(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.12.11

Very Happy!


Quando era miúda tinha a mania de fazer a lista de decisões de ano novo. Devo ter criado tal hábito depois de ler o “Adrian Mole aos 13 anos e ¾”.    Num caderninho bonito, apontava as dez decisões que me acompanhariam os atos ao longo do ano. Já não me lembro bem mas, na altura, deviam ser coisas como melhorar as notas, lavar sempre os dentes e namorar com o miúdo mais giro da escola.  Com os anos perdi tal costume. No entanto, de cada vez que oiço de novo a contagem decrescente acompanhada de passas e champanhe, não consigo evitar  pensar sobre as coisas que deveria mudar. 
   Quer queiramos quer não, e por mais que se desvalorizem as datas, a entrada de cada novo ciclo de 365 dias e seis horas traz consigo uma oportunidade de virar tudo ao contrário. A passagem de cada ano velho para um outro, novo e cheio de promessas, a par com o nosso aniversário, são as melhores ocasiões para se tomarem decisões verdadeiramente radicais. Daquelas capazes de mudar o curso das nossas vidas para melhor.
  Mas desta vez, tantos anos depois de ter feito a última lista, páro um pouco para pensar e pergunto-me por que razão não diminuímos o ciclo? Por que razão não encaramos cada novo dia como uma folha em branco na qual podemos escolher que estórias ficam escritas? Mesmo que a decisão, ao acordar, seja a mesma dia após dia. Se for a correta não temos como falhar!  E há uma, em particular, que é válida e poderosa, mesmo que repetida incessantemente: “Hoje vou ser feliz. Muito feliz!”
  É verdade que há muitas outras, como “ Hoje vou ser melhor”; “ Hoje vou amar mais”; “Hoje vou-me surpreender”; “ Hoje vou superar-me” ou “ Hoje vou sorrir a toda a gente”. Mas, se pensarmos um pouco, a decisão de hoje ser feliz,  engloba tudo o resto!
 E é então que percebo o porquê de já não fazer a lista que sempre  fazia quando Janeiro chegava.  A idade ensinou-me que as grandes decisões de vida se tomam a cada novo dia. Agora já sei que, como dizia o poeta, “el camino se hace caminando” e que o valor e eficácia de cada decisão está diretamente relacionado com a sua constante renovação.
  É por isso que termino com os sinceros votos de que aprendam a acordar todos os dias com a firme convicção de serem very, very happy!
Ana  Dias

29.12.11

Trabalhar sem trabalhar



 - O que fazias se ganhasses o euromilhões? –
- Que pergunta parva! Fazia a mesma coisa que faço agora! 
    De todas as vezes que já ouvi este tipo de pergunta, nunca houve ninguém que desse este género de resposta. Os planos passam, invariavelmente,  por não fazer mais nada na vida e por comprar, comprar, comprar….
   E isto faz-me lembrar uma frase, atribuída a Confúcio, que no outro dia li : “Escolhe um trabalho que gostes e não terás que trabalhar nem um dia da tua vida.” Ao rever a frase,  não posso evitar perguntar-me quantas pessoas no Mundo trabalharão sem trabalhar… Quantas serão as que podem sustentar-se sem a sensação de estar a vender os seus dias?
   Uma coisa é certa: perguntem a vocês mesmos o que fariam se ganhassem o euromilhões… Se a resposta for “ que pergunta parva, faria exatamente a mesma coisa que faço agora”, é porque fazem parte do grupo de afortunados que trabalha sem trabalhar.
Ana Dias

28.12.11

Aos primeiros acordes


    Sempre que oiço uma música pela primeira vez percebo, logo nos acordes iniciais, se gosto ou não gosto. Há as que ponho imediatamente de parte, há as que merecem que as oiça novamente, e depois há aquelas que me prendem e apaixonam e que insisto em ouvir até à exaustão.
   Aconteceu-me hoje, no carro. Passou uma música que me arrebatou aos primeiros segundos e me deixou a pensar. Será que com as pessoas que conhecemos a regra é a mesma? Haverá as que pomos imediatamente de parte, as que merecem que as conheçamos melhor e as outras,   aquelas nas quais reconhecemos, no primeiro instante, uma profunda e surpreendente empatia?  E será que as que pomos de parte não se revelariam, afinal, uma surpresa? Ou que aquelas com quem nos sentimos logo ligados  são uma fraude?
  Não tenho a resposta. Apenas sei que, sobre  canções, botas ou roupa, sou rápida a perceber se gosto ou não. Quanto às pessoas,  à partida gosto de todas… mas nunca me aconteceu arrebatar-me, no primeiro instante, como me aconteceu hoje com a tal música.
Ana Dias


27.12.11

Matilde


   Quando ela chegou eu percebi logo que havia tempestade. O sorriso, forçado e mal desenhado, não conseguia disfarçar os resquícios de choro que lhe sobravam no olhar.
- Foi ele, não foi?  - Perguntei-lhe,  apreensivo.
- Ó Pedro… Eu não entendo… Estava tudo a correr tão bem. Parecia que ele gostava mesmo de mim. Como pude entender tudo mal?
- Querida, querida, Matilde… - Olhei-a,  com um suspiro, enquanto lhe segurava nas mãos. A nossa amizade é assim. Ela sofre e liga-me. Eu estou feliz e ligo-lhe a ela.
- Não entendo! Só gostava que me explicassem porque é que eu entendo mal os sinais! Começámos este relacionamento tão bem. Ele gostava de mim! Porque é que se afastou? -
- Pára de falar e ouve-me! Tu és linda, Matilde! Maravilhosa, na verdade. Mas tens que aprender uma coisa sobre os homens: há muitos que têm medo de amar. É por isso que acontece muitas vezes isto… Um relacionamento a despontar, tudo a encaixar na perfeição e , de repente… pff, eles desaparecem no espaço! E quase todos os que fogem do amor, fazem-no no exato momento em que percebem que estão na vertigem do momento do não retorno… -
-  Como sabes disso, Pedro? –
- Como poderia não saber? ... Sou um homem…-
Ana Dias

