(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

31.8.12

O néctar escarlate


 
    No fim obrigam-nos a comer uma sandes e a beber um sumo de fruta. Já me tentei escapar ao fatídico lanche, desculpando-me com o lauto almoço há pouco tempo ingerido, mas convencem-me sempre que há que retemperar o organismo.
   Antes disso, a poltrona. Forrada, reclinada. Para dar algum conforto a quem tema a grossa agulha por onde nos sai a oferta.
  Dar sangue é mais que dar vida. Que o diga o orgulho que tenho no meu cartão de dadora. O incómodo da leve dor, e  a aflição de  olhar para saco ondulante onde o nosso escarlate néctar vai ficando acumulado,  é de longe  superado pela sensação de altruísmo humanitário que ficamos a sentir.  À mesma velocidade que os perfeitos mililitros  nos vão saíndo do corpo,  vai-nos  entrando a certeza do valor daquele ato.
   Não sei para quem vai o meu sangue. Creio que nunca ninguém sabe. Mas fico ali a imaginar se salvará a vida a alguém ou se apenas ajudará às mais rápidas melhoras. Fico a sorrir perante o privilégio que representa ter um sangue suficientemente bom que possa correr nas veias de outros corpos. Mas a mais selvagem divagação começa no momento em que imagino a maravilha  que seria se, pela mera transfusão, os pensamentos bons e a alegria de viver se  pudessem também  transmitir.
   E então caio em mim. Dar sangue não me enobrece. É algo tão banal como é dar um sorriso. E quanto aos pensamentos bons e alegria de viver, não é pelas veias que os posso partilhar…
Ana Amorim Dias