(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.1.13

Como um mergulho em Janeiro

Como um mergulho em Janeiro

Alguns estrangeiros que passeavam encasacados na praia, olharam-me com indisfarçavel espanto enquanto eu saía do mar. Minutos antes despira-me sob o sol de inverno. Minutos antes despira-me da razão e da normalidade instituída, passando a envergar apenas o biquini cor de rosa e a vontade enorme que há dias me consumia, de me entregar de novo ao forte abraço de Neptuno.
E foi assim, envergando apenas o biquini cor de rosa e a férrea vontade de me respeitar as vontades, que entrei no gelado mar como um tanque de guerra. Sem pausas. Sem hesitações.
Quando a alma chama e a nossa decisão a respeita, nada há que nos demova. Tornamo-nos capazes dos mais inusitados e excêntricos atos; tornamo-nos aptos a ir para fora de pé em mares gelados; a mergulhar de cabeça na vida; a sair do rebanho que pasta no prado e percorrer o encantador e vertiginoso trilho das mais fortes emoções.
Acredito que fugir da banalidade normal dos dias pode mesmo ser para todos. Não temos que vir programados com nenhum dispositivo extra de loucura nem ser feitos de uma fibra diferente, basta percebermos que temos em nós o poder de escolher os nossos mares e aguentarmos o gelado desconforto que o mergulho neles possa causar. Porque no fim, bem feitas as contas, a vida pode ser sempre tão emocionante... como um mergulho em Janeiro.

Ana Amorim Dias

Menina da Lua

Menina da Lua

- ... E no fim de semana, quando cá estiveres, aproveitas e passas a ferro!- o marido de uma das minhas melhores amigas adora tentar irritar-me.
- Não pode ser, Paulo!- respondi com cerrada pronúncia algarvia - ...nós lá na Lua não sabemos fazer isso!-
E foi mais ou menos assim que começou. Passado pouco tempo já eu andava com o "nós lá na Lua" na voz para tudo e mais alguma coisa.
- Mãe, traz-me um copo de água...- Pediu o Tomás.
- Não posso filho, nós lá na Lua não fomos educados para ser criados de ninguém! -
O pobre olhou-me resignado e quase lhe pude ouvir o pensamento enquanto se dirigia à cozinha: " Tantas mães que há no Mundo e tinha que me calhar logo esta..."
- Mãe, que dança tão parva!- reclamou o João hoje ao acordar.
- Não posso parar, amor. Nós lá na Lua começamos sempre o dia assim e com a lareira a arder!-
Mais um a olhar-me sem grande espanto, conformado com a sua sina.
Mas é claro que não me podia ficar por aqui, agora que a menina da Lua se apoderou de mim. Não podia deixar passar esta crónica sem vos perguntar como era a vossa vida lá na Lua, quando eram a candeia que, reflectida sobre o mar, abençoava os enamorados. Lembram-se como era, serem meninos da Lua? Lembram-se de como eram livres, verdadeiros e impetuosos?
Não! Eu não podia mesmo deixar passar esta oportunidade de nos lembrar a todos da encantadora sensação se sabermos ser... meninos da Lua.

Ana Amorim Dias

Raios de boa tempestade

Raios de boa tempestade

Não sei que horas eram, mas eu já estava a dever umas boas horas ao sono. Deitei-me e vagueei um pouco nas nocturnas avenidas virtuais sem prestar verdadeira atenção a coisa alguma. E foi quando comecei a pestanejar que um desabafo me prendeu. Estava escrito em castelhano e inglês: uma leitora assídua queixava-se da forte tempestade que se abatia naquele momento sobre Chicago, confessando o seu medo.
Não resisti e recomendei-lhe, em inglês, que se mantivesse a salvo. Respondeu-me com uma alegria reconhecida mas ainda assim receosa. Prontamente se juntou ao meu tranquilizante discurso um seu conterrâneo peruano. Entre os dois demos alvitres sobre formas de se relaxar, controlando os seus receios com um copo de Porto ou um cocktail igual ao que o James Bond pediu no Casino Royale. Juntou-se outra senhora às nossas recomendações e, antes de adormecer, já eu ouvia ao longe as gargalhadas da D. Miriam, mais refeita do seu susto.
Amanheci sem saber se a tempestade já amainou em Chicago, mas com a clara noção de que se quisermos, todos podemos muito bem ser os relâmpagos de uma boa tempestade global de tranquilizantes efeitos.

