(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

31.10.11

Sete mil milhões


“….no dia em que a população mundial chega aos sete mil milhões de habitantes…” - oiço o senhor das notícias dizer na rádio…   Sete mil milhões?? Como raio sabem que é hoje?? Qual é o bébé que nasce hoje com direito à faixa que diz: “Parabéns! És o bébé nº sete mil milhões e acabaste de ganhar um Mundo sem guerras nem estupidez!”
   E isto leva-me a pensar como foi que,  ao longo de apenas algumas décadas duplicamos a população mundial… num mundo onde a vida humana vale por vezes tão pouco… Mas, por outro lado, lembro-me que,  enquanto em alguns locais se mata como se se bebesse um café, noutros tudo se faz para salvar uma única vida! Lembro-me de todas as notícias em que as baixas são apresentadas como um número com o qual já ninguém se emociona e recordo todas as outras, que ainda nos deixam com as lágrimas a querer saltar dos olhos por constatarmos que há Homens dispostos a arriscar as suas vidas para salvar as vidas de perfeitos desconhecidos… Arrepio-me ao pensar em todos os casos em que o altruísmo e o amor sem rosto resgata a vida de quem é salvo e de quem salva, ao devolver-lhes a preciosa fé na humanidade!
   Numa época em que a excelência no desenvolvimento anda de mãos dadas com as mais diversas crises, talvez devessemos repensar crenças e valores. Talvez fosse produtivo deixar de viver nos medos e sintonizar as nossas vidas na frequência da determinação e da coragem, chamando a nós não só a responsabilidade de uma atitude mais positiva, como  a  ação de construção de uma realidade circundante mais de acordo com o que gostaríamos que o Mundo fosse…
   Talvez assim,  quando a criança nº oito mil milhões nascer, lhe possa ser entregue uma faixa que diga: “ Bem vindo, bébé… O mundo ainda não é perfeito, mas andamos a fazer os possíveis!!”
Ana Dias

28.10.11

Fleumático conhecimento…


  Estava numa esplanada a escrever e não pude evitar uma certa irritação com o tom pedante e egocêntrico com que um jovem senhor partilhava ideias com uma amiga.  Quando vieram recolher o seu pedido, o sujeito, na tentativa de se superiorizar, perguntou ao homem quem o foi atender se  também ele  era niilista.
  Mas o inquirido escapou por pouco: foi interpelado por outras pessoas quase em simultâneo  e sumiu-se sem revelar o desconforto de não saber o que responder.
   Decidi tornar-me uma instantânea protetora dos fracos e oprimidos e fiz uma busca rápida no google, porque também eu não saberia ter respondido àquela questão, assim, sem pré-aviso. Chamei o senhor do café antes de ele ir de novo à mesa do prepotente fulano e fui rápida nas palavras: - “ O niilismo é uma espécie de “nadismo”; é a negação de todos os princípios religiosos, políticos e sociais!”
    Embora este tema dê para semestres inteiros nos cursos de filosofia, o senhor do café fez um excelente uso das minhas parcas palavras. Dirigiu-se à malfadada mesa e, ao colocar o pedido em frente aos seus interlocutores, disse: - “Em resposta à questão que me colocou: não, não sou niilista. Tenho muitas crenças em todos os aspectos da vida, social e moral. Não me parece que a negação de tudo e a preconização da ausência de sentido faça, por si, qualquer sentido!”.   Virou-se, piscou-me o olho com um sorriso cúmplice e desapareceu dali, deixando atrás de si o convencido pedante com a boca aberta em desconforto.
  Lembrei-me deste episódio porque andava,  há uns tempos,  com uma palavra a “perseguir-me” o espírito sem descanso:   “fleumático”. Tinha uma leve ideia do que significava, mas só ontem à noite descansei, ao comprovar que tal palavra adjetiva sujeitos imperturbáveis, impassíveis, que controlam as emoções.
   O senhor a quem me aliei naquela esplanada foi bastante fleumático e talvez por isso me tenha lembrado deste singular episódio.
   Mas, se tanto me irritou o sujeito com ares de superioridade intelectual, o que mais me rouba a capacidade de ser fleumática é a ignorância orgulhosa!  Perco a razão ao verificar que há quem hasteie a bandeira da ignorância com um orgulho assumido!    Li ontem no jornal que há um concurso em que os concorrentes pensam que a África é um pais da América do sul, que o Sena é um rio da Ásia e que andam há uma semana a tentar descobrir onde fica o Dubai….
  Mas será possível que haja quem não deseje esconder-se até ao fim da vida nalgum buraco escuro e longínquo,  depois de revelar tamanha ignorância em público?? Já não se pede a ninguém que conheça as correntes filosóficas, as tendências artísticas ou o nome dos grandes descobridores… Já não se pede que conheçam os mais básicos factos históricos, os responsáveis pelas grandes descobertas científicas, ou dos pais da economia… Não se pede que conheçam todas as capitais e rios de cada país, nem a obra dos grandes autores… Mas por favor!! O mínimo que se pode pedir é um pouco de curiosidade para continuar a aprender sempre!! O mínimo que se pode pedir a qualquer ser humano é que honre o estatudo do  Ser pensante e dotado de raciocínio que é, e use a massa cinzenta antes que, pela ordem natural da evolução, ela se transforme numa papa amalgamada unicamente capaz da busca de alimento e abrigo!
   O conhecimento não ocupa lugar, está acessível mesmo em crise, e é fundamental à realização do Homem enquanto Homem…  É por isso que vos peço ( com a boca toda, como dizem os meus filhos ) que continuem na busca constante de mais conhecimento; que pensem pela vossa cabeça e façam as vossas equações e descobertas e,  já agora… que inspirem sempre os outros a fazer o mesmo!   Porque, como o fleumático senhor que trabalhava naquela esplanada, podemos sempre apanhar a “bola” que nos atiram e marcar grandes golos!!
Ana Dias

