(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

28.8.12

Amores de perdição



   
 E se tentássemos classificar o amor?  Em quantas diferentes categorias, espécies e sub-espécies poderia ele ser estratificado?
    Podia ser classificado pelo destinatário amado  ou pelo emissor do sentimento, havendo amor de  mãe, pai, avô, irmão, filho, amigo, marido, mulher, cão,  gato e por aí fora.
   Podia ser classificado quanto ao grau, se acaso existisse um amorómetro  e uma escala tipo “quilamor” ou “metrolove”: 
 - Quanto é que me amas?-
  - Amo-te novecentos e três “quilamores”. -   
 - Bolas! Não sabia que estavas tão apaixonado por mim! -
  O amor também se poderia classificar como são, doentio ou mesmo patológico, subdividindo-se depois cada um destes ramos em inúmeras outras catalogações.
  Mas  o amor entre um homem e uma mulher só tem duas categorias: o amor prático e o de perdição.
   O primeiro é o amor dos casais; o amor da concretização real que dá origem a novas famílias; é o amor do caminho percorrido a dois ao longo da vida. O amor prático é o que sustenta a estrutura da humanidade; é o amor companheiro e ternurento que enfrenta as pedras da vida; é o amor sereno que, com o passar dos anos,  transforma a paixão em laços de sangue que não é do mesmo sangue. O amor prático tem dias melhores e meses piores; tem paciência, compaixão, perdão e dedicação. O amor prático tem chão, paredes e teto e consuma-se no mar de águas calmas que é o leito conjugal.  O amor prático sustenta o corpo e serena a alma; protege o outro e reclama proteção; e às vezes acaba, mas outras vezes não. Este amor é de um valor inestimável mas, ainda assim,  não supera aquele que é o topo da pirâmide amorosa. 
   O pináculo do amor  é o amor de perdição, o único que embarga a voz, arrepia a pele inteira,  traz todo o frio à barriga e um grande nó à garganta. É este o amor que faz história e que dá sentido às estórias. É este que alimenta a arte, eleva o Homem e faz sonhar os mortais.
    Sim, o amor de perdição é o mais completo,  acabado  e sublime estado do amor; é o supra-sumo da emoção humana; o rebentamento da escala,  a apoteose  do sentir.  O amor de perdição é sublime, inexplicável, aéreo e etéreo. Neste amor morre-se e renasce-se das cinzas a cada dia, a cada minuto.  Este amor é arrebatado, violento, demente e, contudo, absurdamente ardente e perfeito.
   Mas há um preço a pagar por todos os que  ousam atingir o auge dessa mortal vertigem. Ninguém me tira da ideia que os Deuses lançaram, nos primórdios dos tempos,  uma maldição sobre os arrogantes humanos que ousaram alcançar o divino através deste estado  amoroso. É por isso que os amores de perdição são sempre impossíveis, dramáticos, letais. A dor dilacerante da perda, da saudade e da morte é deles  parte integrante.   Que o digam Pedro e Inês, Romeu e Julieta,  Tristão e Isolda, Sansão e Dalila e tantos, tantos outros.
  O amor de perdição é sempre impossível pois caso assim não fosse cairia no amor prático, real, humano.
   E o amor de perdição não é, definitivamente, para todos. Na elite que o experimenta apenas cabem pessoas sensacionais, capazes de se rasgar numa dor que se abraça e aceita com despudorado estoicismo.  Os insanos seres que nesse estado habitam, sabem que jamais terão paz. Sabem que a todo o momento o  esgar agonizante da morte se abaterá sobre si, na saudade que sentem e na surda raiva da ausência. Mas sabem também que do outro lado, qualquer que ele seja, o seu amor está lá, a sentir o mesmo: a morrer e a nascer em cada instante distante desse amor amaldiçoado.
Ana Amorim Dias