Ana Amorim Dias

26.1.13

Vibrações

Vibrações

Somos emissores constantes. De imagens, palavras, atitudes e sensações. Os canais de comunicação estão em constante mutação, mas sempre activos, a levar tudo o que emitimos para uma infinidade de receptores muito mais vasta do que supomos.
A responsabilidade do que emitimos e de todos os efeitos gerados são fáceis de controlar nas palavras e atitudes... mas, e a vibração? Como controlamos a vibração com que vivemos cada momento e produzimos cada emissão? Como podemos estar conscientes de que, por mais perfeitas que sejam as nossas palavras e ações, se a vibração não for boa o seu efeito cai por terra?
Talvez não seja nada fácil embeber cada emissão com a verdade vibrante da alegria, mas acredito que a sua busca consciente possa ajudar em grande parte. Porque as nossas vibrações podem muito bem ser como os retratos desfocados que nos tornam tão mais belos quanto o próprio Mundo pode um dia vir a ser.

Ana Amorim Dias

Um mar de soluções

Um mar de soluções

Acredito que tudo tem solução. Até a morte. De nada adianta tentar controlar e resolver tudo. Há coisas que nos escapam: quase tudo, na verdade.
Sim, tudo tem solução. Mesmo que ela chegue em forma de resignação, desistência ou aceitação. Muitas vezes são mesmo estas as mais valiosas soluções.
Contudo, e sejam elas quais forem, as soluções só se encontram quando aceitamos mergulhar, completamente nus, no vasto mar do nosso interior.

Ana Amorim Dias

24.1.13

Degredo na estupidez

Degredo na estupidez

Por altura da Passagem de Ano pensei que já tinha de novo acesso seguro à TVI; julguei erroneamente que não mais corria o risco de, no meio do zapping, me deparar com a voz odiosa da Dona Teresa a estimular o já elevadíssimo grau de estupidez crónica de pessoas que, tanto quanto me apercebo, vieram do Planeta Stupidity.
Enganei-me redondamente. Num dos novos dias deste novo ano (para o qual desejamos sempre muitas coisas boas) enquanto, de comando em riste, ia levando uma maçã à boca, deparo-me com uma cena pior que o Freddy Krueger e a menina do Exorcista a fazerem juntos uma festa do pijama: era a Dona Teresa a interrogar novos belíssimos espécimes dessa estranha estirpe de gente.
Escusado será dizer que me engasguei logo com a maçã e percebi que, até novas ordens, a TVI está interdita sem apelo nem agravo.
"Mas, Ana... Tu até és corajosa... Não podes recuar perante o perigo! Tenta ver um bocadinho para poderes escrever sobre isso", repeti-me imensas vezes, sempre sem conseguir fazer a paragem no tal canal.
Mas ontem enchi-me de força. Apertei os punhos, cerrei os dentes e, com o coração a ribombar de temor, fixei a minha atenção naquilo. Como quem aguenta uma dor lancinante; como quem se expõe à mais dura das provas, ouvi, por cinco intermináveis minutos de sofrimento excruciante, a voz de uma quantidade de gajas à bulha umas com as outras. Devo ter entrado num estado semi-catatónico, porque só me lembro de ouvir frases soltas que nem sequer me atrevo a reproduzir, de tão vazias de sentido.
Nunca conseguirei entender como é que um programa assim tem audiências. Apenas me ocorre que, tal como os condenados ao degredo, as pessoas que o vêem aceitem a condenação ao compulsivo afastamento da terra Natal da sua própria inteligência.

Ana Amorim Dias

A tua força solar

A tua força solar

O meu irmão olha-me a rir.
- O que foi? - Calo a rajada de disparates para saber o que aquele olhar me esconde.
- Nada. ... É que olho para ti e imagino-te com um capacete tipo Professor Pardal, com muitas antenazinhas a lançar faíscas entre si.

Saio do carro para comprar pão. Algumas pessoas olham-me com estranheza. Estão com casacos grossos, luvas, gorros e cachecóis. Devem pensar que sou louca: só de camisa sobre o pelo, as mangas arregaçadas. Mas tenho tanto calor...

As crianças saltam-me para a cama ao acordar e enroscam-se a mim.
- Mãe! Tu estás a arder!

Não é febre. Está tudo bem. Deve ser só o efeito de uma fotografia tirada ao próprio sol de Inverno num destes ocasos frios. Uma fotografia que me deixou a pensar que todos podemos ser um sol para tanta gente; que todos devemos encontrar o nosso poder solar de brilhar e arder, incandescentes de corpo e alma, para aquecer e iluminar todas as vidas que trazem sentido à nossa própria vida.
E tu? Quantas vidas aqueces com essa tua força solar?

Ana Amorim Dias

22.1.13

Perdida num mar de pedras.