25.12.11

Muita gente e um peru


 - Joãozinho… -
- Hã? –
- … O que é que mais gostas no Natal? – Pergunta-lhe a avó.
- De muitas pessoas à mesa a comer o peru! – A firmeza e prontidão da resposta não deixam a mínima margem para dúvidas.
Acabo de ouvir aquela conversa e percebo que a criatura tem mesmo a quem sair. Uma mesa repleta de comensais, reunidos em ameno convívio,   é algo que encaro como um momento sempre único, irrepetível e maravilhoso. E não posso deixar de me perguntar se não será nossa obrigação, viver cada um desses momentos com a devida solenidade e emoção…
- Mãe… e tu do que mais gostas no Natal? –
- De tudo, amor! De tudo! – Porque não lhe sei ainda explicar que o que mais gostei neste Natal, foi da capacidade que tive para não sentir a falta dos ausentes com tristeza. Senti a falta tanto dos que já não voltam como dos que talvez algum dia voltem, com uma alegria invasora, consciente e invacilável! Porque a ausência só existe quando a lembrança esmorece e o amor desvanece.
Ana Dias

23.12.11

Livre trânsito Natalício


     Qualquer que seja o lado para onde me viro, só oiço e leio “Bom Natal”,  em todas as versões, formatos e cores.  Porquê? Porque estamos na época mágica em que nos é permitido distribuir todo o  carinho e amor  que nos apetecer, por quem bem entendermos, sem que nos considerem tontinhos ou merecedores de internamento!   Estamos naqueles poucos dias do ano em que há uma espécie de livre trânsito para todas as felicitações, abraços e beijos…. Estamos na época em que alguns ódios se suavizam; alguns desentendimentos se  amenizam e  se chega mesmo a praticar o perdão!
   Não vos vou deixar votos de Bom Natal!   Vou deixar-vos a semente do desejo de que a “insanidade” desta época se comece a estender a outras. Não se esqueçam de a regar!!
Ana Dias

22.12.11

Ao domingo…


   Sempre que eu e os meus irmãos estamos juntos, os disparates reinam e as gargalhadas divertidas são uma constante. Não sei se isso acontece por termos o mesmo tipo de humor, que nos faz rir muito mais entre nós do que com estímulos externos, ou se é por pertencermos a um grupo muito restrito a  que mais ninguém poderá, jamais, fazer parte: o grupo de pessoas que sairam da barriga da minha mãe!
     Ora este trio a que pertenço tem peculiaridades tão exclusivas que a sensação de pertença não é comparável a mais nada.  Nesta espécie de clã,  elitista e impenetrável, impera uma regra básica e irrevogável:  a  nossa irmandade ( e os nossos secretos super-poderes de entendimento supremo) é inabalável e eterna.   Se calhar é por isso que, nos dias de festa em  que a casa estava cheia de gente, nos trancávamos a sós na casa de banho para poder dar largas às nossas divertidas tolices.  Talvez seja também por isso que continuamos a conseguir comunicar por dialetos estranhos,  inventados na infância, que mais ninguém percebe… nem mesmo os nossos filhos.  
   E hoje ao almoço, estando os três na presença da minha mãe, comentou-se novamente que todos nascemos ao Domingo.   O meu irmão logo de manhã, a minha irmã à hora de sair da missa e eu… bem, eu cheguei às primeiras horas da madrugada, já a antecipar o gosto pela criatividade noturna. Fiquei a pensar no facto de todos termos chegado à vida em dias dominicais. Terá sido coincidência? Ou terá sido um sinal? Terá sido um presságio de que as nossas vidas decorreriam tão despreocupadas e leves como as tardes de domingo?  Um aviso de preguiça sei muito bem que não foi porque não somos dados a isso. Por agora não tenho mais teorias a formular quanto a este pouco preocupante assunto, mas pode ser que um dia se faça mais luz quanto a isto. O que redescobri, ao escrever esta crónica, foi que duas das prendas mais belas que a vida já me meu, foram-me dadas… ao domingo!
Ana Dias

21.12.11



    Algum de vocês pode dizer que nunca dececionou ninguém?  Não sou, nem serei nunca, dona da razão, mas parece-me que ter a pretensão de passar pela vida sem nunca dececionar ninguém é quase tão impossível como pôr o tal elefante ( ou era um camelo?) a passar pelo buraco da agulha.
   Há sempre momentos em que dececionamos aqueles de quem gostamos ( com quem nos é indiferente parece que a questão nem se coloca, já repararam?).  Há sempre situações em que, por mais que nos estiquemos até ao nosso máximo , não sabemos como não defraudar as expetativas alheias.  É   então que surge aquele sentimento algo amargo que,  por momentos,  nos faz gostar um bocadinho menos de nós.
   Se me perguntassem a opinião ( nunca ninguém pergunta, mas eu dou-a sempre  na mesma!) eu diria para não se preocuparem muito com isso. Respondam apenas a três questões:  
- Deram o melhor de vós?
- Agiram movidos por bons sentimentos?
- Não se dececionaram a vocês mesmos?
  Se as respostas foram sim/sim/não, tenho a leve impressão de que, cedo ou tarde, tudo ficará bem. 
  Quando se é uma pessoa justa e de bons sentimentos, as deceções provocadas aos outros, desde que não nos dececionem a nós, acabam sempre por vir a ser entendidas e, com sorte, perdoadas.
Ana Dias
 

20.12.11

Instintivo


      Não sei quem foi que uma vez me disse que sabemos guiar bem um carro quando o fazemos sem pensar.  Faltas de jeito à parte, sinto-me inclinada a concordar quanto ao facto de não se dominar  a arte da condução  enquanto ainda se pensa como conseguir fazer o ponto de embraiagem. 
O que seria de nós se, de cada vez que nos sentamos ao volante, tivéssemos que nos abstrair de tudo e pensar apenas na próxima mudança a meter ou em levantar gentilmente um pé enquanto pressionamos o pedal com o  outro?     O  que seria de nós se estivéssemos constantemente a pensar em pôr um pé à frente do outro para andar, ou na direção que a  mão tem que levar para conduzir o garfo à boca?
   Será que  quanto mais as nossas ações são comandadas pelo instinto mais perfeitas saem? Será que as decisões são mais acertadas quando as tomamos sem perder muito tempo em pensamentos e pesagens?
   Acho que às vezes pensamos demais e isso impede-nos de viver melhor.  Por isso, da próxima vez que tivermos o impulso de abraçar, beijar ou dizer a alguém o quanto o/a amamos… porque não seguir o instinto?
Ana Dias

