(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

27.9.11

Forasteira

    Quando se chega a uma terra que não é a nossa, muita coisa pode acontecer… Podemos sentir-nos explendidamente ou muito mal; podemos não gostar do clima, mas adorar o estilo de vida; podemos, até, sentir-nos bem recebidos, mas sofrer com saudades do local de onde viemos… Já fui uma forasteira nesta terra onde vivemos: comecei a passar largos períodos da minha vida no Sotavento Algarvio há cerca de quinze anos e, quanto mais para cá vinha mais vontade tinha de ficar.
 A descoberta de uma realidade ímpar assoberbou  os meus dias; as mais pequenas coisas espantavam-me e encantavam-me. Ria com gosto das grandes “diferenças” entre quem é de Vila Nova de Cacela ou da Manta Rota; de Castro Marim ou Monte Gordo; das Cevadeiras ou do Barrocal… Se eu perguntasse, em Altura, – “ O Sr. também é daqui?” – a emocionada resposta podia muito bem ser : – “ Não menina! Eu sou de São Bartolomeu!” (como se fosse de outro país!)
Encantei-me com as velhotas que conhecem todas as ervas do campo e criam galinhas  cujos ovos utilizam para fazer bolos em fornos a lenha; galinhas essas que matam, depois, no Entrudo e na Páscoa, para fazer os guisados com que recebem os filhos e netos que foram morar para a cidade. Essas mesmas velhotas, fortes e decididas, que conhecem a vida de todos e dominam ainda artes da cestaria, do dedal e de tantos ofícios prestes a perder-se para sempre.
Vi-me, de repente,  num mundo em que os areais são imponentes e mar manso e quente; num mundo onde se pode sair do trabalho a meio do dia e passar a hora de almoço no mar ou, nos meses de Maio e Junho, ir buscar as crianças à escola e brincar com elas na praia, apanhando à beira mar o repasto do jantar; no mesmo mundo onde o marisco é sempre  fresco e o peixe se pode comprar, ainda agitado, nos barcos que o pescaram…
Foi neste fabuloso entorno que experimentei, pela primeira vez, a sensação de conhecer toda a gente e de toda a gente saber quem sou ( quando se vem da cidade, o processo de habituação a tal facto pode ser algo  moroso e conturbado). Aqui não há desconhecidos: desde o padeiro, às senhoras dos mercados; dos vendedores das tascas aos funcionários públicos que, simpáticos, lá perguntam pelos meninos e como vai o negócio… Neste local tranquilo, (onde os agentes da autoridade nos sorriem porque todos se conhecem e onde os Presidentes das Câmaras não têm mãos suficientes para acenar e cumprimentar todos quantos com eles se cruzam), a vida corre com um pulsar diferente, como se todos fizessem parte de um gigantesco organismo…
A localização perfeita completa o cenário idílico: não estando demasiado afastado das grandes urbes, permite um rápido acesso às grandes cidades e a Espanha, com tudo o que tal proporciona, mas deixa-nos a tranquilidade e a segurança na qual queremos que os nossos filhos cresçam…
Por estes e tantos outros motivos foi  aqui, no Sotavento Algarvio, que senti algo nunca antes sentido: uma sensação de pertença e de raízes, de tal forma plena e forte que, quando me perguntam de onde sou, nada mais posso dizer a não ser: “Sou daqui…”
… Agora sou forasteira, mas na terra onde nasci.
Ana Dias



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