27.10.11

A marca de um beijo

  
Chego a casa e vejo algo a mais. Numa das paredes da sala observo três marcas de batom, gravadas por uns pequenos lábios. Olho em volta e procuro o culpado. É fácil ver, pelo ar reguila e pelos restos de batom vermelho a esborratar-lhe a cara, que o autor da habilidade é o João, o meu filho mais novo….
   Chego a casa e olho para aquela parede e para as suas marcas escarlates a que já me acostumei. Passaram mais de dois anos desde o dia em que o João, num dos seus acessos de criatividade sem estribeiras, marcou o seu amor nas paredes. Lembro-me de, na altura, ter ficado com uma leve irritação que se foi dissipando à medida que percebi que estava decidida a deixar a lembrança daquela façanha a decorar a parede por uns tempos. Mais tarde trataria do assunto.
   Olho para a parede uma vez mais e tiro-lhe uma fotografia para partilhar convosco. As marcas daqueles apetitosos lábios têm estado sempre ali e eu não as tenho visto… não tenho sorrido com o seu encanto repleto de significado…  E percebo que nunca vou lavar a marca daqueles beijos. Nunca vou deixar perder o valioso sentido daquelas perfeitas marcas de batom, criatividade e amor! Enquanto aquela parede existir, existirá também a prova dos beijos que o meu filho partilha com o mundo;  a prova do seu amor de criança.
   E, antes de sair, olho uma vez mais para aquela obra de arte  e penso em todas as marcas que se encontram gravadas nas nossas “paredes” interiores… penso em todas as marcas que todos os amores deixam em nós,  em memórias eternas que jamais deveriamos escolher apagar. Porque há memórias em nós que, apesar de não vermos durante muito tempo, se encontram cá dentro, gravadas sob a forma do mais perfeito beijo que nos deram, impressas com o fogo lento da paixão e dos sentimentos mais fortes. Há marcas que, como as que estão na parede da minha sala, são a mais valiosa parte do nosso património…
Ana Dias
 

25.10.11

Caráter


    O que vos dá mais prazer?  Saber que fizeram algo bem ou serem louvados por isso?  E o  que terá mais valor?  Saberem que o que fizeram está muito bem feito, mesmo que ninguém o diga,  ou receberem elogios quanto a algo de que até nem se orgulham muito?
    O Homem funciona  com o ego, o elogio e o reconhecimento. Desde os primórdios da existência que a sobrevivência está dependente do grupo. A pena máxima a que um ateniense podia ser sujeito era o ostracismo, ou seja,  a expulsão da urbe.   O Homem não sabe existir a sós… nem em termos práticos, nem emocionais. E é por ser um Ser social, que o Homem busca incessantemente o reconhecimento alheio, a sensação de pertença ao grupo e a aprovação dos seus actos.
   Mas há a participação saudável na grande tela  social, na qual as regras se respeitam e cumprem, e a participação falaciosa em que muitos vivem para continuarem a ser aceites como parte integrante e valorosa dessa mesma tela. Quantas pessoas  deixam o seu destino e a sua verdadeira missão para trás,  pelo simples medo de serem votados ao ostracismo dos tempos modernos? Quantas pessoas se julgam a si mesmas pela visão que os outros têm de si??   
   E é aqui que entra o caráter, essa característica que permite que quem a tem se veja exactamente como é e não como os outros o “pintam”. Quando vejo alguém com caráter, sei que estou perante uma pessoa que sabe exactamente o seu valor;   que conhece os seus defeitos e qualidades, limites e capacidades. O caráter é, entre outras coisas, o discernimento de quem se é, sem expectativas de aprovação alheia, nem dúvidas quanto a si mesmo ou quanto aos seus actos e escolhas.
   Ter caráter é saber ser social sem sucumbir à sociedade.
   Mas não termino sem perguntar… conhecem alguém com caráter??
Ana Dias