19.12.11

Uma caminhada



   Há muitos anos o meu pai viveu uma fase em que decidiu ter mais cuidado com a comida e dar longas caminhadas.  Como levava as decisões muito a sério, era frequequente  (nesse período, pelo menos ) vê-lo a sair para passeios de longa distância.  Houve um dia em que decidi acompanhá-lo, simplesmente para o presentear  com a minha companhia e valorização do seu esforço.
     Hoje passei de carro na estrada em que percorremos, lado  a lado, nove quilómetros. Já não me lembro que conversas tivemos, mas recordo que aquela hora e pouco foi especial. Pai e filha a caminhar juntos.
   E esta lembrança fez-me recordar também  que  não precisamos de estar ao lado de quem amamos para poder caminhar ao seu lado…  O caminho que cada um trilha é individual, mas quase todos nós temos muitas pessoas a andar ao nosso lado, mesmo que não as consigamos ver.   
     … É por isso que me quero esforçar mais por fazer ver a quem amo que estou sempre a caminhar ao seu lado, mesmo quando não estou presente!
Ana Dias

17.12.11

Coincidências

   Há precisamente um ano, mais ou menos por esta hora, aconteceu a primeira apresentação do meu primeiro romance, “Histórias do (A)Mar”.  O momento, ainda que importante na sequência do percurso, passou a existir no antro das minhas memórias, não como um sonho cumprido, mas como uma noite bonita partilhada com quem gosto.
  Hoje  lembrei-me deste aniversário íntimo mas  nem contava partilhá-lo convosco. Não fosse um mail que abri ainda há pouco e a data seria comemorada apenas com um sorriso nos lábios.   Mas, tal como o “Zoia” me chegou pelo correio no meu aniversário, venho a saber  hoje ( exatamente hoje!)  que o minha terceira obra, “Orgasmos da Alma”, tem uma editora  a querer publicá-la…
  Há coisas que, por mais que sejam apenas coincidências, dão um sabor especial à Vida.  Não acham?
Ana Dias
 
 

15.12.11

A festinha

- Mãe!
- what??
- Amanhã vais-me ver a tocar baixo na festa de Natal?
Pimba! Já estava a demorar muito! Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, as temíveis festas de Natal dos putos se iam abater sobre mim. Afinal estamos na época mais temível em que  é impossível escapar às multidões de pais encafuados no auditórios das escolas, a tentar perceber os poemas recitados e as peças de teatro intermináveis nas quais nunca se entendem as falas das pobres criancinhas…
- Claro que vou Tomás!
  E termina por ali a conversa. Porque o que eu só lhe vou dizer em adulto é que jamais lhe cobrarei as noites em branco, as preocupações, as nódoas dos sofás e os milhares de banhos que já lhe dei… mas de todas as festinhas de escola a que tenho tido que ir, vou arranjar maneira de me “vingar”…
Ana Dias

14.12.11

Vai mesmo a olho

   
Chego a casa a tempo de fazer o jantar, depois de dois dias fora. Entre burritos, banhos e um casal amigo que telefona a dizer que está a caminho, oiço uma voz a ecoar cá dentro, num espasmo de  momentânea lembrança.
   A voz é da Isabel, a professora do João, que me disse há dias para levar qualquer coisa para a festa de Natal dos miúdos.
  Tinha pensado passar pelo supermercado ou por alguma pastelaria e resolver o problema, como quase sempre faço. Mas algo em mim  quis surpreender-me: “ Ana, tu consegues! O João está de molho na banheira e a Miriam só chega daqui a cinco minutos… Vá, começa!”
  Espeto com um bom bocado de farinha num alguidar. Junto açucar, leite e dois ovos das simpáticas galinhas da quinta. Vai tudo a olho! Misturo bem com um garfo,  que as batedeiras dão muito trabalho a lavar e raramente lhes encontro as pás. Por fim,  uma lata de leite condensado cozido e pedacinhos de amêndoa.
  Quando eles batem à porta já eu untei o tabuleiro e pus a massa no forno. Nem sequer há  dificuldades na temperatura. Vai a 180 graus que, em caso de dúvida, no meio é que está a virtude!
  É claro que a quantidade de quadradinhos de bolo que coloco na lata de metal, para o joão levar para a festinha,  é bastante inferior à que saiu do forno… mas o certo é que,  em mim, aumentou a quantidade da certeza que aquilo que se faz a olho (e na busca incessante de nos tornarmos super pessoas) sai sempre com um sabor delicioso. É que não falha!!
Ana Dias
 
 

12.12.11

Pobres homens…



O mundo é injusto para com os homens. E hoje levanto a minha voz em sua defesa!
 Tudo porque ontem, ao ligar, incauta, a tv, vejo um relato exaustivo sobre um qualquer governador dos E.U.A. a ser tratado como um criminoso, a retratar-se em público e, finalmente, a demitir-se do cargo.  Pensava eu que o dito senhor tinha assassinado alguém ou, do mal o menos,  se tinha “afiambrado” a dinheiros  alheios, quando percebo que afinal tudo o que fez foi contratar os serviços de uma acompanhante de luxo.
   Ora pensem lá comigo: num país onde quase toda a gente tem armas de fogo, onde se cometem crimes horríveis a torto e a direito e onde a violência é uma constante em grande parte das produções televisivas e cinematográficas, com que direito é que vêm apedrejar o senhor por ter feito o que fez? Desde que o dinheiro gasto não tenha sido o dos contribuintes parece-me que o assunto deveria ser entre ele e a sua senhora! 
  O burburinho que oiço dentro dos vossos cérebros está-me a falar de valores… Como pode um titular de um cargo de responsabilidade dar um bom exemplo à sociedade ao corromper os bons costumes e a moral, não é?  Pois é, meus caros, mas há questões que estão na consciência de cada um e, em bom abono dos factos, sou da opinião que as senhoras que ganham a vida com tal ocupação são merecedoras de todo o respeito e consideração. Prestam um serviço de valor inestimável para o bom funcionamento da sociedade. Quanto aos homens que procuram os seus serviços, por favor, deixem-nos em paz! Apenas o fazem para suprir carências de uma forma eficiente e, na maior parte das vezes, por motivos completamente justificáveis.
  Por isso termino com três pensamentos. Os homens não se deveriam recriminar entre si pois quem nunca o fez não está livre de o vir a fazer. As mulheres não deveriam recriminar os homens que usam tais serviços pois se o utilizam deve ser por sentirem lacunas que elas próprias não preenchem. O que deve, sim, ser exorcisado é a hipocrisia de haver tantos verdadeiros criminosos no poder. E  se aquele governador se demitiu, estes, proporcionalmente, talvez devessem cometer suicídio!
Ana Dias