Perdida num mar de pedras

Fui para a horta mais por dever moral que por vontade ou vocação. Acontece que, se vou comer favas, ervilhas, batatas, cenouras e afins, é mais do que justo colaborar um pouco com o mentor do projeto.
Uma vez que pouco ou nada entendo de plantações, dediquei-me à menos sábia das atividades: a apanha da pedra. Luvas nas mãos, botas de montanha nos pés e claro (como não?) o iPhone no bolso de trás, soando a todo o vapor.
"Ah, Ana, que bom! Agora é que vais relaxar a mente e não pensar em nada!", vaticinei a mim mesma. Mas qual quê! Quanto mais eu as apanhava mais elas pareciam nascer das profundezas da terra, fazendo com que a filosofia da pedra se apoderasse de mim!
"Deve-se olhar para o que se faz no momento e não para imensidão do que falta", foi uma das primeiras pérolas que, de tão pirosa, me provocou logo o riso.
"Então, se as pedras do nosso caminho devem ser usadas para construir um castelo, que raios fazemos às pedras da nossa horta?" E quanto mais os brilhantes espasmos cerebrais se contorciam cá dentro, mais eu me ria e pensava que ter a cabeça baixa me causa efeitos estranhíssimos.
A verdade é que desta vez não me ocorreu nenhuma metáfora, alegoria, ou simples reflexão. Percebi apenas que o que é feito na nossa própria alegre companhia, se pode muito bem tornar num momento memorável, mesmo quando nos julgamos perdidos... num imenso mar de pedras.

Ana Amorim Dias

Respostas

Respostas

Eu estava no limbo suspenso do sono, no ponto preciso do meio caminho entre a consciência e o seu apagão, quando os olhos brilhantes do ator no ecrã pareceram olhar-me.
- "O que nos leva a estar aqui, se já sabemos o desfecho? Porque temos que estar aprisionados ao destino? O que nos move? Que temos para dar um ao outro? Porque perdemos tempo? Porque não ganhamos?
Por não o enfrentamos? Porque só penso em ti?
Onde está a minha liberdade? Onde é que eu estou....
Porque não me quero encontrar? O que sou?" -
A sua musa olhou-o e começou a dar-lhe respostas que já não sei recordar porque a inconsciência me levou de volta para a adormecida paz. O amanhecer, contudo, trouxe-me o caso à memória, trazendo também a vontade de vos alertar para as respostas.
Nunca se sabe o desfecho. Nunca. E o que nos move é a vertigem de vida que nos sentimentos se encerra. Todos temos algo para dar uns aos outros: um sorriso, um "obrigada", um exemplo, uma lição de vida ou, nalguns casos mais extremos, a nossa própria vida. O que jamais devemos esquecer é que é nos outros que nos descobrimos, que nos conhecemos, que nos encontramos com o mais cristalino reflexo da nossa verdadeira essência. E nunca é uma perda de tempo: é o abraço libertador que nos revela o que somos e em que ponto evolutivo já nos encontramos.

Ana Amorim Dias

20.1.13

Primeiro amor

Primeiro amor

Ontem não vim deixar nada no ar porque passei o dia atarefada com os preparativos para uma importante festa.
O primeiro amor da minha vida cumpriu mais um aniversário.
Tanto quanto sei, no próprio dia em que nasci, estabeleceu-se entre nós uma ligação abençoada e inquebrável. Ou talvez até tenha sido antes, não sei. Não sei nem me importa, porque tudo o que precisamos de saber é aquilo que sentimos uma pela outra: um amor tão genuíno e uma gratidão tão profunda que chegam a produzir surpreendentes milagres.
Que cumpras muitos e cada vez mais felizes e luminosos tempos, irmã da minha alma.

Ana Amorim Dias

18.1.13

Uma agulha no palheiro

Uma agulha no palheiro

Muitas das metáforas da minha vida acontecem com músicas ou de forma musicada. A que vos vou agora narrar terá certamente muitos pontos em comum com episódios já ocorridos convosco.
Havia uma música, indiana e muito bela, que me fazia sentir uma alegria enorme. Estava num cd que eu ouvia no carro e que desapareceu sem deixar rasto. Eu desconhecia o nome da canção, do álbum e do cantor. Quanto à melodia, apenas dela me restava a memória saudosa do bem que me fazia sentir.
Acreditem ou não passaram-se anos sem que eu ouvisse a tal música... e sem que a esquecesse também.
Até que, na semana passada, num mergulho destemido à minha memória externa, enquanto procurava não me afogar naquele infinito mar de "palha" musical, a dita canção me saltou para as mãos sem que eu a procurasse, qual agulha preciosa rendida ao meu magnetismo. Os arrepios percorreram-me corpo e alma ao ouvir os primeiros acordes. Continuo sem entender uma única palavra, mas também continuo a render-me a um sorriso feliz de cada vez que a oiço.
No fundo sempre soube que aquela música voltaria à minha vida. Como sempre as mais preciosas agulhas saltam da palha para as nossas mãos... quando paramos de procurar e deixamos o nosso magnetismo trabalhar.