21.10.11

Paixão


   Tenho sempre uma reserva de temas em espera para o vício matinal da crónica que me acompanha a meia de leite.  Já sabia, ontem, que hoje escreveria sobre a paixão, mas a certeza intensificou-se-me à noite quando, num filme que estava a ver, alguém disse: - Os antigos gregos não escreviam obituários aos seus mortos, apenas comentavam se a pessoa tinha ou não vivido com paixão. -    Não sei se a afirmação é verdadeira ou não, mas é um balanço que faz todo o sentido … porque não há sentir mais vibrante e produtivo do que a paixão!
   Se pensarem um pouco em todas as pessoas magnéticas e  contagiantes (pela positiva) que conhecem, verão que são pessoas que vivem apaixonadas. Talvez sejam apaixonados por uma pessoa, pelo que fazem, por um sítio ou pela própria vida, mas o facto de saberem colocar-se nesse estado, eleva-os para um plano superior que apenas alcança quem é louco e corajoso o suficiente para se entregar a emoções fortes.
  Quem tem a doce sorte de trabalhar com paixão nunca tem carências. Vive em abundância, mesmo que pouco dinheiro sobre depois de pagar todas as contas.  Quem é apaixonado pelo mar, surf, música, leitura, cinema ou qualquer outra atividade, sabe onde encontrar o prazer de se elevar um pouco mais…
  Mas… e quem sabe o que é sentir paixão por alguém… como reaje quando a paixão, certo dia, se esquece de lhe invadir os sentidos?  Como pode reaprender a viver sem essa vertigem viciante e sublime?
   Sempre ouvi dizer que o amor é suave e duradouro e a paixão, intensa e fugaz. Quanto a isso não vou opinar. Apenas sei que há dois tipos de gente: os que não querem sentir paixão porque lhe conhecem os perigos; e os que lutam para que a paixão volte porque já lhe sentiram o gosto.
   Mas vou um pouco mais longe… Será que há pessoas mais predispostas à paixão? E será que alguém sabe, realmente, como se reacende e alimenta esse poderoso e delirante fogo? Ou será ele algo incontrolável, que ninguém domina; algo que surge quando entende e se esvai sem deixar rasto nem hipótese de resgate? A minha incipiente sabedoria não tem como dar resposta a estas questões… apenas sei que, quando se tem saudades de sentir paixão,  ativar as memórias de momentos apaixonantes ajuda a preencher a o vazio que a sua ausência deixou.
Ana Dias



  

20.10.11

Três em um


    O meu pai adorava viajar. E sempre o ouvi dizer que cada viagem é, na verdade, composta por três: o antes, com toda a expectativa e preparação; o durante, quando absorvemos tudo aquilo que a nossa motivação e tempo permitem; e o depois, feito de memórias saborosas que cristalizam a vivência.
   Sou adepta incondicional da partida. E amante da chegada, também. E se digo frequentemente que as pessoas não viajam mais por mera preguiça é porque sei bem do que estou a falar. É claro que ficar em resorts de luxo com a família toda talvez seja, para muitos, a única visão possível de uma viagem… Mas não tem que ser  assim!  Tive tal epifania há uns anos, quando uns amigos da Colômbia estiveram na Europa um mês, e um semana comigo… - “Que sorte que vocês têm, com todos os países da Europa tão à mão de os conhecerem! – Disse-me certa tarde, o Luis. Percebi algo que ainda não sabia e que determinou a minha vontade.
   Meus caros: a vida é demasiado preciosa e o Mundo demasiado belo para se perderem nas desculpas de não haver tempo, dinheiro ou condições… Se não vão todos os anos duas vezes a Londres, três a Paris e uma a Nova York, vão só uma de três em três anos. Mas vão!  Se não podem levar toda a família… vão sozinhos! Porque os vossos filhos hão-de crescer e ter muitas oportunidades, mas vocês,  daqui a uns anos, já não podem ir a lado nenhum de arrastadeira e com com alguma incontinência que a idade vos traga!  E se não ficam no melhor hotel, pelo menos ficarão num com uma cama onde caibam e água quentinha para se lavarem da canseira dos dias em que viram tudo o que queriam!
   Uma das coisas mais maravilhosas é viajar a sós, sem caras metades nem excessos de bagagem. Aprendemos a contar derradeiramente só com a nossa responsabilidade, organização  e sentido de orientação. Vemos preciasamente o que queremos, quando queremos e ao nosso próprio ritmo. Conhecemos gente, partilhamos histórias e vivências. Comovemos-nos  e conhecemo-nos mais intensa e profundamente, ao mesmo ritmo que os nossos horizontes se alargam de uma maneira brutal. Saímos da nossa zona de conforto… apenas para perceber que a vida é tão mais ampla  e confortável do que pensamos!
    Viajar bem requer apenas duas coisas: vontade e preparação. Porque  a vontade move-nos, tira-nos do lugar, e a preparação faz com que o tempo se rentabilize e aproveite da mais perfeita maneira.
  Por isso comecem. Agora mesmo. Façam um mealheiro e escolham um destino. Percam horas na net, onde tudo se encontra em conta, tudo se descobre e tudo se pode planear. Marquem os dias, por poucos que sejam, e organizem o tempo:  destribuam-no por tudo o que vão querer ver, fazer, experimentar. Preparem-se para o desconforto das horas de viagem, para o minimalismo absoluto na bagagem ( quanto a mim, a derradeira sabedoria do bom viajante) e para ficar em locais que a vossa bolsa suporte. Depois vivam em expectativa até o momento chegar e partam para viver e se emocionarem com contemplações e experiências que farão parte integrante da única coisa que realmente possuímos na vida: o que vivemos!
Ana Dias
 
