O pano cai de madrugada sobre o alegre palco, marcando o final de mais um reencontro de amigos. Sou a última ainda em cena. Olho à volta. O espaço, há poucas horas repleto de vozes felizes, música e luz, está agora silencioso e parcamente iluminado por algumas velas e luzes da árvore de Natal. Lanço um olhar aos despojos da festa e recordo como, um após outro, os convivas se foram retirando, deixando-me a sós com a anfitriã , minha “mana” para a eternidade e, por fim, a sós comigo mesma.
Cedo ao cansaço e vou finalmente dormir.
E hoje no carro, enquanto o corpo guiava tranquilo e a alma se instalava na terceira nuvem à esquerda ( o seu habitat natural ) dou por mim a pensar nas razões que me levam a ser sempre a última resistente; a eterna apaixonada pela intimidade emocional das conversas que invadem as silenciosas horas noturnas.
Recordo, então, palavras há poucas horas trocadas.
- Não quero fotografias minhas, destes convívios, no face, meninas! – Aviso às viciadas em disparar sessenta flashes por minuto. – Tenho um perfil profissional a manter! –
- Querida… os escritores são, por definição, eternos boémios! – Responde-me uma delas.
Lembro-me disto no carro, com o corpo a conduzir e a alma refastelada na terceira nuvem à esquerda… - Porque serei tão boémia? O que tenho contra o tempo passado a dormir? Será este um requisito incontornável para ser o que sou, escritora? - Percebo depressa que sempre fui assim. Sempre serei. A viver bem acordada, mesmo a morrer de sono! Simplesmente porque a vida é demasiado preciosa para me poder dar ao luxo de me deixar vencer pelo cansaço.
Ana Dias