Ana Amorim Dias

Bondade

Bondade

Ando às voltas com a questão dos super poderes. Gosto de acreditar que os tenho. Tanto que o meu novo livro é sobre eles, embora não tenha percebido ainda muito bem de que forma. Tudo o que sei é que a raça humana tem super poderes fantásticos que não se lembra de usar. Tudo o que sei é que ando a ver se ativo mais os meus e os "relembro" nos outros.
É por isso que tenho andado em pesquisa de campo, a perguntar a todos os que se atravessam no meu caminho, quais são os super poderes mais importantes. A cara de espanto da senhora do café ou do caixa do super mercado desconcentra-me sempre e acabo por não absorver as respostas.
Mas ontem, no escurinho do cinema, fez-se luz na minha alma. No fundo já o sabia, mas vi com uma clarividência maior: o supremo super poder é simplesmente a bondade. Aquela que tudo entende, tudo perdoa e tudo cura; em quem a sente, em quem a exerce e nos outros, nos que são por ela tocados.
De qualquer forma não termino sem vos pedir também a vossa valiosa opinião.

Ana Amorim Dias

Criativo

Criativo

Há dias ralhei com o Joãozinho devido à porcaria que as suas invenções artísticas estavam a originar.
- Não ralhes, mãe. Sou criativo.-
"Para sete anos sabes muito!", pensei, ao recuar nas acusações.
Aquilo a que achei mais graça nem sequer foi ao seu jeito sedutor de se safar às limpezas, foi ao orgulho com que disse o "sou criativo". E isso levou-me de volta aos agradecimentos frequentes que me dão pela minha própria criatividade e a uma resposta que recentemente dei a um desses agradecimentos.
- Quem deve agradecer a quem? O admirador de uma obra ao seu criador ou o próprio criador a quem lhe admira as obras?-
O certo é que nos últimos dias tenho admirado as obras fotográficas do criador desta fotografia, Ricardo Teixeira (Immagine) e, agradecendo-lhe as obras que me me inspiram a novos escritos, lhe propus escrever sobre algumas. E ele, bem... ele agradeceu-me.
Ora ontem à tarde, e para consolidar melhor em mim todo este tema, perguntei ao meu filho o que é ser criativo.
- Oh mãe, criativos são as pessoas que fazem coisas novas... Coisas novas para dar ao Mundo, percebes?-
Percebo João! É por isso que agradeço ao Ricardo que tirou esta fotografia que me faz sonhar; e agradeço a quem lê e aprecia o que de novo tenho para dar ao Mundo; e te agradeço a ti... por seres tão criativo!

Ana Amorim Dias

15.1.13

O pão que um anjo amassou

O pão que um anjo amassou

Adoro expandir os meus conhecimentos...nem que seja com farinha. E dou particular valor à sabedoria experimentada porque, mesmo que não a volte a usar, enriquece-me as vivências, e claro, os escritos.
Mas deixem-me começar pelo princípio.
Já tenho amassado pão de saltos altos. Também já o fiz toda encasacada ou só de biquini e pareo. O que importa mesmo é a vontade e amor com que se amassa. E fazê-lo dá-me prazer. Pela sensação de pôr as mãos na massa e por sentir uma responsabilidade guerreira de alimentadora e zeladora que não sei explicar muito bem. Mas no outro dia foi diferente. Vi-me a braços com o próprio forno a lenha pela primeiríssima vez. Deixaram-me os paus a arder e foi tudo.
Aflita, liguei à minha sogra para me vir acudir. Não podia...mas explicou-me ao telefone o que tinha que fazer: - Quando já não houver fogo nenhum, pegas no rodo, tiras as brasas quase todas e deixas só um montinho à porta do forno para não deixar fugir o calor. Depois lavas o chão do forno duas ou três vezes com um trapo preso à ponta de um pau e de seguida metes o pão, que isso já tu sabes fazer.-
Anotei tudo mentalmente. Não me parecia difícil. Dois segundos depois a minha sogra ligou de novo.
- Ana?-
- Sim?-
- Tens que vez se o forno não está demasiado quente antes de pôr o pão!-
- E como faço eu isso?-
- Atiras um punhado de farinha lá para dentro. Se a farinha queimar instantaneamente tens que lavar o forno um pouco mais, caso contrário pode queimar logo tudo.
Respirei fundo. "Tu consegues, Ana!" E, claro, consegui. Mas confesso que o momento alto foi o do teste da farinha, que atirei com poderes de anjo a fazer os seus milagres. Talvez seja por isso que, no fim da odisseia, elevei um pão aos céus a pensar: "Aqui está ele: o pão que um anjo amassou..."

