(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

3.9.12

O colar genético


    Sou fascinada por colares únicos feitos pelas mãos hábeis dos próprios artesãos que os vendem em feiras, mercados ou simples bancas na rua despontadas.  Encanta-me conhecer quem faz o que trago ao peito,  para estar bem segura da riqueza das peças, porque cada objeto que requer arte na sua feitura fica impregnado da energia de quem o cria; fica com um valor que transcende a matéria e a beleza.  
  É por isso que grande parte dos meus colares tem uma estória, mas vou-vos contar apenas a mais recente.
   No domingo, último dia dos Medievais de Castro Marim, tive finalmente  tempo para, pela primeira  vez este ano,  vaguear pelas ruelas em busca de algum tesouro. Detive-me em algumas bancas de ornamentos, mas em outras, as do produto industrializado, nem sequer parei. A certa altura os olhos prenderam-se a um colar prateado com uma pedra azul, pendurado numa minuscula bancada que era também o atelier do artista moreno que me atendeu em tronco nu. Falamos um pouco. Era de Madrid, o rapaz. Tem amigos em todo o mundo, que foi fazendo no seu jeito acertadamente errante de levar a vida.
 - Esta pedra deve ser usada junto à garganta…  - Disse-me – Melhora a voz e a eloquência, sabe?  
  Eu ri-me. Claro. Tinha que ser.  
Não trazia dinheiro suficiente no bolso das calças e disse-lhe que voltava em pouco tempo. Sorriu-me em concordância: também ele sabia que aquele colar era meu.
  Mas a parte mais gira desta pequena estória não é, de todo, aquilo que já contei e sim  o que ainda aí vem.
   Quando fui buscar o colar, levei o meu filho mais velho comigo. O madrileno das rastas olhou para o Tomás e  disse:  - Este rapaz já cá veio ontem, e perguntou-me o preço do seu colar. –
- Pois foi, mãe. É o mais bonito de todos e tive a certeza que era o que escolherias.  
Abracei o meu filho enquanto o moreno artesão me talhava o colar à medida do pescoço.
“ De todas as bancas de colares ele acertou na correta e de todos os colares que aqui há, soube escolher o meu…” pensei, embevecida.  
  Será que o sentido estético se pega em dez anos e dois meses de vida? Será que ele é apenas um menino atento aos gostos da mãe? Ou será algo mais? Creio que é algo mais… e  que o meu gosto mais íntimo lhe foi transmitido nos genes.
Ana Amorim Dias