(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

21.7.12

Traficante de creme




    Numa época em que a crise obriga a novas ideias de negócio, ocorreu-me que há um filão a que me devia dedicar.  Todos sabemos que as bolas de berlim sabem bem é na praia, sobretudo se estiverem quentinhas e bem recheadas de creme. Contudo as autoridades higiénicas lembraram-se, logo  no início do auge da época balnear, que comer cremes na praia representa um perigo imenso para o bem estar da nação. Vai daí começaram a multar todos os vendedores de bolas, essas pessoas de bem e de trabalho, que estoicamente galgam as praias sob um sol escaldante  distribuindo o delicioso sabor das recheadas bolas,  como se fossem malfeitores responsáveis por grande parte dos males que afetam a humanidade.
    E é então que nós, comuns cidadãos,  que apenas pretendemos  esquecer, entre mergulhos no mar, toda a crise que nos afeta, nos deparamos com o ar apavorado dos vendedores de bolas ao fazer-lhes  o singelo pedido: - São três bolas com creme se faz favor. -   Eles olham para nós como se estivessemos a pedir-lhes que nos fornecessem cinco gramas de cocaína e então, com todo o cuidado, olham em redor e dizem em surdina: - Passo por aqui às quatro horas, mas peça apenas “das outras” e baixinho de preferência! -
   Por volta das quatro da tarde, todos estamos alerta para a chegada do “dealer” que, sorrateiro e a medo, nos “passa” as benditas bolas com creme como se um crime estivesse a ser cometido. Vejo o ar deliciado das crianças que, como verdadeiros “agarrados”, se deliciam com o proibido produto e não consigo evitar perguntar-me se não faria muito dinheiro a embalar creme de bolas de berlim em doses individuais, vendendo-as depois, à candoga,  pelos nossos areais…
   Mas não, decido não enveredar por uma carreira de traficante de creme, no entanto não me conformo com o facto de continuarmos a ter autoridades tão estúpidas.
Ana Amorim Dias