(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

10.4.13

Página 50

Pagina 50

Quando uma crónica se enche de "gostos" e boas críticas, a que escrevo depois é criada com um acrescido sentido de responsabilidade. Creio que acontece com tudo: a única desvantagem de fazer algo reconhecidamente bom é a necessidade de suplantar o feito logo na oportunidade seguinte. Mas se analisarmos bem o facto, ele nada tem de desvantajoso. Muito pelo contrário, é a capacidade de fazer bem as coisas que nos incendeia o fogo de ainda tentar melhorar.
Estou na página cinquenta da biografia do Eric. Um ritmo um pouco escandaloso se for fazer uma média. Ainda para mais porque não há prazos a cumprir, ninguém corre atrás de mim. A não ser eu mesma. Os dias sucedem-se entre treinos físicos, intelectuais e linguísticos; entre momentos criativamente orgásmicos, pesquisas culturais e geográficas, leituras incessantes numa língua que não domino e o apuramento de tudo o que a memória reteve. Em suma, vivo dias de desafio constante e de um prazer indizível, em que a responsabilidade de contar bem a vida mais interessante que algum dia poderia ter imaginado existir, quase me esmaga.
Faço-o com a vantagem de não precisar de suplantar qualquer obra minha anteriormente reconhecida. Nenhuma delas o foi. Mas faço-o com a pressão de querer manter e melhorar toda a qualidade que sei ter colocado nos livros que já escrevi.
Por agora vou indo. Já li alguns destes, mas faltam-me outros. E está tudo escrito em francês!

Ana Amorim Dias

Os corações tratam-se por tu

Os corações tratam-se por tu

Assim que liguei o facebook para publicar a crónica, vi que tinha várias mensagens. Uma delas, de uma doce Anabela, desejava-me simplesmente um excelente dia de escrita. A ser verdade que os pequeninos gestos transformam o Mundo, o meu em particular foi ontem ainda mais mágico e inspirado devido a este "bom dia" tão espontâneo.
Mais tarde, ao fim da noite, quando já estava a ponderar fazer descansar os dedos, um leitor publica algo no meu mural e escreve: "Adorei a tua crónica". Em que é que isto me despertou a vontade de escrever mais esta? No tratamento por "tu"!
Há algum tempo atrás, a Ana-advogada-princesa semi oligarca da Quinta teria torcido o nariz ao facto de alguém que não conhece a ter tratado de uma forma tão desautorizadamente intimista.
Mas hoje? Hoje parece-me bem!
Significa que estou a fazer um bom trabalho. Significa que a Ana-escritora se começa a sobrepor a tudo o resto e isso agrada-me imenso. Posso manter o meu hábito de, até prova em contrário, tratar todos por "você", mas é quando a espontaneidade alheia me brinda com "tus" que sorrio e percebo os porquês: é que escrevo de coração a corações e estes tratam-se sempre por "tu"!

Ana Amorim Dias

Heróis

Heróis

- Sabes qual é o meu único e verdadeiro medo?-
- Não. Diz-me.-
- É perder algum dia a capacidade de partir para novas aventuras; é ficar estagnada, não sentir nada, não ser a heroína da minha própria história...-
- Eu sei. Mas já pensaste que os verdadeiros heróis talvez sejam aqueles que sabem enfrentar a monotonia do quotidiano?-

Afinal quem são os heróis? Onde e como se salta por cima dessa linha que separa as vidas memoráveis das vidas banais? Existem vidas banais? O que implica mais coragem? Ficar ou partir? E a liberdade o que é? Todos a têm apesar de não a exercerem para não suportarem as consequências.
Desconfio que ele tem razão: os verdadeiros heróis se calhar são mesmo os que aceitam enfrentar a monotonia do quotidiano. Por isso não quero ser heroína. Isso não é para mim. Continuarei a ser apenas a pessoa que se constrói dia a dia com novos sonhos, novas partidas, mais ambiciosos planos e sentidas emoções. Continuarei a ser apenas aquela que há-de partir sempre em direção ao pôr do sol para escrever o livro da vida.

Ana Amorim Dias

Assobio

Assobio

- Mãe podemos ir àquela loja?- o Tomás adora andar sozinho e sem pressões pelo centro comercial.
- Está bem. Mas não se separem um do outro e tenham atenção ao assobio.-
Minutos depois volto à loja onde os deixei e, logo à entrada, faço soar o nosso assobio. Em apenas três segundos tenho as crias ao meu lado.
- Oh mãe...-
- Diz Tom. -
- A chamares assim por nós até parecemos uns cachorrinhos!-
Nem lhe respondo. Desconfio que um dia ele vai ter os seus próprios "cachorrinhos" para chamar com um assobio. E, se os meus planos funcionarem, também vai perceber que o mais importante nem sempre é o que fazemos por eles e sim o que lhes ensinamos a fazer por si próprios.

Ana Amorim Dias