(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

27.7.12

Os senhores do lodo



      Aos seis anos decidi que queria ser advogada e sei bem porquê: antes de levar a cabo as minhas patifarias, preparava logo o  discurso de legítima defesa com uma tal convicção que toda a culpa e ilicitude eram  liminarmente retiradas às minhas ações.   Achei que tinha jeito para a coisa e lá passei os anos seguintes a tratar de entrar para a Clássica e, depois, a estudar para de lá sair.   Durante toda a infância e juventude pensei que ser uma lutadora da justiça era uma coisa muito bonita de se ser.
      Não sei qual foi o momento em que percebi que a justiça é quase uma utopia, a menos que lutemos por ela por meios pouco ortodoxos.  E também não sei com que idade comecei a olhar para certas leis e a pensar: “ Mas que raio?... Estes legisladores terão o cérebro nas unhas dos pés ou terão vindo de algum planeta distante?”.   Porque a verdade é só uma: há  legisladores (e corja que aprova certas leis se calhar sem perceceber sequer o que está a validar) que não vivem no mundo real.  Juro-vos que é a única explicação que encontro para as gargalhadas que dou ao ler regras, regrinhas e regretas que fazem o País tropeçar nos próprios pés sem ter oportunidade de se levantar sequer!  É absurdo! Quando vão perceber que esta diarreia legislativa só serve para travar o desenvolvimento económico, social e cultural do País?   Quanto mais legislarem cada respiração que damos, menos ar nos chega aos pulmões, é assim tão difícil de perceber?
   Outra coisa que eu pensava é que os políticos serviam para governar as nações e zelar pelo interesse comum. Coitadinha… as crianças acreditam mesmo em contos de fadas. Os únicos políticos sãos de quem já ouvi falar,  ou morreram assassinados ou passaram décadas presos.  Depois temos os outros, que só chegam ao poder por serem corruptos e só lá conseguem permanecer por pagarem bem os favores. Não importa se de direita, esquerda, centro ou extremos,  a podridão é toda a mesma. Pavoneiam-se no seu pedestal de poder e pactos de senhores do lodo, sem perceber o quão repelentes são.
   Entretanto, do outro lado da barricada, trabalhadores e empresários, já de joelhos e lombo dorido,  vão continuando a carregar às costas todo o peso do país; vão continuando a ceder a todas as infâmias e vergastadas sem se atrever a contrariar os lacaios formatados dos senhores do lodo, todos esses políticos rastejantes que desde há muito têm vindo a deixar o País neste maravilhoso estado.
   Talvez todos os trabalhadores continuem calados com a perda de direitos há muito adquiridos;  talvez nenhum empresário  faça nada contra as trezentas licenças e obrigações a que tem de dar resposta para poder produzir; talvez ninguém mais coma bolas com creme na praia  nem se chateie por o nível de vida estar cada vez mais calamitoso. Talvez ninguém se importe por haver carros de centenas de milhares de euros a ser comprados para os chulecos do poder,  e haver idosos que não têm para comer depois de terem sustentado o país durante toda a sua vida. Talvez ninguém se importe por não haver dinheiro para pagar a enfermeiros, professores, bombeiros e tantos outros  que trabalham,  por vezes,  mais por serem bons seres humanos do que pela miséria que ganham.   Talvez ninguém se importe com a estupidez que é ter que  instruir os filhos a pedir fatura a cada chupa que comprem pois podem (quem sabe?) vir a correr o risco de ser presos…
  Ou talvez toda a gente se importe e apenas ninguém saiba como agir. Porque aguentar as pauladas dói, mas reagir a elas dá medo…  
   Aos seis anos quis ser advogada e sabia bem o porquê. Hoje sou escritora e ainda percebo melhor as razões: porque posso dizer o que quero ( vamos lá ver até quando...?); porque posso não calar   o que sei e aquilo em que acredito  e  para, entre muitas outras coisas, vos dizer aqui e agora que todos vocês se importam com todas as questões  que acabei de focar! Então pensemos bem em tudo o que, serena e tranquilamente, está nas nossas mãos  fazer para deixarmos de ser uns completos bananas!!
  Ana Amorim Dias