(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

8.9.13

Um botão no ombro esquerdo

Um botão no ombro esquerdo

- Diz lá o que é que é preciso para descobrires onde está o teu botão do bom humor?-
- Leva-me a tomar uma meia de leite e eu começo a procurá-lo... - rosnei.
As manhãs nem sempre são fáceis, especialmente antes da cafeína entrar no sistema.

Um pouco mais tarde, no café: carrego com o indicador num sinal que tenho no ombro esquerdo. - Já está! Botão da boa disposição encontrado e ativado!
O Ricardo ri-se, aliviado. O Tomás encolhe os ombros, condescendente. E o João começa a "ligar" e "desligar" o sinal do meu ombro esquerdo, aguardando as minhas reações. Alterno os sorrisos amorosos com rosnadelas enfurecidas. Todos se riem até a brincadeira se perder numa outra qualquer distração.
Fica-me o conceito a boiar nos mares da alma: e se eu conferir reais poderes ao sinal do ombro esquerdo? E se, ao sentir-me insuportável, o pressionar, ficando efetivamente bem disposta? E se todos arranjássemos um "botão" de ânimo e boa disposição a que recorrêssemos com a certeza de funcionar?
Estou certa de que está tudo à distância de um "clique"... e da decisão de que o botão funciona.

Ana Amorim Dias

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lado a lado

Lado a lado

"Tens que o tentar entender, Ana! Se fosse ao contrário tu estarias preparada e aceitarias sem qualquer problema, mas sabes perfeitamente que isto lhe vai fazer muito mal! Espera um pouco mais, dá-lhe tempo..."
Ia no carro quando me chamei a mim mesma à razão. Se fosse qualquer outra pessoa a dizê-lo eu manteria o meu rumo e faria prevalecer a minha vontade. Mas como tenho o estranho hábito de me ouvir com atenção, aceitei sentar-me lado a lado comigo, e fazer negócio!

- Sempre que estiveres a negociar com alguém senta-te ao seu lado, nunca à sua frente!- disse-me, há uns meses, um dos meus heróis.
- Porquê?- perguntei-lhe.
- Sabes, Ana? O frente a frente potencia o ego, a oposição; fomenta uma hostilidade que em nada nos favorece. Pelo contrário, se te sentas lado a lado com a outra parte, consegues estabelecer uma sensação de estarem ambos do mesmo lado, desarmas, dás confiança e, com algum tato, baixas-lhe as defesas e a negociação acaba por te ser favorável.-

" Tens que ser paciente. As grandes batalhas não se ganham precipitamente. Não precisas de ir já sozinha de carro até à Croácia. Podes ir daqui a uns meses, dar-lhe mais tempo para se habituar à ideia e aceitar sem se magoar... qual é o stress?" - continuei, lado a lado comigo, em plena negociação.
" Olha que porra! Sabes bem que tenho que me sentir livre! Que tenho que ir embora quando entendo! Que me faz mal começar com cedências!"
" Às vezes és mesmo imatura... Não é perante ele que tens de fazer cedências. É perante ti que tens de estabelecer soluções de compromisso! Queres que ele fique infeliz e amargurado?"
" Não! Claro que não! Mas detesto colocar o bem estar dos outros à frente das minhas asas!!!"
" Vá lá. Trabalha essa tua impaciência, atrasa essa viagem até ele se habituar à ideia e arranja outros planos para agora, há tantas coisas que queres e podes fazer sem criar conflitos..."

- Ricardo?- assim que cheguei à quinta quis comunicar-lhe que tinha estado em negociações comigo.
- O que foi?- o ar um pouco aflito quase me fez rir.
- Lembras-te que em Outubro eu era para ir sozinha de carro até à Croácia?-
Um trejeito carrancudo.
- Pois bem, por essa altura faz uma mala. Vamos embora!-
- Para onde??-
- Não sei, vamos à aventura, logo se decide o destino!-
Abraçou-me com força enquanto me lançava um apaixonado: "Parvalhona!..."
- Mas a outra viagem não foi cancelada, só adiada.- avisei.

Aquilo que realmente queremos raramente nos é trazido de bandeja. A liberdade não se conquista à bruta, nasce também da tentativa de não ferir os outros. E a vida... bem, a vida é uma gaja muito sabida com quem convém negociar sempre lado a lado!

Ana Amorim Dias





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Pessoas-universo

Pessoas-Universo


Não faço ideia se o facto de se ser extrovertido ou tímido provém mais de fatores genéticos ou culturais e educacionais. Talvez dependa da conjugação de ambos. O certo é que quem é envergonhado tem muito a perder.

Desde miudita que me conheço como pessoa expansiva, capaz de meter conversa com qualquer pessoa e em qualquer situação. Mas só ao longo dos últimos anos é que me tenho apercebido da riqueza que tal característica nos pode acrescentar à vida.
Cada pessoa é um Mundo. Não! Cada pessoa é um Universo! E acredito firmemente que uma das nossas missões é ligarmo-nos uns aos outros para assim termos condições de expandir o entendimento e a sabedoria.
Reconheço a desmedida sorte de me ser natural falar com desconhecidos sem qualquer vergonha e de tentar, sempre que posso, conhecê-los um pouco melhor. A não ser assim já teria perdido muitas centenas de enriquecimentos que esses novos universos me trazem...

