(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

31.3.12

Dos zero aos cem




   O meu filho mais novo é apaixonado pelo Bugatti Veyron.  Há mais de um ano que o oiço dizer que o Veyron é o melhor carro do mundo e que quando for grande me vai oferecer um, mas só há dias, ao ver um prograva de tv, me apercebi que aquilo não é um carro e sim um avião rasteirinho.  Segundo as informações do dito programa, o tal Bugatti vai dos zero aos cem em menos de três segundos e o seu preço é tão aflitivamente elevado que só os principes do petróleo lá chegam .
  Não faço a mais pequena  ideia de quanto tempo levam os meus modestos carros a chegar dos zero aos cem, e também não me importa nada porque raramente ando a mais de cento e vinte(!!). Não me interesso mínimamente por velocidades na estrada… e nem na vida, agora que penso nisso. O que  me importa não é a quantidade de tempo que dispendo  a chegar à minha velocidade de ponta, é a segurança, convicção  e prazer  com que o faço. O que  me importa não é chegar ao detino, é saber para onde vou e conseguir apreciar a viagem. E tudo isto porque sei que há sempre o risco de não chegar lá.  Assim sendo não é a velocidade que é relevante, nem tão pouco o tempo que demoramos a chegar à nossa velocidade mais veloz, que nos pode diminuir os reflexos e a capacidade de contornar obstáculos. O mais importante é termos a consciência da velocidade ideal para prosseguirmos a viagem da vida em direção ao que buscamos, com a certeza de conseguir fazê-lo em condições que nos sejam confortáveis e seguras.  Existem perigos, surpresas e mudanças de planos que podem, a qualquer momento, mudar o curso da nossa viagem, e é por isso mesmo que me parece que mais vale um passo de caracol,  constante e firme, do que a rapidez que nos pode conduzir ao  estampanço  na primeira curva mais apertada.
  
Ana Dias

30.3.12

Greve geral


- Tenho que ir a Sevilha na quinta-feira, queres vir? – Disse-me ela,  ao telefone,  há três dias.
- Conta comigo! E o que dizes a levar a loira? – Perguntei-lhe.
- Boa! Liga-lhe.
  As melhores vivências são as que surgem assim, sem aviso nem grandes planos, embora os contratempos acabem sempre por surgir. O dia de ontem não foi exceção. Só ao chegar a Sevilha é que nos apercebemos da greve, ao ver as lojas fechadas e as manifestações nas ruas. Qualquer mulher que esteja a ler isto compreenderá o desalento de três amigas, preparadas para um dia de compras ( no estrangeiro…), que se deparam com TODAS as lojas fechadas.
- Não faz mal, desde que haja tapas e canhas, ficaremos bem. – Disse eu – Afinal estamos juntas e é isso que importa.
  Elas concordaram, mas o olhar de tristeza não escondia o desapontamento.
- Fizeram-nos uma macumba. – Dizia a Margarida
- Não tenhas dúvidas. – Respondia-lhe a Hebe.
A minha vontade foi juntar-me à manifestação com novas palavras de ordem: - Abran las tiendas! Abran las tiendas! – Não foi preciso. Elas começaram a abrir assim que a manifestação terminou.
 E, entre tapas, canhas e compras, pus-me a pensar em como é bom fazer greve geral ao dia-a-dia e fugir com amigas para um dia só nosso. Falámos e falámos,  como só as mulheres conseguem, e concluímos que as grandes amizades no feminino são diferentes das grandes amizades entre homens, mas isso meus caros, fica para outro dia.
Ana Dias

27.3.12

350 graus


    Há uns dias  vi uma playmate portuguesa a dar uma entrevista. A miúda realmente era bem gira… e cómica!   Entre outras coisas muito interessantes, disse que desde que se tornou playmate a sua vida deu uma volta de 350 graus.
  Além de outras reações que a convicta afirmação causou em mim, fiquei a pensar que para certas pessoas a matemática não deve fazer mesmo falta nenhuma. Para que precisa uma playmate de saber sobre graus, ângulos, raios ou circunferências?  A menos que seja para desenvolver melhores performances, na cama ou no varão, talvez tal conhecimento não lhe sirva mesmo para mais nada. Nem sequer para dar sentido às pomposas constatações.
   Ora vejamos: se a vida da menina deu uma volta ( ou será mais, cambalhota?) de 350 graus, isso quer dizer que ficou praticamente no mesmo sítio, certo?    Alguém pode explicar à menina, por favor,  que quando a vida se nos vira de pernas para o ar ( ela disso deve perceber bastante ) é porque deu uma volta de 180º  e não de TREZENTOS E SESSENTA???
   Fico a pensar que,  se a matéria dos ângulos começasse a ser dada com base nas figuras do Kamasutra, as afirmações de vida com fundamentos matemáticos seriam bem mais acertadas!
Ana Dias
  

