(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

23.11.11

Joaquina


Todos estavam atarefados no castelo. Era dia de festa. Bobos saltitavam, coloridos, animando o povo, enquanto nobres guerreiros demostravam as suas artes de guerra para mero entretenimento dos visitantes. Cheirava a carne grelhada e cevada naquele entardecer do fim do Verão. Estavamos numa das primeiras edições dos Dias Medievais de Castro Marim.
   Uma criança parou perto de alguns burros que transportam outras crianças em pequenos passeios. A criança levantou a mão e, com um à vontade surpreendente, fez festas no pacífico animal.
 - Mãe! Também quero andar… - Eu já sabia que o Tomás não faria uma birra. Nunca foi miúdo de birras. Olhei para a fila de crianças que esperavam a sua vez para o curioso passeio e respondi-lhe:
- Olha amor, estão muitos meninos à frente…-
- Mas mãe… Eu quero mesmo andar!”
- Não,  Tomás! Andas depois, em casa.  – Assim que disse estas palavras, reparei no ar espantado de algumas mães que estavam próximas.
- Adeus Joaquina! Até depois. – Disse o Tomás, dando-lhe mais um par de festas. A burra, que de burra pouco tinha, deu-lhe um sinal cúmplice de entendimento e continuou com o único trabalho que tinha, apenas quatro dias por ano.
   A Joaquina foi oferecida ao Tomás,  pelos avós paternos, por altura do seu batizado. Vivia lá na quinta na existência mais idílica que uma burra poderia desejar. Não fossem algumas pontuais altercações com as irascíveis éguas e a sua vida teria sido um conto de fadas! Havia algo naquele animal que fazia com que fosse fácil amá-lo. Lembro-me, por exemplo, que era frequente o meu pai, após perguntar ao telefone por toda a família,  querer saber também se a Joaquina estava boa!
- Manda-lhe cumprimentos meus. – Dizia-me ele em jeito de brincadeira, mas com um inegável carinho na voz.
Também recordo como ele, quando nos visitava, subtraía belas frutas à fruteira lá de casa para depois se esgueirar, sorrateiro, e ir mimar a sua amiga de quatro patas e olhar meigo.
   Lembro-me de tudo isto porque há coisas boas de lembrar. Memórias doces de momentos passados a que, por sorte, tivemos a sabedoria de dar todo o valor.
Ana Dias