Há muitos anos li numa revista um pequeno texto entitulado “O Caminho de Ítaca”. Marcou-me. Guardei-o. O papel está muito velho e gasto, mas a sabedoria das palavras apanha-me sempre com a mesma consistência quando, de longe a longe, alguma arrumação mais profunda me faz tropeçar nelas.
Pelo que recordo, o pequeno texto fala de alguém cujo objectivo na vida é chegar a um local idílico chamado Ítaca e que gasta a sua vida na caminhada para lá chegar. Enfrenta medos e perigos, passa por belas paisagens e inesquecíveis momentos, conhece outras pessoas e conhece-se a si mesmo. Vive, descobre, perde e encontra, mas sempre de olhos postos no seu objectivo: chegar a Ítaca. Quando finalmente lá chega depara-se com duas realidades: Ítaca é um local normal, como qualquer outro no mundo: não tem uma beleza extraordinária nem riquezas sem fim; não é o paraíso e muito menos corresponde a todas as expectativas criadas, ao contrário de muitos dos locais por onde o homem passou. Por outro lado, percebe que a sua vida se aproxima do fim, pois a vida do ser humano é sordidamente curta para cumprir todos os seus sonhos e desígnios.
O homem percebe que gastou a vida na caminhada e que chegou a um sítio comum. E é só nesse momento que entende também que a verdadeira recompensa está na estrada da vida e não no local para onde, inexoravelmente, nos tentamos dirigir.
Todos temos a nossa Ítaca. Para uns é a riqueza, a fama ou a glória. Para outros tem a forma do mais perfeito amor ou da sublimação espiritual. Qualquer que seja a nossa Ítaca, o nosso obectivo, o nosso máximo destino, é admiravelmente estranha a capacidade de esquecermos o mais importante. A Ítaca está a cada passo do caminho. O sonho concretiza-se a cada segundo que o sonhamos. O destino que cada um de nós luta, dia após dia, por alcançar está, afinal, a materializar-se a cada passo, a cada inspiração dos nossos pulmões.
A consciência de que a nossa Ítaca está no próprio caminho da vida, é uma das muitas valiosas sabedorias que nos podem ajudar a viver a vida acordados. É o que nos pode ajudar a não ter os olhos postos apenas no prémio final e, pelo contrário, levar todos os sentidos bem alerta e sentir, ao longo de todo o caminho, toda a sua beleza. Basta saber ver com a alma, ouvir com o coração e respirar com a nossa essência…
Mas todos os caminhos têm pedras, perigos e miragens. Todos os caminhos implicam esforço, cansaço, dor e perda. Há que aceitá-los também, tentado dar-lhes sentido e aprendendo com eles, pois a cada muro que derrubamos e a cada dor que ultrapassamos, estamos mais fortes e mais preparados, mais humanos e capacitados. Cada obstáculo pode representar uma lição de resistência, de perseverança, de perdão, de amor e de uma infinidade de outras coisas. Atentos ao caminho, a vivê-lo a cada instante, aprenderemos lições impensáveis e aproximar-nos-emos mais de nós mesmos.
Saber que o verdadeiro valor do caminho de Ítaca é o próprio caminho será, enfim, a única maneira de conseguir saborear a chegada. Saber que o verdadeiro valor da nossa caminhada é o próprio caminho é a derradeira sabedoria da vida. É isto que me traz aquela velha folha de cada vez que os nossos caminhos se cruzam, porque por mais que a alma saiba, é com frequência que o corpo esquece.
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