(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

7.8.12

Num velho bar de Verão



- São mais duas, mãe!
Olho para ele, a mover-se dentro do balcão como um peixinho na água,  e continuo as caipirinhas que tenho entre mãos.
- C’um caneco! O gajo ainda no outro dia andava por aqui de fraldas, a fanar cubos das máquinas de gelo e agora já me faz pedidos destes? Como raios passou o tempo assim tão depressa? – Pensei,  enquanto espremia as limas.
  O Tom frequenta o Piratas desde que se começou a formar  dentro da minha barriga.  É por isso que não me espanta nada todo o encantamento que sente em lá estar. Da mesma forma que não me surpreendo ao ver meninas  já a  olhar, satisfeitas, para o meu eterno “pequeno buda” que, bem consciente do facto, vai pondo aquele olhar sonsinho e feliz de quem começa a descobrir alguns encantos da vida.
  O pedido das caipirinhas já foi feito há algumas noites e só não escrevi logo sobre ele porque quis amadurecer bem a sensação que me trouxe. Não foi o pedido em si, mas a naturalidade e desenvoltura com que foi feito, que me deixou orgulhosa.  E, claro, o fator surpresa que me apanhou mesmo em cheio.
   Cheguei, nestes dias,  à conclusão que não tenho grandes planos para os meus filhos. Não pretendo à força que sejam doutores, médicos, advogados ou engenheiros. Tudo o que quero é que não tenham que ser nada que não queiram ser. É o único verdadeiro legado que lhes poderei deixar. Tudo o que quero é que venham a fazer o que realmente gostam e que tenham a capacidade de o fazer com dignidade e excelência. Mesmo que o que venham a fazer seja vender caipirinhas num velho bar de Verão.

Ana Amorim Dias

Ser (o) primeiro



    Vou acompanhando os jogos olímpicos com um olho na televisão e outro no trabalho. Embora haja modalidades ( as que metem água ou piruetas impossíveis) que me encantam mais que outras, fico sempre embasbacada com o nível de perfeição, dedicação e competitividade dos participantes.
   Quando observo aqueles atletas de alta competição que dedicam todo o seu tempo, energia e força interior ( e exterior, claro) ao desporto em que se destacam, fico a perguntar-me que raio de gene temos em nós que nos faz lutar tanto por ser os primeiros.  Qual é, afinal, o motivo  que leva tantas pessoas a tentar ser o número um em qualquer coisa? Porque é o ser humano, por excelência, detentor desse desejo de ser o melhor?
   Esta reflexão recordou-me de algo ( já o escrevi antes em alguma das centenas de crónicas, mas repito, não faz mal)  que costumava dizer quando era mais jovem: que não queria ser a melhor em nada, apenas boa em tudo. Ora isto além de representar uma falácia típica de um ego demasiado tenro e insensato, acaba por ser uma impossibilidade. Ninguém pode ser bom em tudo. Há coisas para as quais não temos jeito nenhum e nada há que possamos fazer para alterar os factos. Da mesma forma, se há uma minoria  com capacidades e dedicações extraordinárias que lhes permitem chegar a ser os primeiros/melhores em alguma coisa, a esmagadora maioria das pessoas nunca chega a ser o primeiro/melhor em nada.
   Poderia encaminhar-me agora para a velha teoria de que devemos tentar sempre melhorar e superar-nos  a nós mesmos, mas está tão visto que  me vou desviar um pouco e deixar no ar uma reflexão que talvez até seja bem mais importante: e se,  em vez de lutarmos por ser o primeiro, nos esforçassemos por SER, primeiro?
   É claro que dos segundos e terceiros não reza a história. Esta faz-se quase exclusivamente com os números uns; é desses que recordamos o nome, os feitos e o rosto triunfante. Mas para nós, comuns mortais, que não fomos abençoados pelos ventos do Olimpo nem somos  primeiros em nada, parece-me que a história da nossa odisseia pessoal se começa a escrever no momento em que, primeiro que tudo, decidimos ser…nós mesmos.
Ana Amorim Dias