(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

12.8.12

O olho da irritação



   Ontem à noite estava vento. Até aqui nada de novo. Mas o vento fez com que alguma poeira me entrasse no olho esquerdo. Aparentemente também este facto nada teria de interessante, não fosse pela constatação que me trouxe: os nossos olhos são máquinas perfeitas de auto defesa. Assim que algo os ameaça fecham-se de forma tão rápida, instintiva  e automática que nem nos damos conta do que se está a passar.
   A poeira que ontem me entrou para o olho foi pouca e inócua devido à perfeição do “dispositivo” que, além de se vedar a novas ameaças, prontamente tratou de se humedecer e expelir a poeira agressora.
   Como de costume a observação do facto despertou em mim uma analogia (que considero) interessante: se os mecanismos protetores dos nossos olhos são tão rápidos e eficientes, por que não o podem ser também os mecanismos que nos protegem da irritação?  Quando situações ou pessoas nos irritam, por que raios não ativamos um escudo protetor tão automático e poderoso como o fechar das pálpebras e o lacrimejar?  Será que o nosso corpo é uma máquina mais perfeita do que o recheio etéreo que nele habita? Não deveria ser ao contrário?
   Agradeço ao vento que me atirou pó para os olhos e me fez perceber que as coisas que me irritam são apenas isso: um pó que me é atirado para os olhos da alma que certamente ( mais que os olhos da cara) devem ter a supersónica capacidade de fechar as suas pálpebras, lacrimejar um pouco e esquecer a poeirenta irritação após uns breves segundos.
   Sim, bendigo o vento que ontem me trouxe pó para os olhos. Se calhar às vezes precisamos de ver tudo desfocado para poder permitir que a mais perfeita visão das coisas  se acabe por instalar.
Ana Amorim Dias

Fantasmas e fadas dos dentes



   Tenho um sobrinho chamado Miguel que há umas semanas perguntou ao primo João o que é que ele queria ser quando fosse grande. Segundo o meu sobrinho, o João respondeu que queria ser caça fantasmas. Ao ser  questionado  sobre alguns aspetos técnicos do ramo, o meu filho ficou sem resposta, motivo pelo qual o seu primo, dono de primorosa inteligência e devoção ao conhecimento, decidiu esclarecê-lo mostrando-lhe cenas de fantasmas na internet.


- Mãe?-
- Hum?...-
- Os fantasmas existem “à verdade” ? –
- Não, filho. –
   Mas a insistência para que não lhe mentisse e o medo de ir à casa de banho sozinho, começaram a fazer-me suspeitar que havia algo errado. Como é que um menino tão afoito e corajoso se tinha tornado num mariquinhas daquele calibre?
   Mais tarde, ao saber do episódio do primo, é claro que compreendi tudo  e tentei desmistificar o terror instalado. Já lá vão dois meses e os efeitos ainda não se esbateram por completo, que o prove o mais recente desenrolar dos factos:
- Mãe! Mãe! –
- Diz João. –
- Olha!  Deixei o dente que me caiu debaixo da almofada e a fada dos dentes levou-o e deixou-me cinco euros!!
- Mas que generosa foi desta vez!  - Respondi-lhe tentando controlar a vontade de rir que o entusiasmo dele me estava a causar.
  De repente pôs-se muito sério e afirmou: - Espera lá… Mas se a fada dos dentes existe mesmo, então os fantasmas também existem! –
- Já te expliquei que o que há são Anjos da Guarda, João. Fantasmas não. – Respondeu-lhe o pai com  meiguice.
   A conversa ficou por ali mas eu continuei o debate de mim para comigo. O mistério da fada dos dentes está resolvido porque a nota de cinco euros que substituiu o dente foi posta debaixo da almofada por uma pessoa real que em nada se parece com uma fada, podem ter a  certeza. Mas e os Anjos da Guarda?  Se acredito neles não seria lógico acreditar também em espíritos fantasmagóricos? Se calhar evitei , durante demasiado tempo, pensar na possibilidade de existirem tais entidades, mas negar à partida algo que o nosso conhecimento não alcança não acaba por ser uma reduntante forma de burrice?
   Acredito em Anjos da  Guarda,  sim senhor, e não me envergonho por isso! Pode ser só um desenho metafísico dos meus atarantados neurónios, no entanto não vejo nisso qualquer problema.   Contudo, se concebo a existência de Anjos da Guarda e de fantasmas bons, não tinha muita lógica negar a existência dos maus, certo?  No fundo se calhar tudo existe, mas acabamos por ser nós próprios a escolher se ativamos a nossa luz ou a nossa sombra; se atraímos o bom ou o mau.
   Em suma, pelo sim pelo não, não vou ler esta crónica ao João!
Ana Amorim Dias