11.12.11

O macaco e o pato

    Quando uma pessoa é bastante inocente e ingénua, é frequente ser apelidado  de “patinho”. Por outro lado, aos espertalhões, é costume colar-lhes o cognome de “macacos”.
E hoje ocorreu-me a questão: o  que será melhor? Ser-se “patinho” ou “macaco”? Acredito que os “patinhos” sejam tendencialmente sempre “patinhos” , o mesmo  se podendo dizer dos “macacos”.   Mas afinal quem é que se sai melhor? Os “macacos”  que,  com a sua esperteza,   conseguem os seus intentos, ou os “patinhos”, que vão navegando nos perigosos lagos da vida sem muitas vezes se aperceberem,  sequer,  que o perigo se encontra à espreita?
  Será que ao longo da vida os “patinhos” vão perdendo a inocência e se tornam “macacos”? E quantos são os patinhos com que nos cruzamos que nada mais são que macacos disfarçados?
Eu gostaria de poder dizer, como nos finais felizes das comédias românticas americanas,  que a inocência de se ser “patinho” acaba por compensar sempre…. mas acho que já tenho idade para perceber que o melhor mesmo é preservar a essência de “patinho”, mas aprender a agir à “macaco”…
Ana Dias
  

7.12.11

A gaveta


   Ontem falei com uma pessoa que me confessou  já ter rejeitado  alguns desafios. Não os aceitou, embora se sentisse aliciada, por um dos motivos que mais nos assola: o medo.
  Disse-me que não gostaria que esses projetos acabassem na gaveta. Sei que, no fim da conversa, eu lhe disse: - Experimenta escrever como se só tu existisses no Mundo; escreve para a tua alma e aposto que ela se vai surpreender com o que tens para lhe dizer…-
  E hoje esta crónica é para ti, pessoa de olhar meigo com quem ontem falei! É para ti e para todos os que ainda precisam de perceber que não há mal nenhum em deixar coisas na gaveta. Porque o simples facto de termos coisas na gaveta já implica a imensidão da conquista de as termos feito. Pode ser arte em qualquer das suas formas, pode ser caridade, pode ser qualquer coisa que tenhamos feito sem que ninguém tenha visto. Mas foi feito! E tem todo o valor que teve,  para nós, ao fazê-lo!
  Por isso, pessoa do olhar meigo, te digo: não temas o julgamento da tua obra. Diverte-te e completa-te ao criá-la e, mesmo que fique na gaveta, verás como te enobrece e enriquece. Porque todos temos, na nossa gaveta, feitos que nunca chegam a ver o sol.     E porque, às vezes, chega o dia em que as coisas voam para fora da gaveta e nos brindam com as mais agradáveis surpresas…
Ana Dias
  
 

6.12.11

Supera-te

- Não te vou dar isso nos anos… estás louca?
- Vá lá, vá lá!! E nem sequer é assim tão caro!!
- Óh pá, ganha juízo que já tens idade…
- Não! Quero fazê-lo e vou fazê-lo!
   A discussão de mim comigo surge logo após a visita a um site de Kitesurf. Ando há uns tempos tentada e  acho que está na hora. Mas,  enquanto a Ana teenager vai discutindo com a Ana adulta ( coitada, que perde quase sempre nestas coisas ) não consigo impedir-me de pensar se o quero fazer por mim, ou para afirmar alguma coisa aos outros. Tenho que confessar que é muito giro ver a cara dos amiguinhos dos meus filhos quando vêem a “cota” a fazer street surf ou outras coisas que as mães deles não fazem. E não me atrevo a negar  que o estilo de se fazer desportos radicais não seja um elemento aliciante. Mas não é por isso que gosto de descer montanhas cada vez mais inclinadas com os skis enfiados nos pés. Não é por isso que viajo sozinha para países distantes! Não é por isso que me atrevo em ondas grandes ou tomo banho na praia à noite sozinha! E também não é por isso que me proponho a  escrever um romance em menos de um mês, letras de música em cinco minutos ou criar uma revista online sem qualquer experiência na área! Não! Definitivamente não o que faço  para demonstrar aos outros que consigo. Faço-o para me superar. Para me sentir inteira, completa,  realizada, feliz.  Faço coisas que as pessoas que eu conheço não fazem, sejam homens ou mulheres. E sinto-me muito grata  por ter a capacidade de me propôr a isso. Porque não páro de me surpreender comigo… ao superar-me em cada nova “loucura”.
E, como me arrogo à função de vos instigar e inspirar, deixo-vos a questão: o que vos falta fazer? Porque não começarem ( ou retomarem)? Mas que seja por vós e não pelos outros!
Ana Dias

5.12.11

O Momento

   Volta e meia leio em qualquer lugar que não devemos ficar à espera do momento perfeito, devemos sim “pegar” no momento e torná-lo perfeito. E então penso: “ olha, olha… a quererem ensinar o pai nosso ao vigário!”
   É tão frequente sermos confrontados com clichés como o “carpe diem” ; “ a vida é demasiado curta” ; “temos que olhar para o copo meio cheio” ou “ tudo o que importa é o amor”. E, claro, são conceitos que já estão tão entranhados em nós que já  nem lhes dedicamos um segundo pensamento. Aposto que também vocês ficam,  por vezes,  enjoados com a quantidade de chavões de sabedoria com que são cilindrados constantemente. Não é para menos.
  Mas será que não há uma razão de ser para isso acontecer? Afinal há coisas que nunca é demais lembrar. Porque a verdade é que, apesar de as sabermos bem, na prática estamos sempre a esquecer!
  Fica o desafio: hoje, ao  final do dia, contem quantas vezes se lembraram de tornar algum momento perfeito…
Ana Dias
  

3.12.11

Quando o gás acaba


   Conhecem a sensação de quando o gás acaba? Num minuto estamos quentinhos e consolados e no outro estamos enregelados e com os olhos a arder, barradinhos de shampoo e gel de banho. Em duas palavras : é tramado! Mas, com ajuda de algum familiar ou envoltos no roupão de banho, a situação lá se resolve e, com sorte, completamos o banho e voltamos a ficar quentinhos e satisfeitos.
   E conhecem a sensação de quando o gás se acaba em nós? Aqueles dias / momentos / épocas  em que, sem percebermos porquê, parece que a força motriz que nos fazia avançar  se esgotou?  Com o gás que aquece a água, tudo é mais simples. Em muitos casos, como com o gás canalizado,  ele já nem chega a acabar e, mesmo para quem usa botijas, é só ir comprar mais. Mas o nosso gás interior de onde vem?  ( Por favor,  brincar com a fermentação dos alimentos  não vale, ok? Isto é um assunto sério!)  Que fazer quando a apatia se instala?  Parar os motores e aceitar a inércia de braços abertos? Continuar, mas em piloto automático? Ou partir na descoberta do que nos move??
   É que sabem… o esvaziar dos nossos tanques pode ser o momento certo para percebermos que estamos a mover-nos com o combustivel errado….
Ana Dias