  

19.10.11

A teoria da evolução das espécies


   Há duas noites, depois de vermos um programa no Discovery science, expliquei um pouco melhor ao Tomás a razão da importância das Galápagos na formação da teoria de Darwin. Expliquei-lhe que foi o facto de,  nesse habitat confinado, certas espécies terem evoluído de forma distinta dos seus “irmãos” continentais, que conferiu as Darwin as certezas e fundamentos idóneos  ( que ainda hoje perduram como corretos) para a teoria da evolução das espécies….
  E, como adoro “colagens” e analogias, depressa se me formou a ideia de que todos nós, humanos, vivemos nas nossas Galápagos individuais…
- “ Estás tão diferente… Já não és a mesma pessoa que conheci…” – Eu já ouvi isto. Vocês também.
E o porquê é simples. Além dos genes e das características intrinsecamente permanentes, somos, como qualquer outra espécie, animais que se adaptam ao meio em que vivem…
Sim, estou diferente, evolui, adaptei-me. Nas ilhas Galápagos das minhas circunstâncias de vida, tive que me tornar mais fria e arrefecer o meu sangue para enfrentar as temperaturas adversas dos dissabores; as garras cresceram e tornaram-se mais letais para poder impôr-me perante adversários perigosos; revesti-me de uma carapaça mais forte e protectora que agora me impede de sentir coisas que outrora sentia; agora sou mais rápida, astuta e inteligente, pois só assim garanto a minha felicidade e supremacia nestas Galápagos em que vivo. Podem dizer que já não me reconhecem em mim, mas pouco me importa: sobrevivi, tornei-me mais forte e mais feliz. Descobri qualidades e capacidades que não sabia ter e desenvolvi-as, sempre com sentimentos bons a percorrerem-me os músculos, o pêlo e as garras…
Vocês talvez tenham evoluído de forma diferente. É natural que assim seja, porque cada habitat humano é único. Mas a vossa mudança também se deu com um único objectivo: subsistir, não perecer… sobreviver a todo o custo. Porque quem não se adapta…extingue-se!
Verifiquem apenas, quando vos disserem que estão diferentes, se aproveitaram a evolução e melhoraram com ela!
Ana Dias
 

18.10.11

Abram valas para o Noddy

   
 Esta crónica não tem qualquer mensagem nem moral da história. Se prosseguirem na leitura estão por vossa conta…
   Detesto o Noddy. Sei que não se deve detestar ninguém, muito menos um mero boneco que tanto fascina o imaginário infantil.  Mas, só de pronunciar esse nome, forma-se-me logo uma imagem muito nítida daquela cara de parvo e daquele chapéu ridículo a coroar umas roupas de cor bem chamativa. E, à mesma velocidade que a minha mente é invadida por tão triste figura, cresce-me uma urticária inexplicável. Mas o pior mesmo é quando oiço aquela música que não lembra a ninguém, com as três buzinadelas do carro a ecoar, como um som vindo das profundezas dos infernos.
  Nas poucas vezes em que me apetece ver televisão e não estou para entrar em guerra com as tropas de eleite juniores lá de casa, deixo que sejam guardiães do comando e junto-me a eles a ver desenhos animados. E há alguns que realmente me prendem, como o Avatar ou o desvairado do SpongeBob… Mas, ao mínimo sinal do Noddy, os aguerridos defensores do Canal Disney e Nickelodeon, rendem-se de imediato à minha esquizofrenia noddyniana e mudam prontamente para outro canal.   
   E dou por mim a ver os programas infantis atormentada pela hipótese desse malfadado boneco me aparecer no ecrã… quase como quando estou a ver os canais de cinema, à noite e sozinha, sempre alerta nos zappings, não me vá aparecerer algum filme de terror com uma cena do exorcista ou uma boneca de porcelana a revirar os olhos e a pegar numa faca… Tenho que ter o polegar sempre firme no gatilho do comando, para liquidar sem piedade essas perversões da criação humana.
   Continuo sem perceber como é que a Enid Blyton, a autora dos melhores livros da minha infância, deixou um legado destes! Só consigo encontrar uma explicação: a senhora estava possuída por alguma força do mal quando criou esse filho das trevas a que deu o nome de Noddy….
   Termino com uma defesa básica dos direitos infantis: nenhuma criança merece definhar o intelecto com um bandido daqueles… e, sobretudo, nenhum adulto deveria sentir-se em ameaça constante perante a iminência de ser aterrorizado por essa criação das forças do mal.
   Por isso inicio, aqui e hoje, o movimento AVPN :  Abram Valas Para o Noddy!!
Ana Dias

