(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

28.10.11

Fleumático conhecimento…


  Estava numa esplanada a escrever e não pude evitar uma certa irritação com o tom pedante e egocêntrico com que um jovem senhor partilhava ideias com uma amiga.  Quando vieram recolher o seu pedido, o sujeito, na tentativa de se superiorizar, perguntou ao homem quem o foi atender se  também ele  era niilista.
  Mas o inquirido escapou por pouco: foi interpelado por outras pessoas quase em simultâneo  e sumiu-se sem revelar o desconforto de não saber o que responder.
   Decidi tornar-me uma instantânea protetora dos fracos e oprimidos e fiz uma busca rápida no google, porque também eu não saberia ter respondido àquela questão, assim, sem pré-aviso. Chamei o senhor do café antes de ele ir de novo à mesa do prepotente fulano e fui rápida nas palavras: - “ O niilismo é uma espécie de “nadismo”; é a negação de todos os princípios religiosos, políticos e sociais!”
    Embora este tema dê para semestres inteiros nos cursos de filosofia, o senhor do café fez um excelente uso das minhas parcas palavras. Dirigiu-se à malfadada mesa e, ao colocar o pedido em frente aos seus interlocutores, disse: - “Em resposta à questão que me colocou: não, não sou niilista. Tenho muitas crenças em todos os aspectos da vida, social e moral. Não me parece que a negação de tudo e a preconização da ausência de sentido faça, por si, qualquer sentido!”.   Virou-se, piscou-me o olho com um sorriso cúmplice e desapareceu dali, deixando atrás de si o convencido pedante com a boca aberta em desconforto.
  Lembrei-me deste episódio porque andava,  há uns tempos,  com uma palavra a “perseguir-me” o espírito sem descanso:   “fleumático”. Tinha uma leve ideia do que significava, mas só ontem à noite descansei, ao comprovar que tal palavra adjetiva sujeitos imperturbáveis, impassíveis, que controlam as emoções.
   O senhor a quem me aliei naquela esplanada foi bastante fleumático e talvez por isso me tenha lembrado deste singular episódio.
   Mas, se tanto me irritou o sujeito com ares de superioridade intelectual, o que mais me rouba a capacidade de ser fleumática é a ignorância orgulhosa!  Perco a razão ao verificar que há quem hasteie a bandeira da ignorância com um orgulho assumido!    Li ontem no jornal que há um concurso em que os concorrentes pensam que a África é um pais da América do sul, que o Sena é um rio da Ásia e que andam há uma semana a tentar descobrir onde fica o Dubai….
  Mas será possível que haja quem não deseje esconder-se até ao fim da vida nalgum buraco escuro e longínquo,  depois de revelar tamanha ignorância em público?? Já não se pede a ninguém que conheça as correntes filosóficas, as tendências artísticas ou o nome dos grandes descobridores… Já não se pede que conheçam os mais básicos factos históricos, os responsáveis pelas grandes descobertas científicas, ou dos pais da economia… Não se pede que conheçam todas as capitais e rios de cada país, nem a obra dos grandes autores… Mas por favor!! O mínimo que se pode pedir é um pouco de curiosidade para continuar a aprender sempre!! O mínimo que se pode pedir a qualquer ser humano é que honre o estatudo do  Ser pensante e dotado de raciocínio que é, e use a massa cinzenta antes que, pela ordem natural da evolução, ela se transforme numa papa amalgamada unicamente capaz da busca de alimento e abrigo!
   O conhecimento não ocupa lugar, está acessível mesmo em crise, e é fundamental à realização do Homem enquanto Homem…  É por isso que vos peço ( com a boca toda, como dizem os meus filhos ) que continuem na busca constante de mais conhecimento; que pensem pela vossa cabeça e façam as vossas equações e descobertas e,  já agora… que inspirem sempre os outros a fazer o mesmo!   Porque, como o fleumático senhor que trabalhava naquela esplanada, podemos sempre apanhar a “bola” que nos atiram e marcar grandes golos!!
Ana Dias