gorda!
- Tomás! O teu irmão nem é gordo nem é uma menina.  – Repreendo-o.
- Tá. Tá. Tá. Tá. Tá.  – começa o João, para irritar o irmão.
- João, pára! – Diz o Tomás, atingido em cheio na sua fácil irascibilidade matinal.
- Párem! Os dois!
 E eles continuam a implicar no banco de trás.
- É a última vez que vos aviso! –
  Ao menos quando estão completamente ensonados,  fazem o percurso catatónicos e nem os oiço, mas isso é raro. O restolho rasteirinho da implicância inicial dá lugar a alguma atividade física pouco amistosa mas, ainda assim, suave.
- Vou contar para trás e se não pararem, páro eu o carro e não repondo por mim!
Eles não me ouvem. Tenho a certeza que não.
- Três. Dois. Um… – Digo em voz sonora mas, para eles, inaudível.
  Páro o carro na berma e saio. Abro a porta de trás com o ar mais feroz que a minha vontade de rir me permite. Apenas um “Ô ÔU!” do João quebra o silêncio que  de súbito se instalou. Sacudo levemente o pó na perna de cada um. Volto a entrar no carro e peço a mim mesma paciência para os cinco quilómetros que faltam para chegar a Castro Marim.
   Cinco segundos depois de arrancar,  a novela mexicana dos manos no banco de trás volta a ganhar forma. Desisto! Ponho a música mais alto e penso que isto é a forma de mostrarem o quanto gostam um do outro … logo pela fresquinha!
Ana Dias


2.5.12

Mazurrão


  Devia ter escrito esta crónica há cerca de duas semanas, enquanto os factos ainda estavam fresquinhos. Agora terei que usar essa ferramenta (por vezes falível) a que chamamos memória e tentar recriar com fidedignidade o que aconteceu.
  Era domingo e fui tomar a minha meia de leite a um café que fica um pouco a norte de Altura, de seu nome “Carrapato” mas que, apesar do nome algo estranho, tem os melhores caracóis cá da zona.
  Instalei-me, meia ensonada, a beberricar o meu néctar matinal e não pude deixar de ouvir a conversa de dois senhores de idade, que implicavam um com o outro.
- Tu devias era chatear-te a sério com isso! – Dizia um.
- Eu não me chateio com nada… - As reticências que deixou no ar pareceram-me encerrar um: “isso dá muito trabalho.”
- Claro! – Tornou o primeiro. – Estás sempre aí feito mazurrão! –
  Espero que ninguém tenha reparado que quase me engasguei com o café com leite que tinha na boca! A minha reação foi idêntica à dos caçadores ao ver a presa. Procurei freneticamente o meu bloco de notas dentro da mala e apontei aquela prenda dos céus antes de ter tempo de me esquecer da palavra.
  Mazurrão! Como eu adoro viver no Algarve profundo! Uma pessoa pensa que já viu e ouviu tudo e eis que, no mais insuspeito momento, nos cai um tesouro ao colo! Tenho andado em investigações ( mais ou menos) profundas e ninguém conhece a palavra. Até procurei no google… e nada! Vale-me o facto de ter continuado atenta à conversa e ter entendido, pelo contexto,  que mazurrão talvez seja mais ou menos parecido a preguiçoso.
  O que é certo é que,  nesse dia, vim mais rica do café!  Trazia uma alegria estranha. Como podia explicar a quem me rodeia que aquela palavra me fez ganhar o dia? Serei uma colecionadora de palavras? Bem, de qualquer forma  aqui a deixo, para o caso de, se algum dia vos chamarem “mazurrão” ou “mazurrona”, poderem responder: - Nem pense nisso! Eu até sou muito trabalhador/a! –
Ana Dias