17.10.11

Maldito sono

    
 Quantas vezes é que já perdeste horas de sono com um bom filme ou uma interessante conversa?  Quantas vezes já acordaste rabujento e a dever horas à almofada pela simples leitura de um livro que te prendeu ou por causa da vaga sensação de que estar acordado é melhor?
   Há tempos alguém me disse que o maior prazer da sua vida ( em absoluto!!) é … dormir.  Olhei para a pessoa em questão com a mesma cara que teria posto caso um estranho alienígena com ar de cruzamento entre um sapo e uma libelinha me tivesse dito que estava apaixonado por mim e me queria levar para o seu planeta…  Caneco! Haverá mesmo quem prefira dormir a estar acordado?  Lamento imenso as pessoas que têm de dormir oito horas para conseguirem funcionar bem porque eu, se pudesse escolher, limitava as cinco ou seis que me bastam , a um mínimo de uma ou duas… e mesmo assim já era desperdício!
   Se assim fosse aumentava a vida em cerca de mais vinte por cento de tempo útil! Não que não seja extremamente proveitoso descansar o corpo e a alma… e sonhar a dormir, mas se pudesse escolher, e apenas duas horas me renovassem por completo, sei bem o que escolheria!! 
  A verdade é que a noite é um momento tão mágico e criativo que fico irritada com os filmes que perco, as conversas que não tenho e os livros a que , por mais que tente resistir, o sono me rouba!  Acho injusto que, lá pela uma ou duas da manhã, no exacto limbo do tempo em que as ideia me chegam mais surpreendentes e cristalinas, o maldito sono me leve, refém das suas inebriantes garras às quais não consigo, ainda, resitir.
   Mas  a verdade é  que o sono que me leva é tão profundo que raramente me lembro dos sonhos… Talvez seja por isso que prefiro sonhar acordada: porque os sonhos conscientes, embora revelem menos sobre os nossos intrínsecos dilemas, tomam o rumo que lhes ordenamos e levam-nos diretamente aos nossos paraísos.
    Seja para estar acordada no presente, voar nas asas de memórias do passado ou galopar no dorso de sonhos futuros, prefiro estar acordada! E,  bem feitas as contas, isso deixa-me extremamente feliz, porque por mais que  às vezes reclame com a vida, estou inteiramente à sua disposição!
  E tu?...
  Ana Dias

14.10.11

Lost in translation

    Quando o meu sobrinho mais velho estava a estudar em Inglaterra, não percebeu à primeira a razão de não ser entendido quando perguntou se era preciso usar um “monkeysuit”. As gargalhadas correram velozes quando, depois de se explicar por outras palavras, percebeu que,  em inglês,  é jumpsuit que se diz, e não fato de macaco traduzido à letra….
   Mas há outras ocasiões em que o desvirtuar do sentido das palavras proferidas nos deixa com um sorriso amarelo e as bochecas coradas de vergonha, como me aconteceu num jantar em casa de uns amigos ingleses que quis pôr à vontade revelando que gosto de todas as comidas. Ora se em bom português é absolutamente inócuo dizer-se que se é de boa boca, em inglês, dizer – “ I’m a good mouth” – deixou-os com uma palidez assustadora e a boca aberta de espanto por eu estar a ser tão inconveniente, a vangloriar-me à mesa de habilidades que não devem sair do recato dos intervenientes envolvidos em tais atividades!
   Mas há tantos outros casos… Por exemplo: os habitantes do Tibete e outras terras altas, será que gastam todas as economias e saúde em substâncias proibidas para estarem sempre”high”?  E o que dizer dos músicos que tocam instrumentos de sopro… serão perversos por terem um “blow job”?
   Enfim, há situações caricatas, cómicas até, quando nos “perdemos” na tradução. Poderia dizer que o que se perde é o sentido daquilo que pretendemos transmitir, mas insisto no “perdemo-nos” porque ficamos, realmente, perdidos!
  Se um espanhol nos disser que foi a um restaurante “exquisito”, a nossa primeira tendência é pensar: - “ ainda bem que avisas que assim já lá não vou” – e, no entanto ,  estaremos a perder uma experiência gastronómica excelente…
  Ou se um natural do norte do pais sai de casa, de manhã, e diz ao telefone a um amigo mais mouro: “ fuodass… tá um dia do carago!”, o mais certo é que, do outro lado da linha, pensem que há uma tormenta de proporções bíblicas.
  E se alguém adjetivar outrem de fleumático ou peremptório  e receber injúrias em troca?
   No fundo we can be lost in translation  independentemente da lingua ou dialeto!  A qualquer momento pode surgir a calamidade de não sermos entendidos e gerar-se a confusão de nos interpretarem erroneamente. Basta um tom de voz mais irónico ou palavras vagas para a confusão se instalar… Por isso,  meus caros, quando tiverem algo realmente importante a dizer, escolham bem as palavras e digam-no de várias maneiras diferentes… pode ser que assim não se percam…. os verdadeiros sentidos!
Ana Dias

