(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

1.2.13

Conspiração da alegria

Conspiração da alegria

Os carros afastaram-se todos para a berma, suavizando a marcha à passagem da ambulância. Um ato de cívico respeito e solidariedade que creio estar presente em todos. A única diferença foi que ontem, por volta das dez da manhã, aquela sintonia bailada de carros para a berma, me comoveu os alicerces.
Senti o sangue a exceder-se em mim numa gratidão tão profunda que só parei o carro no hospital. Havia fila para dar sangue mas ainda assim esperei pacientemente pela minha vez de me dar.
A certa altura o médico que estava a falar comigo saiu a voar para acudir a um dador desmaiado. Ao voltar pediu desculpa pela forma abrupta como se ausentou.
- Os anjos voam depressa...- respondi-lhe.
Olhou-me nos olhos num entendimento silencioso.
Minutos depois, enquanto um saco se enchia com um pedaço de mim, deixei que a minha alegria causasse gargalhadas tanto aos outros "espetados" como às enfermeiras.
- E quando acordou?...- perguntei a recém desmaiado que ainda recobrava as cores ao meu lado. - ...sabia onde estava?-
- O Dr. fez-me essa mesma pergunta assim que recuperei os sentidos...-
- E você, ao olhar para todas as enfermeiras ao seu redor, respondeu que tinha chegado ao Paraíso...- rematei.
Vim-me embora com a consciência de ter ali deixado muito mais que só sangue e lembrei-me de uma certeza que me tem assolado com uma constância feroz: quando fazemos um compromisso sério com a alegria, o Universo conspira a nosso favor. Foi por isso que ontem, já mais para o fim da manhã, o círculo encantando das dádivas cumpriu outra volta completa: espalho alegria e recebo tanta de volta que tenho que a dar de novo... sob pena de correr com tanta pressão que ainda me rebenta as veias da alma.

Ana Amorim Dias

O samba da perfeição

O samba da perfeição

- Porque é que te preocupas tanto em ser perfeita?-
- Eu?!? Eu tenho a mania da perfeição?-
- Tens.-
A incisiva resposta forçou-me a uma introspeção. Terei mesmo esta forte tendência? Ou terá sido uma errónea ilusão deixada pela constância da minha exigência com tudo e todos?
Fui mais fundo. O que é isso, a perfeição? Quem a define? Onde se encontra? Como se atinge?
E então uma memória surgiu...

Eu estava no Rio. Ensaio de uma escola de samba. Cerveja na mão. Sentidos bem apurados. A batida diabólica começou de rompante. Ensurdecedora. Poderosa. Absorvi a energia que se libertava para o ar. Bebi com os olhos os movimentos dos corpos possuídos num transe hipnótico. Deixei que os sentidos sentissem o mesmo, eu que pensava que até sabia sambar...

E foi no instante em que a memória daquele transe voltou a mim que as respostas se desvelaram: a perfeição é tão somente o estado nirvânico que atingimos ao pôr a alma toda nas coisas.
Se sou perfecionisa? Devo ser. Afinal passo a vida a tentar pôr a alma em tudo o que faço.

Ana Amorim Dias