Ana Amorim Dias

100%

100%

Eu estava a pintar os olhos e, vinda do nada, ouvi de novo a conversa de ontem à noite.
- Estás a pensar vir cá esta semana?-
- Em princípio, sim, claro. Só não sei em que dia.-
Avancei para o rímel e, enquanto dava volume às pestanas, tive uma revelação: num só segundo revisitei inúmeros dos meus encontros semanais com ela, e percebi que volto sempre da sua companhia com uma alegria inexplicável agarrada ao meu humor. É como se fosse magia. Magia e muito amor.
- Faço cem quilómetros para ver a minha mãe -, penso ao passar o batom - mas, de alguma forma, parece que vou mesmo aqui ao lado.-
Visto o casaco e saio de casa com os meus ensonados filhos. Enquanto entro para o carro, olho-os e pergunto-me: "será que já percebem que eu também sou 100% amor e 100% magia?"

Ana Amorim Dias

13.1.13

Os homens precisam de proteção

Os homens precisam de proteção

Se houvesse um medidor de sensibilidades quem é que ficaria no topo da lista? Se se fizessem estudos gerais, cientificamente comprovados, seriam os homens ou as mulheres a ser considerados os mais sensíveis?
Sobre essas eventuais conclusões apenas me posso permitir divagar, já que desconheço a existência de tais estudos. No entanto a análise empírica que os anos e a atenção ao comportamento humano me têm revelado é que os homens são tão sensíveis como as mulheres, senão mais.
Os homens também se emocionam, entristecem, desesperam e caem por dentro. Os homens também têm inseguranças, conflitos interiores, dores escondidas, traumas, medos. Os homens também sentem falta do "amo-te", do "não te preocupes", do "eu protejo-te" e, sobretudo, do "chora, não faz mal chorar".
Esperamos que os nossos maridos, namorados, pais, filhos, irmãos e amigos sejam fortes. Esperamos que estejam sempre bem, sorridentes, protetores. Esperamos não ter que lidar com as suas sensibilidades, fraquezas e lágrimas, porque esses atributos era suposto serem direitos só nossos.
Os homens são privados pela natureza do super poder de parir, e são castrados pela sociedade do seu direito à sensibilidade e suas manifestações. Eles têm o azar de não poder chorar, ter ataques histéricos e esconder-se depois atrás de tensões pré menstruais. Quanto à privação que a natureza lhes trouxe, nada há a fazer. Mas o direito à sensibilidade tem que ser por eles resgatado, de preferência com o nosso incentivo e, claro, sob a nossa proteção.

Ana Amorim Dias

Equilíbrio

Equilíbrio

Once upon a time, há muitos, muitos anos...
Tinha eu acabado de tirar a carta e tive que levar o carro sozinha numa curta viagem. Na noite anterior custou-me a adormecer. Imaginei uma e outra vez os pontos do percurso em que teria de parar em subidas. Tentei prever como faria algo que ainda não dominava: o ponto de embraiagem.

O ponto perfeito de um corpo está no exato meio caminho: nem gordo nem magro.
A elegância situa-se no ponto preciso que concilia a sensualidade com o recato.
E os homens querem-se extremamente sensíveis... na sua masculinidade, enquanto as mulheres devem ser divinas, mas sem a postura de divas.
As pessoas mais atraentes sabem estar a meio caminho entre a sensatez e a loucura; entre a inteligência e a inocência.
As pessoas mais sábias conseguem ter uma maturidade infantil, uma seriedade humorada e uma divindade animal.
Queremos partilhar a vida com quem seja generoso, mas não ganancioso; com quem nos ame apaixonadamente mas sem nos querer possuir; com quem seja atento mas não controlador; seguro mas não detentor de excessos de confiança.
Somos mais felizes ao ser sensíveis sem ser piegas; humildes, mas grandiosos; atentos mas distraídos e fortes nas nossas fraquezas.

Domino o ponto de embraiagem há quase duas décadas, como o domina bem quem muito guia e gosta de o fazer. É ao conduzir-me pela vida que vejo que as coisas não são assim tão simples. O equilíbrio é uma conquista constante, diária, sofrida, feita no esforço de aprender a manter-me no ponto certo entre dois extremos.
Sim, acredito mesmo que equilibrado é quem domina o ponto de embraiagem da vida!