13.10.11

" Culo de mal asiento"



   - “ Importas-te de parar quieta?” –
- “ Hã?” –
 - “ Sim! Pára um bocadinho e senta-te sossegada ao pé de nós!”
  Quando estavam junto a mim, era quase sempre este o discurso da matriarca de uma família espanhola pela qual tenho grande estima.  O meu feitio irrequieto era de tal forma pronunciado que ela me começou a chamar… “culo de mal asiento”…
   Passaram muitos anos e já não ando sempre a fazer “ricochete” pelos sítios por onde ando.  Mas a sede de conhecimento do mundo e a ânsia de viver, aprender, pensar  e  emocionar-me,  mantém-se inalterada.   Às vezes, ao pensar nisto, ainda me lembro da música do António Variações… “só estou bem  onde não estou…” porque afinal, não é muito normal que uma pessoa, antes mesmo de chegar à praia, já esteja a antever alguma inquietude e a antecipar a partida. E é então que me pergunto: mas porque raios não és como as pessoas normais, acomodadas no seu canto, sossegadas, conformadas?
    Seria certamente  mais fácil…  mas muito menos inteligente e emocionante!  Não estou à espera de descobrir novos continentes nem efectuar outras grandes descobertas, mas o que seria do Mundo se o Marco Polo, o Cristóvão Colombo,  o Vasco da Gama e o Pedro Álvares Cabral não tivessem sido “culos de mal asiento”?   E se todos os grandes criadores de arte, cientistas, filósofos, etc, tivessem ficado acomodados no seu canto, sossegados e conformados? Que perda isso não seria?  
  É por isso que me conformo com este “fardo” de ser, mais que um “ culo de mal asiento”, uma “alma de mal asiento”.  Porque,   por mais que essas características não tragam nenhum benefício ao Mundo, mal também não farão!
Ana Dias

12.10.11

A fotografia


   Ela leva-me ao quarto e mostra-me a fotografia que tem na mesinha mais próxima da cama. Uma bela jovem admira, extasiada, o homem seguro que a abraça com ar confiante. Toda ela é sorriso e amor. Todo ele é integridade e realização.
    Pego na moldura e absorvo cada detalhe. O requinte da envolvência; a forma como ele, feliz,  olha o infinito e segura o cigarro com estilo. A perfeição toma conta de cada singular nuance naquele daguerreótipo ainda a duas cores…
    Pouco depois, enquanto bebemos um porto sentadas à mesa,    ela diz-me:  - “Ainda o amo, sabes querida?” – O brilho daquele  olhar comprova a verdade das palavras. O sorriso saudoso, todo feito de amor, confere ao momento uma singularidade quase etérea.
   Fico sem palavras. Numa das poucas vezes em que elas me faltam, compreendo o valor do silêncio. Entendo que há frases,  ditas por todas as células,  que não esperam resposta.
  Peço-lhe para continuar. Para me falar mais desse homem perfeito que conseguiu continuar a arder na chama acesa de um amor tão forte… quarenta e três anos depois de ter morrido! E ela continua. A conversa corre, veloz e emocionante, enquanto conheço um pouco mais desse avô perdido nas brumas do tempo.
   Mas os momentos passam e a conversa acaba por ter um fim.  Contudo,  embora os momentos passem ( sejam eles uma conversa profunda ou um amor perfeito vivido durante treze anos)  os efeitos de certos momentos estendem-se no tempo de uma forma quase inexplicável…
   Trago comigo a certeza comprovada  de que os amores eternos existem.  E a esperança de que haja,  por esse mundo fora, mais homens fortes como o meu avô… capazes de enfrentar  tudo por amor; capazes de se sentirem  seguros  e plenos ao lado de  mulheres tão fortes e impetuosas como eles próprios…
Ana Dias

11.10.11

Por inteiro...