Os senhores do norte que assavam porcos no espeto e me contaram a vida toda enquanto me ofereciam os melhores pedaços de carne; o irmão de um noivo que ensina cegos do Nepal a dar massagens para terem como se sustentar; o mecânico sobrevivente com quem tenho conversas profundas; a "vizinha" do lado, numa feira medieval, que é caracterizadora e vai sozinha para a Costa Rica... E poderia continuar durante muitos parágrafos com a lista de encantadoras personagens da vida real que vou conhecendo a um alucinante ritmo.
Sei que temos muito a aprender uns com os outros e, no meu caso em particular, sei identificar de imediato quem, ao chegar à minha vida, vem com ensinamentos novos. Contudo, mais importante do que estar consciente desse facto, é saber que todas as pessoas-universo que chegam à nossa vida, vêm com a tarefa de nos ensinar algo mais sobre nós mesmos. E vice-versa, claro!

Ana Amorim Dias

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Zambujeira do Mar

Zambujeira do Mar. Duas horas na água a fazer bobyboard. A meio da odisseia, um pequeno anjo faz-me completamente feliz:
- A senhora é professora disto? - pergunta-me o desconhecido puto.
- Não! porquê?- contraponho, espantada.
- É que faz tão bem!-
Não consigo evitar: passo o resto da manhã a sentir-me uma verdadeira Neptuna!

Ana Amorim Dias

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Pergunto-me

Pergunto-me...

Pergunto-me quantas pessoas precisam de mudar as suas vidas. Quantas pessoas passam os dias, os meses e os anos a protelar decisões de fundo por falta de coragem? Quantas pessoas não gostam do que fazem? Quantas estão acomodadas em relacionamentos sem futuro nem sentido ou emoção por puro medo de ficarem sós? Quantas têm uma vida medíocre e adormecida, ganhando menos do que poderiam ou perdendo os seus talentos por falta de "oportunidades"?
Digam lá, se souberem, quantas pessoas conhecem que acordam para cada novo dia sem qualquer entusiasmo, apenas para se arrastarem em piloto automático até à hora de adormecer de novo? Quantas dormem mal? Quantas vivem no receio de não ter como pagar a próxima renda e conta da luz?
Por vezes é preciso mudar. Mudar tudo. Virar a vida ao avesso. Minimalizar em absoluto. Perder quase tudo. Viver com quase nada. Por vezes é necessário rasgar padrões, perder estatutos, desligar o botão do "o que é que vão pensar?" e ir viver com os pais ou com os tios ou vinte patamares abaixo do era habitual. Por vezes é preciso ir embora, ficar longe de quem mais se ama, para ter como voltar. E recomeçar.
Viver dá medo. Um medo do caraças. Mas surgem épocas em que, para se poder viver aos comandos da vida, é preciso encontrar a coragem de virar tudo ao contrário, quebrar as estruturas e começar de novo. Do zero. Ou quase.

Ana Amorim Dias

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Verão de 2036

Verão de 2036
Numa qualquer praia da Europa...

- Conte-nos como tudo começou.-
- Então... Deixe ver... Começou num centro comercial!-
- Num centro comercial?!?-
- Sim, eu estava a passar e vi a prancha. Ela olhou para mim, eu olhei para ela e meia hora depois estávamos as duas nas ondas. Foi assim que tudo começou.-
- O que sente ao sagrar-se campeã europeia de surf dos super séniores?-
- Bem... Estaria mais feliz com um Nobelzito da literatura... Mas isto também sabe bem.-

De volta à realidade do agora: uma hora no mar com a minha primeira prancha de surf. Já me equilibro deitada e sentada. Já a consigo virar e deslocar para onde quero... Já é alguma coisa. A humildade de aceitar fazer "figuras de urso" é pródiga de ensinamentos e proporciona experiências imperdíveis. O mar tem essa faculdade magnífica de nos "reduzir" à ausência de estatutos. Ali não sou a advogada rebelde, nem a organizadora de eventos mandona. Não sou a escritora impulsiva, a autodidata exigente nem a barmaid de serviço. Não sou mãe nem filha nem mulher. Sou eu, apenas eu, sem mais nada. O mar tem essa faculdade única de nos aumentar até à explosão de ligação ao Universo inteiro e de nos fazer responder à tal questão do "quantos anos terias se não soubesses quantos anos tens?" A resposta, lá no mar, é sempre a mesma: "tenho a idade da alma que habita este corpo salgado... que não sei quantos anos tem!"

Nota: aceitam-se lições de surf nos comentários.

Ana Amorim Dias

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Novas éticas

Novas éticas

Costumava adorar as festanças. Não é que já não goste, entenda-se, mas nos dias que correm acho que qualquer pessoa minimamente zelosa da sua imagem tem que pensar cinco vezes antes de ir a jantaradas e saídas de grupo com facebookaólicos. Não aprecio particularmente a publicação constante de fotografias de tudo o que se come, faz e vive ao longo de todas as horas dos dias, mas isso é lá com cada um. O verdadeiro problema surge-me quando decido socializar menos por não querer perder o controle daquilo que é publicado sobre mim. E quando opto por ir acabo por me esquivar bastante às fotografias tiradas com dispositivos alheios, cuja futura utilização não posso controlar.
Nunca aqui proibi a utilização das imagens e textos que publico. Assumo todas as fotografias e todas as palavras. No entanto creio que cada um de nós tem o direito de escolher o que sobre si é publicamente exposto.
- Não quero que publiquem qualquer fotografia minha a menos que me mostrem primeiro e eu esteja de acordo, está bem?- costumo pedir sem rodeios, logo à chegada. Depois, é claro, fico fula e descomponho quem usa a minha imagem sem acatar o que pedi.
Afinal somos ou não donos e senhores da nossa imagem? Com que direito é que se torna pública, a torto e a direito, a imagem alheia? Custará assim tanto ter o cuidado de pedir licença para expor eternamente ao mundo inteiro algo que não é nosso para disponibilizar tão levianamente? Creio que não custa nada tentar refrear um pouco a sofreguidão de protagonismo e começar a pensar mais nas regras de ética e boa educação que as novas realidades virtuais implicam.

Ana Amorim Dias