(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

17.3.13

Found in translation

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Perdemo-nos muitas vezes na tradução verbal daquilo pensamos. Mais ou menos frequentemente, o sentido do que queremos transmitir, altera-se ao ser plasmado em palavras.
Mas também acontece o oposto. Também acontece aquela alquimia de entendermos exatamente o que pensamos e sentimos ao proceder a verbalizações coerentes e ponderadas.
Imaginem que têm que falar com alguém que não conhece a vossa língua, com alguém cujo vocabulário vocês também não dominam. Imaginem que usam então mais duas ou três línguas comuns às duas partes e, quando a comunicação falha em alguma delas, podem sempre recorrer às outras. A troca que, à partida, podia parecer impossível, torna-se mais rica e proveitosa.
Ora se isto é possível em línguas estrangeiras, porque não possibilitá-lo também na nossa língua mãe? É que as palavras são tantas e tão belas que cada mais me convenço que é impossível não nos encontrarmos na tradução.

Ana Amorim Dias

Ingrediente mágico

Pináculo da biscoitice

Comecei a fazê-los mais ou menos há três meses. Todas as semanas a mesma receita, repetida pacientemente até encher uma gigantesca lata que acaba sempre vazia.
Mas há dias, enquanto me deliciava com o saboroso paladar e crocantes sensações, acabei por dizer alto:
- Hum... cheguei ao pináculo da biscoitice!-
O Ricardo riu-se enquanto se atirava também à ainda anafada lata.
Nesse momento pensei que a repetição acaba por conduzir à perfeição. Mas depressa abandonei a teoria. Nada pode estar mais longe da verdade. A repetição dá segurança e até pode potenciar a perfeição, mas não é determinante. Os ingredientes que conduzem à perfeição do que quer que estejamos a fazer, são a alegria e o entusiasmo. Os componentes mágicos de qualquer receita, culinária ou não, são o prazer, a paixão, o amor! Tenho a certeza disto.
Não há como negar: as últimas fornadas dos meus biscoitos de avelã e sésamo têm saído perfeitas.
Mas, enquanto tiro a fotografia aos perfeitos biscoitos, sinto-me agitada com a sensação de desafio do meu próximo projeto literário. A vertigem do seu início invade-me de questões. Estarei à altura do desafio pelo qual espero há já dois anos? Conseguirei assegurar o bem estar familiar? Não me posso permitir que esta obra não seja absolutamente perfeita! O coração acelera e concentro-me de novo da imagem acabada do pináculo da biscoitice. - "Sim, Ana, claro que vais conseguir! Estás feliz, apaixonada pelo projeto. Sabes que o vais fazer com o máximo de amor, alegria, prazer e entusiasmo, por isso sairá perfeito!"-
No fundo de mim sei que sim, mas não consigo evitar entristecer-me por todos os que não geram perfeição por não terem hipótese de trabalhar com semelhante estado de alma.
Pouso a máquina fotográfica e agradeço silenciosamente as bênçãos da minha vida...enquanto mastigo outro biscoito.

Ana Amorim Dias

Mamã Ursa

Mamã Ursa

Costumava relacionar a expressão "fazer papel de urso" com atitudes apatetadas e pouco inteligentes. Mas creio que vou ter que reformular a associação.
Ando com esta fotografia guardada há uns tempos e, de cada vez que a olho, enterneço-me com as similitudes parentais entre espécies.
O meu filho João, à beira do oitavo aniversário, é dono de um corpo seco mas robusto, e de um peso que até aos meus fortes braços desafia. Além do mais, a férrea teimosia e consolidado mimo, levam-no muitas vezes a adormecer aninhado ao pai, numa cama que não é a sua. E então, quando ao início das madrugadas me tento deitar, apenas me resta fazer o transbordo daquele corpito de chumbo para os seus aposentos azuis. Não lhe pego com a boca, como faz a mamã ursa, mas o certo é que já não conseguirei fazer o transbordo durante muito mais tempo, a menos que me dedique seriamente à musculação.
Estou na vertigem de perder um dos mais saborosos tesouros que qualquer mamã ursa adora: tomar o filho adormecido nos braços e sentir toda a sua inocente confiança a render-se à nossa proteção.
É inegável que à medida que os filhos crescem muita coisa se vai perdendo e o terreno de proteção parental se vai tornando cada vez mais limitado. No entanto olho para a minha mãe e percebo: mesmo sozinha não traz um filho urso na boca...traz três! E renasce-me então o alento. Em breve não poderei carregar o João ao colo, mas não me importo. Sou como a maior parte das mães que são ursas para a eternidade e nunca largam o apatetado e mais belo papel que lhes é dado viver.

Ana Amorim Dias