Ana Amorim Dias

11.1.13

Lucidez

Lucidez

- Mãe, tens ali lugar.-
- Aquele é para deficientes, João.-
Silêncio.
- Mãe?-
- Huum.-
- Os deficientes podem parar nos lugares todos?-
- Sim meu amor, desde que não sejam lugares proibidos.-
- Mãe?-
- Huummmmm!?-
- ... Eu sou deficiente?-
- Não, João! Tu tens todas as capacidades corporais e mentais.-
Acabei por estacionar e acompanhá-lo com os olhos no seu caminhar para a escola, mas o estupor do puto deixou-me a pensar, aliás como sempre faz.
Será que o défice de capacidades físicas ou mentais é que determina quem é ou não é deficiente? Ou será o défice de ternura, lucidez, e capacidade de amar, entender e perdoar? Não tenho a mais pequena dúvida: deficiente é apenas quem tem défices na mais básica estrutura interior que o ser humano deve ter: um grande coração.
Obrigada, João, por essa tua vozinha traquina e lúcida que é, tão amiúde, a voz da minha própria lucidez.

Ana Amorim Dias

10.1.13

Fascínio

Fascínio

Vi-o aqui, virtual, no meio de tantas outras caras. Não olhei apenas. Tentei ver. Ver para lá das barbas e das rugas. Ver para lá da pele pintada de sol e dos olhos de dureza cristalina. Tentei ver o que apenas posso imaginar: quem será; o seu percurso; as suas estórias; as pequenas e grandes escolhas que fizeram deste o seu olhar. E deixei-o logo entrar, altaneiro, no romance que agora escrevo. Não posso saber o que lhe deu este olhar, mas posso muito bem imaginar.

O Homem fascina-me completamente. Não este, todos. O ser humano em geral, transformado em indivíduo, é a mais fascinante maravilha que existe. Creio que é por isso que me apaixono por toda a gente, excepto talvez pelas poucas pessoas que conseguem a difícil tarefa de ser totalmente desprovidas de interesse.
E, ao concretizar estes pensamentos, percebo melhor a minha sorte. Percebo que esta afortunada paixão é o que me faz conseguir ver em vez de apenas olhar; percebo que esta compulsão pelos outros é o que me constrói e dá a capacidade de entender, não julgar e amar quem conheço e não conheço. É por isso que escrevo, mais que tudo, sobre pessoas, sobre vida. Porque o meu maior fascínio é, sem a mais pequena dúvida, o Homem.

Ana Amorim Dias

9.1.13

Orgasmo universal

A humanidade precisa de se vir. Mais, muito mais.
Vão perdoar-me a franqueza e o vocabulário, mas se em Tribunal os factos devem ser expostos clara e taxativamente, não vejo motivo para que tal não aconteça aqui também.
A frase que acompanha a fotografia não é minha, contudo, assim que a li, decidi que lhe queria fazer uns breves acrescentos.
"São poucos os problemas que um orgasmo não consegue resolver." Tão simples quanto isto! Para quê complicar mais?
Não importa se sozinhos ou acompanhados; se de forma simples ou mais rebuscada; se de noite ou de dia; o importante é que cada pessoa saiba ouvir e respeitar as necessidades do seu corpo. Há quem coma mais e quem tenha menos apetite. Há quem durma muito e quem se baste com poucas horas. O que não acredito que haja é pessoas sensatas e de bem com a vida...sem comer nem dormir.
Às vezes, perante pessoas demasiado irritadas, dou comigo a pensar: "Oh minha senhora, vá-se vir." ou "Caro senhor: já lhe fazia bem um orgasmo, não acha?" Se calhar é por isso que as pessoas se mandam foder umas às outras. Se virmos bem não é uma ofensa, é um conselho sensato, valioso e apropriado, que vale bem a pena acatar.
Ora se a constatação dos benefícios de assíduos orgasmos, na vida de cada indivíduo, é inegável, acredito piamente que a humanidade daria um enorme salto qualitativo se cada um dos seus componentes aprendesse a respeitar melhor as necessidades do seu corpo. Embora o chavão "make love not war" me pareça demasiado redutor, tenho a certeza absoluta que muitos dos problemas do mundo se começariam a atenuar se cada ser humano contribuísse, fazendo a sua parte.
Agora dêm-me licença que tenho de ir ali ajudar a salvar o Mundo.

Ana Amorim Dias


8.1.13

Provar o Mundo

Provar o Mundo

Cinco dias por semana. Sempre pela fresquinha. Dez quilómetros de retas e curvas, forradas de verde se o ano é de chuva. Um rebanho de ovelhas, duas ou três perdizes. Umas galinhas à solta e um casal de pavões na rotunda do Rio Seco. E quando o verão se aproxima: lagartixas, uma ou outra cobra e atenção redobrada para não esborrachar algum adorável camaleão. E vacas, também há vacas.
Carros? Depende. Entre cinco e quinze. Incluindo tratores e motinhas-camião.
Amendoeiras. Alfarrobeiras. Estevas. Umas pequenas hortas os meus preferidos, os paus de pita, que ganha quem contar mais.
Companhia? A melhor: dois fedelhos ensonados, uma banda sonora boa e os pensamentos matinais que me brotam das entranhas como géiseres inflamados.
Mas o ponto alto são os pedaços de caminho em que o sol me atinge de frente, num óbvio convite a saborear a vida.
"O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído", canta o brasileiro na rádio. "O sabor do Mundo vai-me chegar, enquanto eu o quiser provar", canto eu, de frente para o sol.