   Entro no carro e sinto o calor. Começo a percorrer os cinquenta quilómetros que agora me separam de casa e percebo que é imperativo ligar o ar condicionado.   A voz da Nina Simone invade o pequeno espaço e consola-me das saudades das maravilhosas mulheres que deixei para trás, naquela terra cinzenta e fria.
   O voo decorreu suave e ensonado mas, ao sair do avião, sinto o peso dos vinte graus a mais. Felizmente fui precavida e deixei uma fresca blusa de alças por baixo de toda a roupa que de manhã vesti.   E, perante o calor e luminosidade brilhante da minha terra, percebo que no frio também se pode encontrar calor…
  Cheguei à Holanda na sexta feira, para rever as minhas tias  e reencontrar-me com a mãe delas, o amor da vida do meu avô paterno, que nunca conheci. Ao longo dos breves dias conheci primas ( é impressionante o que a distância pode fazer…)  e “conheci” um pouco mais sobre esse avô maravilhoso a quem, na inocência da infância, pedia sempre a etérea  proteção; ouvi contar a história de um amor eterno e imortal e episódios da vida de um homem único que me deixou como legado uma imensidão de características de que tanto me orgulho. De caminho recebi uma avalanche quente de amor e mimos que me deixaram com a certeza de que há laços que nem o tempo nem a distância têm capacidade de enfraquecer.
  E então, enquanto o carro desliza suave ao som da potente voz da Nina,  sorrio para o céu numa silenciosa comunhão com dois homens que estão juntos, a brindar para toda a eternidade… Onde quer que estejam, o meu avô e o meu pai, devem ter passado um fim de semana feliz, a “ouvir” as gargalhadas e cumplicidades das suas filhas.
  E sigo o meu caminho, a sentir-me infinitamente rica e poderosa: o meu avô pode ter sofrido muito para poder viver aquele amor, mas o seus frutos estarão para sempre unidos num amor indissolúvel. Porque, como dizia o meu pai às suas meias irmãs: não há meios irmãos, há apenas e sempre, irmãos!
  E sabes, Rute? Ele tinha razão! Porque eu jamais saberia dizer-te qual a metade de mim que é tua sobrinha….
Ana Dias

6.10.11

Façam a mala!



   Deixo os putos na escola e vejo um um grande “carrão” a parar à minha frente. Comparo-o com os meus e penso: “ Um dia vais oferecer a ti mesma  o carro que te apetecer…” – Mas mudo logo o registo do pensamento… - “ Óh minha burra… E será que eras mais feliz ao volante de um daqueles do que aos comandos dos dois que tens à disposição??”
  Duvido! E enquanto duvido lembro-me de fazer um  pequeno balanço à vida. O meu pai dizia sempre que um homem pode partir desta vida depois de ter feito uma casa, tido um filho, plantado uma árvore e escrito um livro… Eu acho que uma pessoa pode partir a qualquer momento… mas que parte muito melhor se tiver realmente vivido; se tiver seguido sonhos e feito os outros sonhar; se tiver sido amado e feito os outros amar; se não guardar ressentimentos nem tiver quaisquer remorços! 
   E, nos restantes minutos que me separam do computador e da meia de leite, tenho ainda tempo para mais dois exercícios mentais ( ou seriam espirituais?).  Percorro a minha história e tudo o que já disse, fiz, construí, destruí, desejei, consegui, perdi, agarrei, gerei…. e sorrio. Na verdade um sorriso grandioso abre-se-me no rosto!  Porque, por mais que ainda me faltem fazer milhões de coisas nesta vida, sei que se ela acabasse hoje mesmo, nada tinha ficado por dizer, fazer ou desfazer.  Talvez não saiba ainda viver cada dia como se fosse o último, mas o estado de amor, perdão e ausência de remorço em que aprendi a viver, indica-me que “estou de malas feitas” para toda e qualquer viagem!!
  Enquanto termino, permitam-me que vos sugira  uma pequena reflexão para que vejam o que têm nas vossas bagagens…. Têm coisas por dizer? Coisas por fazer? Pazes e desculpas por pedir?  Façam, simplesmente, a mala…. Tentem viver sempre preparados para qualquer viagem…
Ana Dias