2.12.11

Silêncio

- Tomás! Já viste as horas? Vai para a cama que amanhã é dia de escola!!-
Ele olha para mim muito sério. Sustenta-me o olhar e, usando toda a seriedade que costuma pôr nas suas frases mais cómicas, responde:
- Mãe… quando te calas dizes coisas maravilhosas!-
Não estava a ver aquilo a chegar e só após alguns segundos é que irrompo em gargalhadas. Pergunto-me onde terá ouvido aquilo. Ou talvez seja, criação sua, não sei.
Acaba por admitir que já são horas, dá-me um beijo e vai para a cama. E deixa-me  a pensar que, muitas vezes, é mesmo no silêncio que as coisas mais maravilhosas  se dizem…
Ana Dias  

30.11.11

A tática

  Hoje vou falar de futebol! Garanto-vos que consigo imaginar  as gargalhadas de quem me conhece, ao ler esta primeira frase. Para quem nunca sabe se os jogos são para a Taça, para a Liga ou para o Campeonato do Mundo ( saber que estas coisas existem é um mínimo de que ninguém deve abdicar…), esta pretensão de escrita pode revelar-se arriscada.  Mas como ontem escrevi sobre política, já tudo espero de mim!
  Então vamos lá, sócios… mas não riam muito alto que estou concentradíssima.
Demorei um pouco entre a última linha e esta porque tive que ir consultar o senhor Fernando, aqui do café, que me explicou que os jogadores são onze ( é o que eu pensava! ) e que o guarda-redes normalmente não entra na contagem dos esquemas do 4-4-2  ;   4-3-3  ; 5-4-1  ;  4-1-4-1, etc. Não é preciso ser muito entendida para perceber de imediato que quanto maior for o número inicial (o que está logo depois do guarda-redes) mais o jogo é defensivo e vice-versa.  E é neste momento que começo a voltar à minha zona de conforto e a escrever sobre a vida.
   Afinal como é que eu jogo? Qual é a minha tática? Será que uso,  sequer, o  guarda-redes e alguns defesas? Ou entro com tudo ao ataque? É neste ponto que se torna claro o porquê de existirem vários campeonatos e taças. Vamos supor que o campeonato nacional é a nossa tática familiar; que a liga dos campeões se refere às nossas conquistas pessoais e o campeonato do Mundo é a nossa vida em geral. Quais são as minhas táticas? Quais são as vossas táticas? Estaremos a usar a melhor? E qual é o nosso prémio de jogo? Jogamos para atingir o quê? Fama? Glória? Riqueza? Felicidade? Sabedoria? Realização?
  Eu jogo para evoluir! Jogo para tentar descobrir tudo o que o meu ser encerra! Jogo para me emocionar e para fazer nascer emoções… E não preciso de pensar muito para perceber que a tática que uso é sempre a mesma… 11! Tudo ao ataque, guarda-redes incluído!
  É verdade que a baliza me fica desprotegida e que, volta e meia, sofro golos, mas com onze ao ataque costumo ser demolidora e ganhar todas as taças, campeonatos e afins! Por isso, e como em equipa vencedora não se deve mexer, vou seguir com esta tática insana… Se começar a perder logo aceito as novas fórmulas do meu treinador interior!
Ana Dias
   
 
  

29.11.11

Um acto de fé…


   Não sei como ainda não se lembraram do óbvio: cada novo bebé  deveria contribuir com cinquenta mil euros para a nação!  Ou melhor, só teria direito a cá nascer se trouxesse logo, do útero materno, dois lingotes de ouro para entregar nos cofres do Estado.   E já agora porque não outras medidas, como exigir aos estrangeiros o pagamento de cinco ou seis mil euros para cá virem passar uns dias a levar com o sol na cara e a tirar fotografias ao mosteiro dos Jerónimos?
  Além do mais, por cada gargalhada devia ser combrada a taxa da alegria e por cada ida à casa de banho, uma contribuição por uso de papel higiénico. Quem sabe até,  fosse viável o I. R., o imposto sobre a respiração…
  Não é meu costume escrever crónicas “ de intervenção”. Gosto de me manter, observadora, a trilhar o meu caminho e a viver metida comigo e com os meus assuntos de alma e coração… mas a vontade hoje falou mais alto.
   Encontramo-nos numa situação em que já não vale  a pena procurar culpados, nem fazer greves e manifestações ou armar outras confusões.  O estado arrasado da economia não deve ter um efeito arrasador  nas vidas das gentes. Deve sim ser encarado como uma oportunidade única para ponderar (pelo menos ponderar) como tudo se poderia começar a alterar. Quantos de vós já se deram conta de que a estrutura estadual é exorbitantemente gigantesca?  Andam milhares e milhares a desgovernar os poucos milhões que somos,  neste Portugal que merecia a oportunidade de manter a casta e a nobreza que na sua essência tem.  Já pararam para pensar que a função do ser “Estado” é gerir e providenciar? É provir previdentemente!  Como se de grupo exclusivo se tratasse, cada cidadão, para poder a ele pertencer e lá “brincar”, tem deveres e correspondentes direitos. E os dirigentes desse grupo devem ter por principal bandeira, os interesses dos membros e não os seus… 
  Desculpem-me todos os políticos por não acreditar em vocês. Sei que há ( tem que haver !) alguns que ainda sentem a Missão a guiar-lhes o caminho. Mas sei também  que é quase impossível não sucumbir  ao podre modus operandi da maquinaria pesada. 
  Assim, neste período negro, tomo duas atitudes: trabalho ainda mais apaixonadamente e uno a minha fé a quem, como eu, queira acreditar que ainda haja hipótese de alguns dirigentes perceberem qual é a sua verdadeira função….
Ana Dias

