(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

7.7.12

Poker face


 
    Há uma teoria que diz que quanto menos revelarmos as nossas emoções mais temos a ganhar.  A carinha de póquer entra então em ação:  a ausência total de expressões faciais e corporais representam o cume da montanha de gelo que conseguimos aparentar ser.   Mas surgem duas questões:  será que se consegue mesmo fazer a poker face?  Integral e perfeitamente?  Quer dizer, em todas as situações da vida, conseguirão as pessoas esconder efetivamente as suas emoções e sentimentos de todos os outros?  Duvido muito…
    A segunda questão prende-se com as vantagens: será mesmo vantajoso andar sempre com carinha de póquer? Se assim fosse não perderíamos a maior fatia do bolo do encanto humano? Se assim fosse não ficaríamos todos com a sensação de morar em L.A. e ter sido submetidos àquelas plásticas que roubam toda a expressão? 
   Afinal quando é que se deve pôr a poker face e quando é que devemos dar largas às nossas mais expressivas manifestações de humores?
  Na minha opinião pessoal,  a carinha de póquer só devia ser mesmo usada nos jogos a dinheiro e em mais situações nenhumas. A poker face é uma máscara;  uma falsidade que,  por mais que pontualmente traga uma ou outra vantagem, nos tira a honra e o brilho.  Não confio em “poker faces”; não confio em quem não sustenta com o olhar as palavras. Posso  não gostar de sorrisos amarelos  nem  de esgares cínicos, mas prefiro-os, de longe, à suspensão facial de emoções.  
  Ser humano é ser imperfeito. Ser humano é tentar caminhar para o aperfeiçoamento pessoal.  E camuflar o reflexo de emoções menos boas é um perigo a que não devíamos querer estar sujeitos. É bom saber com o que contamos. É bom mostrar aos outros o nosso agrado ou desagrado. Mesmo que não seja o que nos proporciona  maiores ganhos é,  sem dúvida, o que que nos torna mais honestos.
 Não termino sem uma reflexão que , mesmo podendo não ser acertada, tem muito de certo: as pessoas  realmente inteligentes sabem que não é só com a inteligência que os obstáculos se vencem; sabem que as emoções, bem usadas e demonstradas, podem ser tão “inteligentes” como a própria inteligência.
Ana Amorim Dias

Na ponta dos dedos




   Segundo a minha mãe, não há assunto que não me inspire.
- Como é que escreves assim sobre tudo?  - Pergunta-me às vezes.
- Sei lá! Se calhar é porque há sempre algo a dizer sobre tudo. – Respondo-lhe.
 E hoje apetece-me fazer um tributo aos dedos.  
    Uma vez cortei um bifinho de um dos meus dedos na fiambreira. Sem ter tempo para o impedir, deitaram-no para o balde do lixo,  agarrado a uma fatia de queijo.  Apesar da aflição do momento, guardo a memória com carinho. Não pude coser de novo a mim a parte deitada fora, mas o dedo sarou e só olhando com atenção se percebe a imperfeição.   Desde então passei a respeitar mais os dedos. Não apenas os meus, mas os dedos em geral.   Eles  são uma das portas mais escancaradas da nossa perceção sensorial.  Com a ponta dos dedos consegue-se ver de uma maneira diferente do que com os olhos. Não é à toa que dizemos constantemente às crianças: - “ Não toques, não é para mexer!”.   A “visão” da ponta dos dedos é mais apurada com texturas, temperaturas e outras canduras;  capta tensões e percebe emoções.  Os dedos fazem, agarram, apalpam e sentem. Os dedos não mentem.  Os dedos atuam, flutuam, amuam. Descobrem segredos e revelam enredos.   Os dedos acalmam, serenam e aplacam; viajam nos corpos de quem se ama e completam o sentido da vida com todo o tato.
    Fico feliz por o “bifinho” perdido não ter levado consigo toda a magia que na ponta dos dedos se encerra…
Ana Amorim Dias