(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

10.5.13

Faz falta pensar

Faz falta pensar

Custa-me reconhecer a autoridade a incompetentes. Sei que a vida em sociedade precisa de regras, de quem as crie e as faça cumprir, mas há limites.
Ando sempre com a sensação de que as pessoas se têm esforçado, ao longo da nossa história, por complicar as coisas. É por isso que nos encontramos no momento que é, até agora, o expoente máximo de uma incontrolável diarreia legislativa levada a cabo por arrumadores de pioneses que não sabem dar o nó aos próprios sapatos. Para quê pretender legislar sobre tudo? A vida prática não se compadece dos quilómetros de leis, decretos, regulamentos, adendas e alterações. Muito menos quando muitas delas não fazem qualquer sentido sequer em teoria. E, como de costume, anda tudo encarneirado, de olhos bem fechados, a baixar a bolinha porque a autoridade e a lei são soberanas.
Pois bem, a vida é bem mais simples que todos estes fardos de palha. A vida consiste simplesmente na satisfação de necessidades físicas, intelectuais, espirituais e emocionais. Nisto e na noção de justiça; na capacidade de discernir o bem do mal e na capacidade intrínseca que todos temos de nos ajudar a nós mesmos sem lixar o próximo. A vida consiste em algo que a maior parte das pessoas se esqueceu que tem: a capacidade e o dever de pensar!
É por isso que, desculpem lá, mas não reconheço a autoridade a todos os que, formatados pelo sistema e envergando as palas da estupidez que embirra em não pensar, se julgam donos das regras da existência. É que a vida é mesmo simples, por mais que a queiram complicar. Mas para perceber isso talvez faça falta pensar.

Ana Amorim Dias

Primeira impressão

Primeira impressão

Enquanto se faz zapping, coisas muito interessantes podem acontecer.
Ouvi ontem à noite uma frase: "Ninguém tem a segunda hipótese de causar a primeira impressão." Esta síntese perfeita de simplicidade e verdade causaram-me uma excelente impressão. E o pensamento arrancou de novo, apoiado nas asas da curiosidade que sempre tenho sobre as minhas próprias opiniões.
Primeira impressão há só uma. É como o primeiro amor. Só um. Que pode perder-se nas brumas do tempo, distorcido por todos os amores seguintes, mas que permanece para sempre em nós como a primeira impressão do amor.
Sempre que conhecemos alguém ficamos com uma primeira impressão. Pode ser tão forte que não se apaga ou tão impercetível que quase a esquecemos. Pode ser boa e posteriormente defraudada, ou pode ser má e depois alterada.
Quando nos apresentamos a outrém o processo é o mesmo. Mas a primeira impressão, por mais que as seguintes a desmistifiquem, é sempre a primeira impressão, que não há como alterar.

- Estás aborrecido comigo por alguma coisa? Queres que me vá embora?- Perguntou ela ao senti-lo um pouco ausente.
- O que têm essas frases de positivo? Achas que podes construir alguma coisa com esse tipo de conversa?- perguntou-lhe ele de volta.
E eu fiquei espantada com mais este rasgo de luz.
Quantas das nossas frases são positivas e construtivas? Qual é a percentagem, entre tudo o que dizemos ao longo de um só dia, de coisas positivas? Será que metade das nossas atitudes e reações são construtivas? Ou é menos de metade? Dará muito trabalho analisarmos cada pensamento, frase proferida e ação exercida quanto ao seu positivismo e produtividade?
É um dos muitos casos em que a razão consciente pode ter um papel fundamental. Por isso hoje vou experimentar estar atenta todo o dia: só vou ter pensamentos positivos, proferir frases construtivas e exercer ações que me acrescentem algo de bom à vida. Quem sabe se, com treino, atenção constante e muita dedicação isto não se torna um hábito?
É que se o conseguir, fico com garantias de que não precisarei de segundas oportunidades para causar uma verdadeira e boa primeira impressão.

Ana Amorim Dias

Uma prenda avariada

Prenda avariada

Cheguei à praia quase às oito da noite e comecei a correr. Além de ter estado uma semana inteira sem fazer desporto ainda tive a brilhante ideia de não fazer o aquecimento. "Vou só correr um bocadinho, nada de brusco, isto não deve fazer mal..."
Nos fones soavam ritmos apelativos e, antes que me pudesse impedir, estava a dançar e zumbar em frente ao imenso mar, com um sorriso que ia desde Vila Real até Sagres. O êxtase de zumbar numa praia deserta, tendo o mar como meu espelho e apenas alguns pássaros a testemunhar a loucura, fez-me esquecer por completo que não tinha aquecido os músculos.
Agora, de cada vez que ando, os gemidos fazem-me pensar que estou a roubar as falas às atrizes de certos filmes.

7.10 O João invade-me a cama.
- Vai acordar o Tomás e tragam as prendas do pai.- digo-lhe baixinho para não acordar o aniversariante.
O pequenino lá desaparece, entusiasmado, e o Ricardo abraça-me.
- Não era preciso. Estou abraçado à melhor prenda de todas.-
Sinto as fortes dores nos músculos.
- Ah ah ah. Ganhaste uma prenda avariada!-

Não sei se gosto de me sentir uma prenda. Embora no fundo ele talvez tenha uma certa dose de razão. Tem sorte o rapaz. Tem uma prenda nos braços que é mesmo a melhor das prendas mas, ainda assim, é perigosa e nada fácil. E então percebo de novo a importância do aquecimento. Ele anda há mais de metade da vida a fazer aquecimentos para aprender como funciono sem explodir, sem me tornar mais esquiva, sem me trocar os fusíveis. Acredito que não deve ser nada fácil ter uma prenda assim, tão explosiva e sem livro de instruções. Mas também continuo a acreditar que ele está no bom caminho. Até as mais indomesticáveis prendas, com paciência e amor, se podem tornar na melhor prenda da vida.

Ana Amorim Dias