28.11.11

Viver no Paraíso


  Um anjo chega até mim e pergunta: - Então? Não vamos tomar café? –
  Tenho andado constipada e, contra o que é meu costume, muito amiga do sofá e do comando da tv…
- Queres mesmo ir, não é? – Pergunto.
  E a minha mãe, que também é de irrequieta efervescência,  responde que sair um pouco me vai fazer muito bem.
  Sentamo-nos na esplanada do  “Sem Espinhas”, na praia da Retur, e pedimos os cafés. O dia brilha quase tanto como o mar que,   debaixo do sol de  Outono, reflete  uma inacreditável auto-estrada espelhada.
  Tudo é perfeito. Absolutamente tudo menos o meu nariz que insiste em pingar.  O café sabe melhor a ouvir o chill out  e a deixar-me abraçar por aquela envolvência celeste.
- Achas que alguém sabe que o paraíso é aqui? – Pergunto à minha mãe.
- Desde que tu saibas talvez os outros já não demorem muito a descobrir….-
Ana Dias

25.11.11

O prejuízo

- Mãe, eu dou-te prejuízo?-
Por sorte não ia na zona das curvas porque olhei para trás com os olhos completamente esbugalhados.  Percebi que a pergunta se prendia com o facto de lhe ter acabado de dar a semanada com a qual compra as senhas de almoço dele, do irmão, e mais um ou outro pequeno prazer.
- Claro que não dás, meu anjo! Que ideia foi essa agora? -
- É que vocês estão sempre a gastar dinheiro comigo e com o João… -
- Meu amor, um filho nunca, nunca, nunca é um prejuízo!
Numa fração de segundo veio-me à memória ter ouvido dizer que um filho custa, em média, cento e muitos mil euros até se fazer à vida…
- Eu explico Tomás: da mesma maneira que os meus pais e os pais do teu pai nos proporcionaram tudo o que puderam até nós termos capacidade para nos sustentarmos, também nós faremos o mesmo por ti e pelo teu irmão. E, quando a vossa vez chegar, também vocês o farão pelos vossos filhos, mas não é prejuízo, é uma espécie de investimento maravilhoso.
- Eu vou ter que dar dinheiro aos meus filhos?? – questionou o João com voz de quem não gostava muito do que estava a ouvir.
- Meu Deus isto não me está a acontecer às oito da manhã de segunda feira… - Pensei.
E, enquanto os meus filhos alvitravam entre si,  no banco de trás,  sobre os nomes que dariam aos seus filhos ( segundo ouvi parece que cada um está determinado a ter um casalinho), eu fiquei a sorrir… e a desejar apenas que o dinheiro que venha a criar os meus netos seja fruto de trabalhos que lhes dêm  tanta paixão e prazer como os meus me dão a mim.
Ana Dias

24.11.11

My name is Bond…

    Quem não adora o James Bond? A “personificação” do estilo, autoconfiança e adrenalina é, desde há decadas, invejado por homens e desejado por mulheres. Não importando muito que ator o representa, a criação de Ian Fleming tem gerado milhões em bilheteiras e publicidade.
   Marcas como a BMW, Visa, L’Oreal, Ericsson, Avis ou Omega, já gastaram muito por alguns segundos de exposição às mãos da deliciosa personagem, sempre com resultados excelentes. Mas nem sempre se paga para aparecer. Há coisas que valem por si e, tarde ou cedo, são lembradas. É o caso da revista para amantes da leitura, a “Literary Review”, que aparecerá no próximo filme em cima de uma qualquer secretária do apartamento da M.  Segundo li no “The Mail on Sunday”, a revista foi contactada há certa de três semanas para autorizar tal protagonismo, integralmente oferecido.
  Pode ter sido uma notícia muito pouco importante e relativa a algo muito subtil, mas deixou-me feliz. Vejo o caso como se cinema e literatura fossem “irmãos” na criatividade e arte de fazer sonhar, em que o mais mediático estende a mão ao outro… para bem da humanidade. Fiquei feliz porque é no meio de inegáveis subtilezas que se exponencia a nossa capacidade de crescer.
Ana Dias

23.11.11

Joaquina


Todos estavam atarefados no castelo. Era dia de festa. Bobos saltitavam, coloridos, animando o povo, enquanto nobres guerreiros demostravam as suas artes de guerra para mero entretenimento dos visitantes. Cheirava a carne grelhada e cevada naquele entardecer do fim do Verão. Estavamos numa das primeiras edições dos Dias Medievais de Castro Marim.
   Uma criança parou perto de alguns burros que transportam outras crianças em pequenos passeios. A criança levantou a mão e, com um à vontade surpreendente, fez festas no pacífico animal.
 - Mãe! Também quero andar… - Eu já sabia que o Tomás não faria uma birra. Nunca foi miúdo de birras. Olhei para a fila de crianças que esperavam a sua vez para o curioso passeio e respondi-lhe:
- Olha amor, estão muitos meninos à frente…-
- Mas mãe… Eu quero mesmo andar!”
- Não,  Tomás! Andas depois, em casa.  – Assim que disse estas palavras, reparei no ar espantado de algumas mães que estavam próximas.
- Adeus Joaquina! Até depois. – Disse o Tomás, dando-lhe mais um par de festas. A burra, que de burra pouco tinha, deu-lhe um sinal cúmplice de entendimento e continuou com o único trabalho que tinha, apenas quatro dias por ano.
   A Joaquina foi oferecida ao Tomás,  pelos avós paternos, por altura do seu batizado. Vivia lá na quinta na existência mais idílica que uma burra poderia desejar. Não fossem algumas pontuais altercações com as irascíveis éguas e a sua vida teria sido um conto de fadas! Havia algo naquele animal que fazia com que fosse fácil amá-lo. Lembro-me, por exemplo, que era frequente o meu pai, após perguntar ao telefone por toda a família,  querer saber também se a Joaquina estava boa!
- Manda-lhe cumprimentos meus. – Dizia-me ele em jeito de brincadeira, mas com um inegável carinho na voz.
Também recordo como ele, quando nos visitava, subtraía belas frutas à fruteira lá de casa para depois se esgueirar, sorrateiro, e ir mimar a sua amiga de quatro patas e olhar meigo.
   Lembro-me de tudo isto porque há coisas boas de lembrar. Memórias doces de momentos passados a que, por sorte, tivemos a sabedoria de dar todo o valor.
Ana Dias
  
 
 

