(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.1.13

Como um mergulho em Janeiro

Como um mergulho em Janeiro

Alguns estrangeiros que passeavam encasacados na praia, olharam-me com indisfarçavel espanto enquanto eu saía do mar. Minutos antes despira-me sob o sol de inverno. Minutos antes despira-me da razão e da normalidade instituída, passando a envergar apenas o biquini cor de rosa e a vontade enorme que há dias me consumia, de me entregar de novo ao forte abraço de Neptuno.
E foi assim, envergando apenas o biquini cor de rosa e a férrea vontade de me respeitar as vontades, que entrei no gelado mar como um tanque de guerra. Sem pausas. Sem hesitações.
Quando a alma chama e a nossa decisão a respeita, nada há que nos demova. Tornamo-nos capazes dos mais inusitados e excêntricos atos; tornamo-nos aptos a ir para fora de pé em mares gelados; a mergulhar de cabeça na vida; a sair do rebanho que pasta no prado e percorrer o encantador e vertiginoso trilho das mais fortes emoções.
Acredito que fugir da banalidade normal dos dias pode mesmo ser para todos. Não temos que vir programados com nenhum dispositivo extra de loucura nem ser feitos de uma fibra diferente, basta percebermos que temos em nós o poder de escolher os nossos mares e aguentarmos o gelado desconforto que o mergulho neles possa causar. Porque no fim, bem feitas as contas, a vida pode ser sempre tão emocionante... como um mergulho em Janeiro.

Ana Amorim Dias

Menina da Lua

Menina da Lua

- ... E no fim de semana, quando cá estiveres, aproveitas e passas a ferro!- o marido de uma das minhas melhores amigas adora tentar irritar-me.
- Não pode ser, Paulo!- respondi com cerrada pronúncia algarvia - ...nós lá na Lua não sabemos fazer isso!-
E foi mais ou menos assim que começou. Passado pouco tempo já eu andava com o "nós lá na Lua" na voz para tudo e mais alguma coisa.
- Mãe, traz-me um copo de água...- Pediu o Tomás.
- Não posso filho, nós lá na Lua não fomos educados para ser criados de ninguém! -
O pobre olhou-me resignado e quase lhe pude ouvir o pensamento enquanto se dirigia à cozinha: " Tantas mães que há no Mundo e tinha que me calhar logo esta..."
- Mãe, que dança tão parva!- reclamou o João hoje ao acordar.
- Não posso parar, amor. Nós lá na Lua começamos sempre o dia assim e com a lareira a arder!-
Mais um a olhar-me sem grande espanto, conformado com a sua sina.
Mas é claro que não me podia ficar por aqui, agora que a menina da Lua se apoderou de mim. Não podia deixar passar esta crónica sem vos perguntar como era a vossa vida lá na Lua, quando eram a candeia que, reflectida sobre o mar, abençoava os enamorados. Lembram-se como era, serem meninos da Lua? Lembram-se de como eram livres, verdadeiros e impetuosos?
Não! Eu não podia mesmo deixar passar esta oportunidade de nos lembrar a todos da encantadora sensação se sabermos ser... meninos da Lua.

Ana Amorim Dias

Raios de boa tempestade

Raios de boa tempestade

Não sei que horas eram, mas eu já estava a dever umas boas horas ao sono. Deitei-me e vagueei um pouco nas nocturnas avenidas virtuais sem prestar verdadeira atenção a coisa alguma. E foi quando comecei a pestanejar que um desabafo me prendeu. Estava escrito em castelhano e inglês: uma leitora assídua queixava-se da forte tempestade que se abatia naquele momento sobre Chicago, confessando o seu medo.
Não resisti e recomendei-lhe, em inglês, que se mantivesse a salvo. Respondeu-me com uma alegria reconhecida mas ainda assim receosa. Prontamente se juntou ao meu tranquilizante discurso um seu conterrâneo peruano. Entre os dois demos alvitres sobre formas de se relaxar, controlando os seus receios com um copo de Porto ou um cocktail igual ao que o James Bond pediu no Casino Royale. Juntou-se outra senhora às nossas recomendações e, antes de adormecer, já eu ouvia ao longe as gargalhadas da D. Miriam, mais refeita do seu susto.
Amanheci sem saber se a tempestade já amainou em Chicago, mas com a clara noção de que se quisermos, todos podemos muito bem ser os relâmpagos de uma boa tempestade global de tranquilizantes efeitos.

Ana Amorim Dias