(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

11.10.12

Uma vida normal




   Não sei se vos aconteceu, na juventude, idealizarem como seria a vossa vida adulta.  E se o fizeram, não sei se ainda se recordam.   Eu lembro-me. Mas fiz batota. Só me recordo do que sonhava para a minha vida adulta porque há uns tempos descobri uma carta que me recordou sobre o que,  na altura, a minha imaginação alcançava.
  Eu imaginava uma vida citadina, com um lindo apartamento,  filhos,  um bom emprego e um eterno amor inocente e juvenil.  Imaginava uma vida absolutamente normal, porque foi na normalidade e na segurança de um bom emprego que fui levada a crer que tudo correria bem e estaria segura. 
   Li aquela carta com a incredulidade de quem se recusa a acreditar que já foi tão limitada. Li-a como se fosse a personagem de um filme de aventuras que olha, através do ecrã, para o observador  que jaz  inerte no sofá.
  Tirando os filhos, tudo o resto saiu invertido. Moro num paraíso bucólico; nunca tive  um bom emprego nem salário certo  ao fim do mês, mas tudo o que faço enche-me de um prazer inexplicável; e o amor, ao invés de inocente e juvenil, cresceu para uma aventura que se contrói, inexplicável, numa conquista surpreendente e diária.   Vivo numa vida que nem eu mesma tive capacidade para imaginar. Uma vida cheia de tempo, projetos, aspirações, energia, sol, mar, palavras, música, cultura  e emoções. Uma vida arriscada e completamente alheia à normalidade instituída  pelas mentes comuns.  E acabo por perceber que foi por ter rejeitado por completo a segurança da normalidade que agora tenho uma vida boa e “normal”.
   Não me vou pôr a imaginar mais  o futuro. Já percebi que ele tem sempre a hipótese de adquirir contornos  mais surpreendentes e atípicos do que  temos capacidade para supôr.  Já percebi que a normalidade é um conceito demasiado amplo e moldável, inconfinável  a qualquer tipo de padrão pré-estabelecido. Porque, no fundo, por mais anormal que seja a nossa vida, o truque de a viver bem, é olhá-la como se fosse a mais normal das vidas.
Ana Amorim Dias