4.10.11

Poderosa raiva


O sangue ferve. A adrenalina sobe. A respiração torna-se mais ofegante e pesada. Ela sabe o que está a acontecer-lhe…. Sente-se injustiçada. Não aceita as acusações, que sabe estarem fundeadas num pântano de medos e impotências. Ela sabe que as reações do seu corpo são um reflexo deuma emoção: a raiva.  Aprendeu a sentir a raiva. A usá-la para se defender com palavras frias e retiradas abruptas. 
   Aprendeu a sentir a raiva e a aceitá-la como um reagente ideal que sabe diluir com o tempo. Mastiga as palavras que ouviu. Relembra-as por uma ou duas horas, não mais. Usa a raiva para destilar os estilhaços do confronto num alambique de amor.
   Ausenta-se. Retira-se. Calibra-se a sós enquanto a raiva, essa poderosa aliada, se esfuma como o cheiro de um bom churrasco ao longo de uma tarde de verão. Sabe que a raiva passa e, ao passar, leva com ela toda e qualquer hipótese de que o ódio se instale.
“- Faças o que fizeres, meu amigo, jamais me farás odiar-te.” – Pensa ela. – “ Faças o que fizeres, amar-te-ei sempre… Porque em mim só cabe amor!”
Ana Dias

3.10.11

Amanhã pode ser tarde...


    Ontem almocei de novo com o Vítor, o grande amigo,  de toda a vida, do meu pai. Quando o meu filho mais velho me perguntou quem era, respondi-lhe: - Este senhor era o João Paulinho do teu avô…. – E o Tomás, ao ouvir-me a proferir o nome do seu melhor amigo, compreendeu de imediato o valor daquela presença.
    A dada altura o Vítor, comovido, disse-me que revê muito o meu pai em mim. Fiquei feliz. Sei que, para o bem e para o mal, é uma verdade irrefutável. E, durante as poucas horas que passamos juntos, senti-lhe de novo a dor de ter esperado tanto tempo para rever o amigo João… Porque não chegou a tempo…
   E vou dizer-vos algo porque é importante que pensem: os que nos são mais queridos continuam a amar-nos sempre. Por mais que a distância e os anos separem amigos, há amizades  intocáveis!   Mas qual é o peso na nossa inércia? Qual é o sentido de dizermos a nós mesmos que não podemos ir ao outro lado do mundo ver AQUELE amigo porque não há dinheiro ou tempo ou condições?  Vou deixar-vos um desafio… sabem aquele grande amigo (que será vosso amigo para sempre, neste mundo ou no outro) que não vêem há tanto tempo?  Vão vê-lo!! Esteja ele na rua de cima ou nas profundezas da selva amazonica!  Juntem os trocos que andam a guardar para comprar o plasma maior e, se não puderem ir com a família toda, vão sozinhos!  Mesmo que seja só por uma hora ou dois ou três dias, vão vê-lo… porque amanhã podem não ter saúde para ir. Amanhã podem já não o encontrar, sorridente, à vossa espera…
   É por isso que vou ver a minha tia/grande amiga, que há tantos anos não vejo… Porque amanhã uma de nós pode já não estar cá…. É por isso que quero ver todos os que amo sempre que posso…
   Quanto ao meu filho e ao seu grande amigo, o João Paulinho,  que vivem a trezentos km um do outro, hei-de fazer os possíveis para lhes proporcionar mais tempo juntos.
   E tu, Vítor, grande amigo, pára de lamentar não teres vindo a tempo…. Posso ser  uma mera lembrança fugaz de tudo o que o meu pai foi para ti… mas devotar-te-ei para sempre a continuação da amizade que o João te tinha.
Ana Dias

1.10.11

Elementar, meu caro Watson!


   Desde miúda que me lembro de ser fascinada pelo Sherlock Holmes  e  de me  maravilhar com os seus geniais métodos de dedução.  Na verdade,  a minha admiração sempre foi toda para a argúcia inteligente do seu “pai”, o Sir Arthur Conan Doyle.  
  E como, recentemente, tenho completado a leitura dos vários volumes que compõem as “Histórias completas de Sherlock Holmes”, é natural que me tenha deixado envolver de novo pela experimentação ( com que às vezes brincava na  adolescência ) de tentar pôr em prática os seus métodos.
   Desengane-se quem pense que vivo rodeada de crimes violentos e aparentemente insolúveis… mas começo a constatar que sou eu própria uma “criminosa” quando não estou atenta a todas as “pistas” que a vida dá… para que eu a entenda claramente!  Usando um pouco mais a inteligência ( na medida do que se tem, claro) e a observação compenetrada, acabamos por deduzir factos extremamente importantes, a saber:  - até prova em contrário, a vida é só uma;  - mais cedo ou mais tarde todos morremos;  - existem muito poucas coisas por que valha a pena estarmos tristes e irritados;  - o amor é a melhor coisa que se pode sentir;     -cada dia que deixamos passar não volta a ser vivido; - pode-se sempre tirar algo bom de uma coisa má;  - nada é para sempre, por isso mais vale saber aceitar as mudanças!
   Para comprovarem estas verdades , e muitas outras, basta começarem a observar tudo e todos com mais atenção e aprenderem a deduzir que cada momento é único e, literalmente, irrepetível !   
   Elementar, não é, caro Watson??
Ana Dias