22.11.11

Trilogia

    Assim que me sentei os meus olhos colaram-se às palavras que brotavam da placa na parede:  “Existem três tipos de homem. Os vivos. Os mortos. E os que andam no mar.”  Indaguei de quem seria e foi-me dito que era atribuída a Platão.
- Hum… Não conhecia… - Disse eu, ainda encantada.
O dono do restaurante perguntou:  - Quem? Paltão? –
- Credo, não! Apenas não conhecia esta frase dele.-
- Procurei na net. Queria homenagear os homens do mar…-
   Fazia todo o sentido. Afinal o restaurante servia trinta pratos diferentes de polvo. Voltei a “namorar” as palavras. Os vivos, os mortos e os que desafiam a morte como modo de vida. E foi então que percebi que, para mim, também há três tipos de Homem: os vivos, os mortos… e os que desafiam a vida!
Ana Dias


21.11.11

Os esquilos

   O João entra no British Museum e fica espantado com as pessoas que lá estão, espalhadas pelo chão, de bloco de desenho na mão a registar com o seu cunho pessoal os artefactos expostos. Não se exalta com a beleza e importância do local e de todo o seu espólio: apenas lhe importa ter, também ele, um bloco de folhas brancas e um pedaço de carvão, para poder dar rédea solta à sua forma de ver o mundo.  Depressa percebemos que o melhor é arranjar-lhe papel e lápis. E, sem saber muito bem como, acabo por demorar por ali muito mais do que contava, deliciada a ver o meu filho de seis anos empolgado a desenhar tudo a que consegue deitar o olho.
  Viajar é isto. Ser surpreendido pelo inesperado e encontrar o encanto em pequenos “nadas” que nos invadem a cada nova esquina. Viajar é ver o que se planeou e é ler as entrelinhas, espreitar os sinais, viver o momento. Viajar é encantar quem se leva na “bagagem” e ser encantado pela sua companhia feita de espanto e cansaço. É regressar mais rico e encontar mais riqueza no ponto de partida.
  Perguntei aos meus filhos qual foi o momento de que mais gostaram e, depois de todo o esforço e investimento, percebo que foi algo tão simples como os esquilos que habitam os jardins do palácio de Buckingham… E é nesse momento que percebo que, para mim, o ponto alto foi o reencontro de um velho amigo com quem há tanto tempo não estava… e as gargalhadas que demos enquanto mostravamos Londres aos miúdos.
As viagens são isso mesmo: surpresas que se fotografam, acima de tudo, com a memória.
Ana Dias

15.11.11

O contador de estórias


  O ancião entrega o seu colar a um jovem. Ao mesmo tenho que lhe coloca o simbólico objeto ao pescoço, investe-o também com a missão que toda a vida teve. Contar estórias que fazem parte da história da tribo. Para que o legado não se perca. Para que as mensagens ancestrais continuem a passar de geração em geração.
  Ao testemunhar este momento, num qualquer programa de antropologia  que passa nos bons canais que a tv paga tem, sou atingida por uma revelação que me enche de um forte sentimento de solenidade. Os contadores de estórias são importantes. Da mesma forma que existem pessoas que fazem pão para alimentar os corpos, outras há que, transmitindo estórias e mensagens, alimentam as almas. Ocorre-me o pensamento, talvez fantástico e sonhador, de ser uma dessas pessoas. De ter por missão contar histórias, transmitir mensagens, alimentar almas… Se assim for, que privilégio representará para mim tal missão! E talvez assim seja porque, afinal, de tudo o que faço, contar estórias é a coisa que sinto ser mais importante.
  Foi ontem à noite que vi o ancião passar o seu colar e a sua função ao homem mais jovem. E que propositada imagem para iniciar a mensagem que hoje vos pretendia deixar: um pedido de desculpas pela ausência dos próximos dias. Espero que sintam a falta das palavras que todos os dias vos escrevo… Na verdade ficaria muito feliz se lhes sentissem a falta! Mas os verdadeiros contadores de estórias são como caçadores nómadas, movendo-se incessantemente no Mundo, de olhos bem abertos e com os sentidos bem apurados para melhor conseguirem “caçar” as estórias com que depois alimentam as almas.
  É por isso que agora me vou, na promessa de regressar,  daqui a alguns dias, com mais uma prolixa “caçada” que, feliz,   partilharei convosco.
Um abraço já saudoso,
Ana Dias
    
 

14.11.11

Muitos anos depois


  Ela continua linda. Ele, como todos os homens, melhorou com os anos. Não é que não se vejam há muito tempo pois as reuniões familiares voltam a juntá-los todos os anos. Conversam um pouco sobre as suas vidas. Riem. Riem muito, na verdade. Circulam entre todos os outros convivas que também se divertem com estórias que saltam do passado para o presente, contadas com a naturalidade de quem sabe que a vida é feita de etapas. É frequente passarem muito tempo sem se verem e até sem se falarem, mas a sabedoria que possuem faz com que se mantenham amigos. Sabem que o amor ficou lá atrás, gasto até ao final no decorrer do tempo que há tanto tempo passou. Mas conhecem-se bem. Por isso sabem rir juntos.  Afinal partilharam a vida durante alguns anos e deixaram um legado comum. Sabem que, para o bem e para o mal, o outro está lá, ao longe mas presente,  para algum conselho ou palavra de apoio.  Sabem conviver tão bem quanto podem conviver um homem e uma mulher depois de passada a tensão do amor.
  E então, enquanto o seu neto sopra as velas do terceiro aniversário, eu abro-me num sorriso… o miúdo tem uns avós que se dão mesmo bem!
Ana Dias

12.11.11

Não quero

Não quero juntar riquezas
Nem viver de glória e fama
Só pretendo ter-me inteiro  
Saber amar quem me ama

Não vou galgar continentes
Nem coleccionar países
Só pretendo ver o ocaso
Longe das minhas raízes

Não quero a imensa mansão  
Não é esse o meu destino
Mas quero poder dar a mão
Falar e ser entendido

Não ambiciono o poder
Fujo dele na verdade
Nada me dá mais prazer
 Que o manto da liberdade

Ser um rei não é p’ra mim
Desisto da minha coroa
Eu só quero estar em mim
Nesta alma que em mim voa

Não quero dar o meu nome
 A qualquer grande avenida
Só me importa que o saiba
 Quem entrou na minha vida

Eu não vou ter biografias
 Entrar em livros de história
Basta-me ficar para sempre
 Vivo na tua memória
Ana Dias

