Espremo as limas

  Espremo as limas com vigor. Misturo bem aquela papa de açucar amarelo, lima e cachaça até já não se perceber onde uns elementos acabam e outros começam. Os post it amarelos vão sendo colados ao meu lado… Mais quatro caipirinhas, duas morangoscas e três caipiroscas… Mais três mojitos e dois caipirões…

   Espremo as limas com amor. Porque o amor deve estar em tudo e é o tempero das coisas. Vou atendendo os pedidos naquele cantinho só meu no meio da confusão. Misturo as bebidas, acrescento o gelo moído e remoo pensamentos, lembranças e desejos, envolvendo-os todos como envolvo a lima com o açucar e a cachaça. O barulho das pessoas, das bolas de snooker, da música e do sino da cozinha a anunciar novas tostas,  já nada me dizem. Trabalho como um autómato, mas ainda assim ponho amor no que faço. Deslizo as mãos pelos artefactos e copos com a mestria de quem saberia fazer tudo aquilo com uma venda nos olhos.

Espremo a limas sem ver. Porque na verdade estou submersa no meu interior avassalado por lembranças e emoções. Soam músicas felizes que só trazem nostalgia e sensação de impotência. Mas, quando o turbilão se me aplaca, deixa para trás uma imensidão de ideias, ideais, inspirações. Ficam os planos B e C e D. Porque a vida vem em marés e não é por já ter andado à deriva, sem saber tomar o leme, que não poderei ser, nas vindouras , uma exímia timoneira.

   Espremo as limas com violência. Com a violência da saudade. Que se esvai porque te vejo em cada canto. Só os meus olhos te vêem porque só o meu coração te sente. Estarás sempre presente. Como um bom fantasma. A deslizar na tua graça. A iluminar com a tua beleza irascível e sensual.

  Espremo as limas a sorrir… sinto os teus braços a envolverem-me o corpo. O teu cheiro invade o ar. Ninguém te consegue ver. Ninguém te pode sentir. Mas estás comigo sempre. Estarás comigo sempre. Não há força, ameaça ou distância que o possa impedir. Contra fantasmas ninguém pode lutar.

Ana Dias