(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

14.4.13

Alegria

Alegria

Eu achou que no fundo já sabia, mas ontem percebi-o conscientemente, enquanto desligava o telefone à minha mãe.
- Adeus princesa-mãe! Beijinho da princesa-filha!-
- Oh filha, mas se sou a mãe devia ser rainha, não?-
- Claro que não, isso era demasiado pesado para ti! O teu ar é tão jovial que só podes ser princesa!-
Riu-se. E antes de desligar perguntou:
- Mas porque é que tu me deixas sempre assim tão bem disposta?-

A universal lei da atração funciona com a alegria. As pessoas alegres magnetizam os outros, transformam a realidade, melhoram as energias e atraem coisas boas. A grande questão que fica? Como ser uma pessoa alegre!
Se é para estar triste que seja, mas que se chore a tristeza toda inteira até ao fim. E depois o encantamento. Com tudo. Com todos.
Se é para estar preocupado que seja, mas que se perceba que existe sempre solução. Quanto mais não seja a de perceber que o que não a tem, solucionado está! E depois? Mais alegria.
É que todos somos demasiado bons e belos para a rendição à tristeza! E todos os que nos rodeiam merecem o melhor de nós, certo?
Por isso comecem a treinar hoje mesmo, com a ajuda do sol. É que o espírito humano tende mesmo à alegria, para quê forçar o contrário?

Ana Amorim Dias

Não encomudar

Não "encomudar"

A culpa deve ser minha. E do pai também, claro. Mas em primeiro lugar, minha. Os meus pobres filhos sofrem com o excesso energético da progenitora desde tempos uterinos. Lembro-me de um jogo de matraquilhos que ganhei junto à ribeira, às oito da manhã do primeiro de Maio de 2001, depois de uma inesquecível direta. Um mês depois, o Tom nasceu. Vinha cansado.
Lembro-me de um casamento que fiz, há oito anos por esta altura, no qual trabalhei como louca. Cinco dias depois nasceu o João. Como também (não percebo porquê) vinha bastante cansado, deixei-o a descansar e, passados mais cinco dias, voltei ao trabalho.
Desde bem pequeninos que levam estafas terríveis. Seguem-nos durante quilómetros, vivem experiências extenuantes, mantêm-se vivos e alerta muito para além do que seria de esperar, porque perceberam logo cedo que só assim conseguiriam acompanhar a "pedalada" dos pais e absorver a intensidade de imensas coisas que lhes é facultado viver.
Mas às vezes pedem tréguas. Adormecem nos sofás de uma qualquer esplanada ou aninham-se na tranquilidade merecida do banco de trás, depois de pendurarem no retrovisor o apelo do "não encomudar"!

Ana Amorim Dias

Capitalizar emoções

Capitalista

Gosto de dinheiro, claro. Gosto de dinheiro nas contas, nos bolsos, na mala. Gosto de ganhar dinheiro e de gastar dinheiro. Gosto de dar dinheiro a ganhar. Não gosto que me roubem dinheiro nem que tenham deixado o país num estado em que já nada dá dinheiro por dinheiro não haver.
Encaro como normal esta minha relação com o dinheiro. Convivo com ele mas não vivo para ele. Conheço o seu valor, que é exatamente o que vale e nem um cêntimo a mais. E nem sequer vou dizer que o prazer de comprar é fugaz e se esgota assim que se passa o cartão, porque há coisas que ele compra que ficam mesmo para sempre. Há coisas compradas que nos marcam, constroem e deixam lembranças que ficam para sempre. Há dinheiro que sim, traz mesmo felicidade, sobretudo quando vem daquilo que amamos fazer e quando deixa feliz quem compra o que fizemos tão bem.
Gosto de ver para lá do dinheiro, para lá das roupas rasgadas que envolvem os indigentes; para lá dos fatos de marca e dos sapatos italianos. Gosto de me sentir para além do dinheiro, de saber que consigo sentir felicidade no zero e no mil. Gosto de perceber que talvez consiga viver com a humildade de ter para partilhar e com a nobreza de algum dia o ter que pedir.
Sei que só se adormece, imediata e profundamente, quando o básico está assegurado, quando não há grandes dívidas nem a sombra de devastadoras perdas. Mas o que de mais importante sei é que uma fatia de pão com manteiga partilhada com a minha melhor amiga, me sabe muito melhor que toda a lagosta do mundo; que ver as gargalhadas felizes da existência normal dos meus filhos me orgulha mais que tudo o que lhes possa comprar; que a alegria mais intensa pode estar numa volta ao quarteirão e não numa volta ao Mundo. É que o dinheiro pode comprar muitas coisas mas vale só o que vale e nem mais um cêntimo. Pode comprar muitas coisas mas não compra o sentido crítico, a sensibilidade, a inteligência e a criatividade. O dinheiro não compra a arte interior, a amizade eterna, o amor verdadeiro, a fé fervorosa, o respeito merecido nem a admiração genuína.
Sou capitalista, sem dúvida, mas acima de tudo de emoções boas e das gargalhadas que até de cabeça para baixo sei dar.

Ana Amorim Dias

Primeira vez

Atirei o barro à parede.
- Tomás, hoje lavas tu a loiça.-
- Oh mãe...-
- Oh mãe, nada, filho! Hoje em dia nenhuma mulher te vai querer se não souberes fazer estas coisas!-
Soubesse eu disto mais cedo! As minhas palavras embruxaram-no. Levantou a mesa, todo airoso, aproximou-se do lava loiças, arregaçou as mangas, olhou para mim muito sério, com a esponja na mão, e perguntou:
- O shampô vai de que lado?-
- Do que tem a parte verde. - respondi, tentando conter as gargalhadas.
Calculei que o resultado talvez não fosse perfeito, mas é a fazer que se aprende.
Instalei-me à secretária, liguei o facebook e saboreei o doce sabor da minha maquiavélica vitória, enquanto ele, muito satisfeito consigo, ia desenvolvendo mais uma aptidão de Don Juan.
Só mais tarde, quando fui fazer um chá, reparei na perfeição da limpeza e do alinhamento da loiça. O moço faz-se!

Ana Amorim Dias