E se tentássemos classificar o amor? Em quantas diferentes categorias, espécies e sub-espécies poderia ele ser estratificado?
Podia ser classificado pelo destinatário amado ou pelo emissor do sentimento, havendo amor de mãe, pai, avô, irmão, filho, amigo, marido, mulher, cão, gato e por aí fora.
Podia ser classificado quanto ao grau, se acaso existisse um amorómetro e uma escala tipo “quilamor” ou “metrolove”:
- Quanto é que me amas?-
- Amo-te novecentos e três “quilamores”. -
- Bolas! Não sabia que estavas tão apaixonado por mim! -
O amor também se poderia classificar como são, doentio ou mesmo patológico, subdividindo-se depois cada um destes ramos em inúmeras outras catalogações.
Mas o amor entre um homem e uma mulher só tem duas categorias: o amor prático e o de perdição.
O primeiro é o amor dos casais; o amor da concretização real que dá origem a novas famílias; é o amor do caminho percorrido a dois ao longo da vida. O amor prático é o que sustenta a estrutura da humanidade; é o amor companheiro e ternurento que enfrenta as pedras da vida; é o amor sereno que, com o passar dos anos, transforma a paixão em laços de sangue que não é do mesmo sangue. O amor prático tem dias melhores e meses piores; tem paciência, compaixão, perdão e dedicação. O amor prático tem chão, paredes e teto e consuma-se no mar de águas calmas que é o leito conjugal. O amor prático sustenta o corpo e serena a alma; protege o outro e reclama proteção; e às vezes acaba, mas outras vezes não. Este amor é de um valor inestimável mas, ainda assim, não supera aquele que é o topo da pirâmide amorosa.
O pináculo do amor é o amor de perdição, o único que embarga a voz, arrepia a pele inteira, traz todo o frio à barriga e um grande nó à garganta. É este o amor que faz história e que dá sentido às estórias. É este que alimenta a arte, eleva o Homem e faz sonhar os mortais.
Sim, o amor de perdição é o mais completo, acabado e sublime estado do amor; é o supra-sumo da emoção humana; o rebentamento da escala, a apoteose do sentir. O amor de perdição é sublime, inexplicável, aéreo e etéreo. Neste amor morre-se e renasce-se das cinzas a cada dia, a cada minuto. Este amor é arrebatado, violento, demente e, contudo, absurdamente ardente e perfeito.
Mas há um preço a pagar por todos os que ousam atingir o auge dessa mortal vertigem. Ninguém me tira da ideia que os Deuses lançaram, nos primórdios dos tempos, uma maldição sobre os arrogantes humanos que ousaram alcançar o divino através deste estado amoroso. É por isso que os amores de perdição são sempre impossíveis, dramáticos, letais. A dor dilacerante da perda, da saudade e da morte é deles parte integrante. Que o digam Pedro e Inês, Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Sansão e Dalila e tantos, tantos outros.
O amor de perdição é sempre impossível pois caso assim não fosse cairia no amor prático, real, humano.
E o amor de perdição não é, definitivamente, para todos. Na elite que o experimenta apenas cabem pessoas sensacionais, capazes de se rasgar numa dor que se abraça e aceita com despudorado estoicismo. Os insanos seres que nesse estado habitam, sabem que jamais terão paz. Sabem que a todo o momento o esgar agonizante da morte se abaterá sobre si, na saudade que sentem e na surda raiva da ausência. Mas sabem também que do outro lado, qualquer que ele seja, o seu amor está lá, a sentir o mesmo: a morrer e a nascer em cada instante distante desse amor amaldiçoado.
Ana Amorim Dias