Ana Amorim Dias

7.1.13

O envelope

O envelope

Pelos dias do Natal, o João correu para mim com um grosso envelope na mão.
- Chegou correio para ti, mãe!-
Satisfiz-nos a curiosidade e abri-o logo ali. Tinha que estar um tesouro lá dentro, vindo de quem vinha!
Um cartão acompanhava a coleção de postais: "Querida Amiga, quando vi isto lembrei-me logo de ti, espero que gostes!(...)"
Comecei a lê-los um por um.

Lembrança: A gaveta que fica sempre aberta.
Amor: Encontrar-nos para ficar.
Humor: Despertar um sorriso.
Esperança: Enrolar novelos de sonhos.
Sonho: As árvores que crescem no sono.
Felicidade: Os pés quentes em dias nublados.
Desejo: Um beijo parado nas nuvens.
Saudade: O ontem que vem.

O João foi-se embora, desinteressado, e eu fiquei com um sorriso do tamanho da cara toda. As amizades improváveis têm um valor acrescido. É por isso que vos deixo mais uma outra definição.
Amizade: O envelope dos tesouros.
Obrigada, Sofia!

Ana Amorim Dias
(Nota: as oito frases transcritas são da autoria de "caramelo-frases que querem dizer")

6.1.13

Nunca caio de saltos altos

Nunca caio de saltos altos!

Comecei a desconfiar do seu problema gravítico há muitos anos e comecei logo a alertá-la para o facto.
- Tem cuidado, Ana, não caias! - disse-me certo dia, a meio de um passeio campestre, mesmo antes de se estatelar, redonda, bem à frente dos meus olhos.
As suas quedas são uma constante tão assídua que chego a conjeturar a hipótese de a mãe Terra a estar sempre a querer abraçar!
Foi sabendo de todo este contexto que há dias, ao sairmos do aeroporto, lhe dei o braço antes de colocarmos os pés numas escadas rolantes.
- Cuidado, rapariga, não te destramonques!- alertei.
E ela, muito solene e segura, respondeu-me prontamente: -Nunca caio de saltos altos!-
Tenho que vos confessar que o momento adquiriu contornos cinematográficos. Pareceu-me começar a ouvir uma big band a tocar ao mesmo tempo que me senti acometida por um arrepio emocionado devido a tal revelação. Grande nome para um romance manhoso! Pena que eu não escreva desses ou já teria meio caminho andado!
Ela viu o meu ar maravilhado.
- Vai dar crónica, não vai? - o seu sorriso rasgado nem precisou de resposta. É que os saltos altos são a poção mágica da confiança feminina. É por isso que, sob o efeito dos seus super poderes, nada nos pode fazer cair!

Ana Amorim Dias

5.1.13

Em atualização



    A vida é estranha "comó" caraças! Então não é que,  depois de uma vida quase inteira a fugir a sete pés da cozinha, comecei a gostar de ir para lá ?!?
   Isto começou há coisa de dois ou três anos: entrava como quem não queria a coisa, experimentava, saía-me bem, voltava a repetir... Tudo com muita contenção; com uma espécie de satisfação camuflada e reticente; com alguma desconfiança, até, nesta espécie de rendição carinhosa. 
   Mas ontem...! Ontem passei das marcas e apercebi-me de uma sensação nunca antes sentida: queria chegar a casa depressa; apetecia-me a cozinha; desejava a paz musicada daquele recanto de luz!
   E enquanto me entregava à satisfeita preparação de um rolo de carne recheado, percebi que temos o nosso software em constante actualização! Quaisquer que sejam as características do nosso hardware pessoal, quaisquer que sejam os nossos sistemas operativos, capacidade de memória e por aí fora, passamos a vida em constantes e sucessivos  downloads.
   Se há uns anos me dissessem que no futuro eu iria apreciar os meus momentos na cozinha, provavelmente a minha resposta teria sido: - Só se for trocada por extraterrestres!- 
   Mas hoje, a atualização do meu software de gosto pela culinária faz-me compreender que as nossas características, gostos, aptidões e formas de encarar tudo na vida, são tão mutáveis e passíveis de upgrades como  qualquer computador!