11.11.11

O tempero

- E como quer que lhe prepare a carne, menina?-
- Olhe.. Não sei. – Respondi.
- Mas como é que a vai cozinhar?- Insistiu a senhora do talho, enquanto eu tentava controlar o Tomás, então com cinco anos, tendo o João ao meu colo.
- Pois… eu não cozinho.
   Apesar deste episódio se ter passado há uns bons anos, ainda me lembro bem da cara de pasmo da dita senhora,  que olhava alternadamente para mim e para as minhas rechonchudas crias, tentando perceber como raios  conseguia eu manter uma família sem cozinhar.
  Mas tudo tem o seu tempo e, se durante muitos anos eu pensei que jamais iria cozinhar, (porque não gostava ou não sabia) a vida veio a surpreender-me com o prazer desta atividade tão complexa e desafiante. Considero que, para cozinhar bem, é preciso inteligência,  vontade e instinto (requisitos que são imprescindíveis para qualquer coisa que se queira fazer bem).
  Mas, voltando à cozinha e ao fogão,  há algo mais que determina se o resultado final é um reduntante sucesso ou um tremendo fracasso: o tempero! Quando descobrimos as potencialidades do tempero e de tudo o que ele pode fazer pelas nossas criações, percebemos como é fácil garantir a presença de qualidades apetecíveis em tudo o  que confeccionamos. E, apesar das cestas repletas de especiarias, eu sei muito bem que o tempero secreto que garante o sabor das comidas que preparo é… a música! Poderá parecer estranho mas, pelo menos no meu caso, cozinhar a ouvir música faz realmente toda a diferença. E isto leva-me a pensar: já encontraram o vosso tempero para a vida?
Ana Dias
    

10.11.11

O único problema do Homem…

    
O único problema do Homem é teimar em esquecer-se que tem prazo de validade.  Parece-me bastante óbvio que,  se chegassemos à vida como os iogurtes, com o limite do prazo gravado na tampa, o Mundo seria um lugar bem diferente.  E nem era preciso saber a data exata do perecimento, bastava a consciência plena da sua vindoura ocorrência.
  Confesso que as epifanias de pessoas que passaram por grandes provações e descobriram o intrínseco  valor da vida, já não me comovem nem inspiram.  Na verdade só vêm corroborar a teoria do óbvio fim, segundo a qual o conhecimento da existência de algo tão irrefutável  e imperativo como a  morte deveria ser  o maior aliado para uma vida boa e recheada de sentido.
  É bem provável que, ao fim de apenas dois parágrafos, estejam a lamentar este sórdido tema e a ponderar seriamente interromper, por aqui, a leitura. A escolha é vossa… talvez não percam nada …  ou talvez estejam  a deixar passar uma oportunidade única…   Mas decidam vocês próprios se vão ou não enfrentar este touro  pelos cornos!
  É tão simples quanto isto: não existe vida sem haver morte e não há morte sem ter havido vida.  Mas como é que a consciência do fim nos pode dar sentido à existência?  Comecemos por um exemplo muito prático e simples: imaginem que a vossa vida era um longo e interminável período de férias sem data certa para regressar ao trabalho.  Tinham a vaga ideia que o dia do fim das féria eventualmente chegaria, mas nunca acreditavam que vos acontecesse a vocês… pelo menos não tão cedo…  E então, como as férias eram tidas como garantidas e intermináveis, perdiam todo o sabor: não eram vividas com a alegria absoluta nem com a energia devida;  ficavam sempre visitas e programas por fazer porque as férias iriam durar para sempre e haveria tempo para isso mais à frente; não iriam saborear aquele banho de mar  que, por inércia,  não dariam; não leriam todos os livros que a vossa sede impunha; não fariam aquele jantar para todos os amigos e familiares,   com velas e à luz da lua; não iriam ver o amigo que estava na estância balnear ao lado da vossa; não beberiam um elaborado cocktail ao pôr do sol  na companhia do vosso amor … Não fariam nada disto  simplesmente porque  haveria muito tempo até ao dia em que as férias acabariam,  por mais que, no fundo, soubessem que elas não podiam durar para sempre!
     A nossa vida são essas férias, sabem??!!  E um dia vamos  ser  “chamados para nos apresentarmos ao serviço” e não gozámos as férias!! Podemos até chegar à conclusão que não aproveitámos um dia sequer! Podemos ter ainda um laivo de consciência e perceber que deixamos passar todas as oportunidades, mas as férias chegaram, impreterivelmente, ao fim!
  E como podemos inverter esta devastadora tendência para esquecer o óbvio, que nos corre nas veias desde tempos ancestrais?  Que mecanismos existem para nos lembrar que a vida é limitada no tempo e que, até prova em contrário, é só com esta que podemos,  sem dúvida,  contar?   
    Há uma solução tremendamente simples: estabeleçam um fim imaginário para as férias da vida… Seis meses, um ano, dois anos… não importa. Imaginem apenas que têm  uma data marcada para o fim. Que lista farão de coisas a fazer? Quais serão as vossas prioridades?  Vão beijar e abraçar todos os dias as pessoas que amam? Vão perdoar ofensas e perceber que as raivinhas e ódios não valem, de todo, a pena?  Vão visitar os amigos que há tanto tempo não vêem? Vão pintar o tal quadro, escrever o tal livro, fazer a tal escultura ou canção? Vão finalmente tornar a vossa casa num caos de cor, amor e incenso? Vão fazer aquela viagem sozinhos? Vão enfrentar os vossos maiores medos? Vão dançar à chuva, dormir ao relento, cantar ao vento?  Vão saber viver o momento, apreciar a paisagem, ver o lado bom?  Vão conseguir fazer figura de parvos, ser tidos por loucos, rir à gargalhada? Vão aprender que é tão bom dar como é receber?
  Dêm-se ao trabalho de estabelecer este imaginário fim das vossas vidas e levem-no a sério. Comportem-se de acordo com o prazo que a vida, inexoravelmente, tem.  Não esperem por uma desgraça para que a epifania se dê!  Não esperem por ver a morte de frente para aprender a viver a vida bem! Podem já não ir a tempo!  
   E se fizerem esta experiência de forma dedicada, séria e consciente, verão que, quando o prazo fictício se esgotar, já aprenderam a viver de acordo com o que a vida realmente deve ser: viva, acordada, sentida, surpreendente, avassaladora  e plena.
  Experimentem… antes que as férias acabem.
Por agora, a todos os que tiveram a coragem de chegar ao fim deste texto, apenas me resta congratular-vos pela ousadia, pois tenho a certeza que, ao fechar a revista, vão pegar numa folha e começar a rabiscar uma interessante e arrojada lista que vos fará embarcar na mais proveitosa viagem que alguma vez fizeram…
Ana Dias