(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

20.2.12

Altifalante

    Olho para o lado porque é inevitável. Observo-a disfarçadamente apesar de saber que ela é daquelas pessoas que não se importa com isso. Caso se importasse, talvez falasse um pouco mais baixo e eu não tivesse sabido, em menos de cinco minutos, que a vida lhe corre mal porque a tia da cunhada do primo da melhor amiga usou um vestido igual ao dela na festa do passado fim de semana.
   Pouso o jornal. Ela está a digitar outro número no telemóvel. A política e economia vão ter que esperar um pouco porque, a julgar pela sua expressão facial, este telefonema também vai trazer revelações  bombásticas,  propagadas aos quatro cantos da esplanada  pela forte sonoridade da sua  estridente  voz.
- Queriiiiiidaaaaa!! Tás boaaa? Nem vais acreditar. Tás sentada? –
Fico com o pastel de nata,  indeciso, a meio da boca entreaberta, porque o espanto com a quantidade de decibéis com que a senhora fala, tira-me o reflexo da dentada. E ela continua, com os lábios bem delineados a mexerem-se com convicção, enquanto as compridas garras escarlate lhe bailam nas pontas das  expressivas mãos.
- Claro! E eu disse logo para não contarem comigo porque não ia deixar de ir à entrega dos prémios, para ir ao aniversário do miúdo deles. O quê? Pois querida, claro. -
Lá estava. Agora as quatro pessoas dispersas pelas mesas daquela esplanada já sabiam todas que ela ia a uma entrega de prémios. Desejei que senhora se desse por satisfeita e fosse fazer o seu pregão para outro local. Continuei a ouvi-la, mas cada vez mais ao longe, porque começava a escutar a minha vozinha cá dentro a sussurra-me algo importante: “ Já repaste, Ana? Não é a sonoridade que dá valor ao que é dito. Na verdade aqui tens um belo exemplo de que, muitas vezes, há coisas que  vale mais calar que dizer.”
Ana Dias