(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

23.2.13

Profundidade

Profundidade

Como se faz autoanálise sem mergulhar profundamente em nós? É possível encontrar os porquês das nossas escolhas e modos de ser ficando a nadar só à superfície? Lançarmos-nos em profundidade no nosso mar interior será assustador pelo medo da escuridão e dos enormes tubarões brancos que lá possam estar? Ou essa incursão é simplesmente demasiado ingrata pela dificuldade de discernimento que a falta de ar sempre implica?
Afinal quantos de nós vamos mesmo ao fundo das nossas motivações para perceber as escolhas? Quantos de nós procuramos conhecer as raízes da árvore das atitudes?
Sempre pensei que sabia ir ao fundo de mim procurar as respostas, mas por vezes surge a dúvida e fico com a sensação de ter a mesma profundidade de uma libelinha esvoaçante à tona de água.
E isso deixa-me a ponderar que, de todos os desafios com que somos brindados, o maior deles é muito bem capaz de ser esse tal mergulho em profundidade. Porque só ao fazê-lo encontramos as respostas e percebemos as soluções para tudo.

Ana Amorim Dias

Mostrar a língua à vida

Mostrar a língua à vida

- Até amanhã, filha. E porta-te bem... se conseguires.- Não percebo porque é que a minha mãe se despede assim de mim tantas vezes. E mal sabia ela ontem, ao desligar o telefone, da loucura que momentos antes eu tinha lançado sobre a casa e todos os seus habitantes.

- Pronto! Acabou-se o sossego! - diz a menina Rita quando me vê chegar. Será porque a estrafego com mimos e beijos e falo alto e a ponho num virote? Talvez e, no entanto, sei que ela adora que o sossego se acabe.

- Mas será que não há quem ponha ordem nesta Quinta? - pergunta a Cristina, num desespero divertido, quando lhe invado a cozinha como se fosse um vendaval. Haver quem ponha ordem até há, mas ninguém quer fazê-lo porque todos percebem que a vida assim é melhor.

Não costumo parar para pensar no que potenciou os constantes ataques de maluquice divertida que espalham a boa disposição ao meu redor. Será um condicionalismo genético? Será que decidi, sem saber, levar a vida a brincar? Ou será devido à possibilidade constante de fazer figuras de ursa sem que grande mal venha ao mundo? E se eu trabalhasse numa conceituada firma de advogados onde não seria bem visto andar com calças de ganga rotas, colares tribais, brincos de penas e onde eu não pudesse andar a atirar borrachas aos colegas ou a imitar sons intestinais ao soprar uma palhinha no sovaco? Sim, como seria a minha vida se eu ligasse aos olhares estranhos que me lançam por dançar em todo o lado e cantar no carro a plenos pulmões?
Duvido que consigam algum dia roubar-me a alegria e as suas estranhas manifestações. Porque se o tentarem fazer eu escondo-me atrás de uma árvore e ponho-lhes a língua de fora! É isso: sempre que o destino voltar a conspirar contra mim, hei-de mostrar a língua à vida!

Ana Amorim Dias

Tão fofos

As birras dos homens

Os homens são mesmo giros! Os homens e as suas birras! Adoram ter uma mulher boazona e sensual, mas ficam aflitos com a perspetiva da aproximação de predadores. Querem uma mulher inteligente mas exasperam-se com os seus bem fundamentados argumentos. Amam mais facilmente uma mulher emocionalmente estável, com a cabeça no lugar e as ideias todas em ordem, mas ficam muito sentidos pela sua falta de paciência para lhes aturar certas "tretas". Desejam uma mulher poderosa, mas temem secretamente o seu poder. Apaixonam-se por uma mulher determinada, ambiciosa e de horizontes bem largos, mas tremem de pavor quando imaginam onde isso as poderá levar.
Ficam algumas reflexões, minhas queridas:
- Quaisquer que sejam os vossos atributos, jamais os abandonem porque por mais que os homens vos inspirem, é de vós que o poder nasce.
- Nunca desistam dos sonhos por amor porque é exatamente esse um dos seus maiores assassinos.
- Desenvolvam a tática da inundação de mimos e da transmissão de confiança, porque é essa a única forma de lidar com estes fantásticos seres, mas nunca deixem passar uma ocasião de os colocar no lugar quando assim tiver que ser.
- Tenham sempre bem presente que o vosso homem é belo e forte por ainda vos aturar, mas jamais se atrevam a esquecer e abandonar as vossas missões e a vossa mais pura essência.

Ana Amorim Dias

Demónios pessoais

Demónios pessoais

Entre umas sessões de abdominais, deitada no chão da sala, detive o zapping num programa de fofocas americano que, naquele momento, falava do suicídio de uma cantora que me era desconhecida. "Não conseguiu viver com os seus demónios pessoais", comentaram.

Atravessei o salão completamente às escuras. O Joãozinho procurou a minha mão e eu apercebi-me dos seus medos. "Dunas! São como divãs..." começo a cantar. Ele faz coro comigo e sinto-lhe os passos mais firmes e destemidos. Está a aprender a minha velha tática para afastar os medos.

Eram sete e meia e eles já não deviam demoravam a chegar. "Mas que gaita! Tenho que fazer outra vez o jantar e não me apetece nada!" Troco a iluminação, ateio o incenso e ligo a música. A preparação do jantar transforma-se num prazer imenso enquanto danço pela cozinha como se estivesse num palco.

Os demónios pessoais podem usar as mais variadas vestes e ter as mais distintas caras, mas acabam por ser sempre os medos que cada um tem em si. Saber exatamente quais são os nossos demónios é meio caminho andado para conseguir lidar com eles. Sorrisos, cantares e danças afastam atritos, medos e tédios. Confiança e amor próprio afastam fracassos e solidão. Mas entre os maiores inimigos dos demónios pessoais estão, sem dúvida, a inocência e a sintonia com frequências de amor. É por estas e por outras que os meus demónios pessoais vivem em constante pesadelo, infernizados por mim!

Ana Amorim Dias