Ana Amorim Dias

4.1.13

Cavalheiro


 
- Porque estás a fazer comida tão bonita, mãe?
- Sabes, João? A comida, mais que uma satisfação animalesca, deve ser uma manifestação  estética.
- Mas isso não devia ser só lá para baixo, para os casamentos?
- Claro que não, filho.  A estética é um valor pelo qual devemos lutar sempre! Além disso a comida deve ser como as pessoas realmente atraentes: bonitas por fora e nutritivas por dentro.
   Tenho ideia que às vezes não escolho bem as palavras para falar com o puto, mas ele não se atrapalha a tirar todas as dúvidas. 
- Isso tem alguma coisa a ver com aquela conversa do outro dia... Aquela sobre como tratar as meninas, sabes?  - questionou-me.

    Há uns dias andei a explicar-lhes melhor algumas regras de etiqueta:
- ... e não há nada que enganar, pega-se nos talheres de  fora para dentro à medida que a comida vai sendo trazida; o guardanapo ao colo, levado à boca antes de cada utilização dos copos e,  quando a senhora se levanta, o cavalheiro deve também levantar-se levemente.-
- Explica melhor a das escadas, mãe!
- Ao subir deve ir o homem à frente, ao descer é ao contrário e já vos expliquei porquê: é muito indelicado porem-se a jeito para olhar para o rabo ou para o peito das senhoras!
Risos.
- A sério é mesmo assim!

Achei engraçado que o João tenha retido tão bem tal conversa, a ponto de ontem me pedir para a desenvolver um pouco mais.
- Conta-me mais regras daquelas das mulheres, mãe.- pediu.
- Muito bem: para teres encanto aos olhos delas, deves saber um pouco de tudo, de história, artes, filosofia, geografia... Deves abrir a porta do carro para ela entrar,  puxar a cadeira para ela se sentar e deves olhá-la os olhos quando falas com ela. Deves mostrar-lhe  que é o centro da tua atenção e nunca dar elogios óbvios ao seu corpo, embora possam ser completamente óbvios se se referirem à sua maneira de ser. Mas há algo mais importante que tudo isto, João. 
- O quê, mãe? O quê, o quê??
- Tens que caminhar e agir sempre com uma coisa chamada confiança. Mulher nenhuma confia num homem que não confie em si mesmo.
Acabei de preparar a bonita comida enquanto ele me olhava, maravilhado. Teremos estas conversas tantas vezes quantas ele queira, porque se um homem é só um homem, um cavalheiro é a sublimação estética e essencial  do homem. 

Ana Amorim Dias

O centro dos guardiões




  Uma das muitas vantagens de ter filhos é haver sempre justificação para ir ver filmes infantis sem que nos olhem de lado. Aceito que haja quem não goste, talvez por não conseguir sentir a magia que se opera... nas crianças e em nós.
  Independentemente de todas estas questões, gostei particularmente do último: "A origem dos guardiões", que retrata a eterna luta entre o acreditar na magia ou ceder ao medo. De um lado o Pai Natal, a Fada dos dentes, o Coelho da Páscoa, o Padrinho dos sonhos bons e o Jack Gelado. Do outro, o bicho papão!
  Vi com toda a atenção, da razão e do coração, segura da importância do que me estava a ser ali entregue. A certa altura o Pai Natal pergunta ao Jack Gelado qual era o centro dele, revelando que o seu era a magia. No fim do filme o Jack, príncipe das Neves,  descobriu o seu centro de guardião: a diversão.
  Será demais considerarmos-nos Guardiões de alguma coisa? A ser este exercício aceitável, somo guardiões do quê? E qual é o nosso centro?
  Chamem-me louca se quiserem, mas  não tenho a menor dúvida que sou uma guardiã das evoluções interiores! O meu centro? As palavras!

Ana Amorim Dias

1.1.13

Jibóiar


     As vozes delas ecoam a par com a música pelos vários cantos da casa. Desabafos, lembranças, partilhas e brincadeiras vão circulando ao mesmo ritmo a que descontraídamente se depenicam as iguarias que jazem sobre as mesas. Risos cúmplices, gargalhadas. Gente adormecida nos sofás. Crianças rendidas ao cansaço, entregam-se à bem vinda paz televisiva.
    "Frágil, tão frágil como o amor", canta o Paulo. E eu rendo-me, forte e com amor, ao encantamento de cristalizar o momento. Sentada no felpudo tapete da sala, silenciosa testemunha de tantas confidências, recolho às primeiras divagações escritas do novo ano que se inaugurou sob um auspicioso sol.
  A ordem do dia foi jibóiar, esse precioso verbo que talvez nem exista; esse precioso verbo que encerra a deliciosa actividade de apenas existir. Sem pressas, sem stresses, sem expetativas nem desapontamentos.
    Aproxima-se a hora de deixar para trás os sofás e tapetes felpudos; de guardar na bagagem as horas felizes  e voltar ao normal devir dos dias comuns. Jibóiar é fantástico, mas viver a todo o gás é igualmente fabuloso!
Bom ano!
Ana Amorim Dias