Cheguei a Formentera de iate. Num momento estava na cozinha, a comer melancia e, no seguinte, a boca escancarou-se perante a visão daquele azul transparente. Não me importei com a distância que ainda me separava de terra. Mergulhei. Nada me poderia travar.
As Baleares, em particular Formentera, deixam-me sempre a pensar porque é que se perde tanto tempo no ar para chegar às Caraíbas. Nunca encontrei, sob o calor caribenho, o tropical garbo europeu que por ali se respira. A graça de Sant Francesc, as maravilhosas feiras de rua, o misticismo do ocaso na Mola ou o ambiente hippie chic do Big Sur, são apenas alguns dos componentes mágicos da atmosfera desta ilhota vizinha de Ibiza. Ninguém o pode negar, Formentera, não percebi ainda porquê, tem uma aura mística deveras acentuada. É um daqueles locais em que, mesmo à chegada, parece que se atravessa um portal que nos dá direta entrada a outra dimensão, a uma realidade paralela.
Mas Formentera marcou-me em mais do que uma maneira. Certa tarde, do lado nascente da ilha, enquanto me divertia naquela sopa turquesa, o tentáculo de uma medusa acariciou-me levemente. Pelo menos foi o que me disseram os senhores do bar que me forneceram o amoníaco para colocar no ombro, ao ver o tamanho e a intensidade da marca. Já tinha tido dois filhos, ambos de parto normal e às secas, mas aquela foi, até hoje, a dor da minha vida. A sacana da alforreca fez com que me lembrasse daquela suave carícia por mais de um ano, o tempo que durou a desaparecer a sensual meia lua que me ficou gravada na pele.
O curioso é que acabei por ter pena. Achei que a dor que senti me tinha feito merecer ficar com aquela marca para sempre. Durante os meses que a tive em mim afeiçoei-me a ela e habituei-me a olhá-la com o orgulho de quem ostenta uma ferida de guerra. Acabei por comparar aquele mar às cobras e às mulheres que, segundo as más linguas, quanto mais belas mais perigosas são.
Tudo o que fiquei a saber é que o sabor mágico de Formentera não se esquece jamais. Vem-nos agarrado ao lombo da memória e reacende-se, de tempos a tempos, com alguma maresia mais forte ou ao som do Café del Mar. No fundo as experiências boas são como as vivências más: umas dão prazer, outras dão dor mas, a maior parte das vezes, as marcas ficam só do nosso lado de dentro, a fazer parte de nós.
Ana Amorim Dias