26.3.12

O valor de uma ervilha

    Devia ter os meus sete anos quando li uma estória (acho perdoável não me lembrar já do nome) em que uma princesa na miséria pede abrigo a uns lenhadores. Estes, desconfiados da veracidade do seu sangue real, decidem deixá-la pernoitar na sua casa, mas em cima de dez colchões com uma ervilha por baixo.
 Na manhã seguinte, depois de lhe perguntarem como tinha passado a noite, a princesa respondeu que não tinha conseguido “pregar” olho,  pois a cama era muito desconfortável. Os lenhadores comprovaram assim que ela era de facto uma princesa, pois só uma princesa sentiria uma ervilha debaixo de dez colchões.
  Mas que raio?  Eu podia ter só sete anos, mas a estória pareceu-me tão estúpida que fiquei a remoer a coisa por uns tempos. Como podia haver alguém que,  estando deitado em cima de dez colchões,  sentisse a ervilha que estava por baixo deles?  Se a ervilha estivesse cozida também a sentiria?  De que raios servia ser-se princesa se não se conseguia dormir bem por uma coisa tão insignificante?   Que raio de lenhadores eram aqueles, que tinham dez colchões a mais em casa? Será que os tinham ido pedir  à estalagem do lado?
    Eu nunca tive aspirações a ser princesa ( credo!!) mas,  caso a inocência infantil me tivesse dado para aí, creio que me teria passado logo a vontade porque fiquei a achar que quem tem sangue real está munido de uma carga de sensibilidade tão grande que só me traria chatices.
 Não sei porquê, ontem lembrei-me disto. Talvez tenha sido apenas para perceber que a tal ervilha foi, para mim, um diamante: trouxe-me a riqueza de saber que, por mais que leia, veja ou oiça, é pela minha cabeça que penso, interpreto e entendo.
Ana Dias

25.3.12

Por 4 carteiras de cromos…

A estória começou assim:
- Mãe, compra-me cromos. –
- Outra vez?!? –
- Sim, mãe. Vá lá, vá lá, vá lá!
- Isto é um abuso, João!  Cromos todos os dias? -
- Óh mãe, vá lá. Compras-me umas carteirinhas e prometo que sou teu escravo eterno… -
  Foi nesta altura que a conversa passou a despertar-me verdadeiro interesse.
- Quantas?- Quis eu saber.
- Cinco. – Respondeu-me.
- Quatro e fechamos negócio… mas quero um papel assinado!- Não tencionava deixar fugir esta fantástica oportunidade.
- Ok, mãe. – E terminou com o habitual: - És a melhor mãe de sempre! –
   Comprei-lhe os cromos e ele assinou. Vendeu a alma… à mãe. Se morassemos nos Estados Unidos, talvez poucas horas depois desta publicação eu tivesse alguma autoridade à porta, para me tirar a custódia do miúdo, mas como por cá  o bom senso impera,  não é difícil perceber que não vou obrigar o meu filho a trabalhos forçados nem a manter a sua promessa de eterna obediência por muito tempo. Mas também não vou negar o bem que me soube saborear o doce triunfo de o ter “ na minha mão” durante estes dias. Acho que consegui demonstrar  ao João  o valor dos negócios, do compromisso e da honra. Talvez  daqui para a frente comece a medir melhor o valor das suas pomposas promessas. E acho preferível que aprenda estas lições  com a sua compreensiva mãe, do que com quem se possa vir a aproveitar dele.
  Mas não termino sem contar o final da história.
  É claro que este “contrato” foi feito sem cláusula de rescisão e é também óbvio que, alguns dias passados sobre a celebração do mesmo, o João já andava “à rasca”, pois percebeu que cometeu o maior erro da sua ainda curta vida.
   Ainda tentei celebrar contrato igual com o meu filho mais velho mas esse, mais sabido, já não se deixou enganar e, pelo contrário, iniciou uma campanha de apoio ao irmão, baseada na recuperação e destruição do supra citado documento. 
  Optei por lho entregar, ontem à tarde, dizendo com voz solene:  - João, aqui tens o contrato. Faz o que a tua consciência te disser. –
   Olhou para mim meio espantado, indeciso entre a voz da consciência que lhe dizia que promessa é para cumprir, e o sopro diabólico do irmão, que lhe dizia: - Rasga, João, rasga! –
   Como fui tratar de outras coisas, acabaram por ficar os dois a decidir  a melhor forma de resolver a questão.
   E hoje, mesmo antes de começar a escrever, perguntei-lhes pelo “documento”, dizendo que queria rasgá-lo e libertar o João das suas obrigações de meu eterno escravo, explicando-lhe de novo que, de ora em diante, deverá medir e ponderar melhor cada “negócio” que fechar.
    Mas o caso deu uma reviravolta surpreendente e continuo sem saber do malvado papel pardo onde o meu filho mais novo assinou a sua honra… E,  devido ao  ar malandro do meu filho mais velho, estou com a leve suspeita que  guardou o documento e lhe trocou as palavras “minha mãe” por “meu irmão”….
   Ana Dias
  

24.3.12

Bom tempo



   Hoje acordei muito cedo, com o som da chuva a cair. Primeiro pensei que estava a sonhar mas, ao abrir os olhos, verifiquei que gotas de água estavam , de facto, a ser vertidas do céu.
- Chuva? Chuva!! CHUVAAAA!!!!  Finalmente o bom tempo! -
  Com um sorriso consolado, voltei a adormecer: era demasiado cedo para ir para a rua inspirar o fabuloso odor da terra molhada.
  Há um qualquer dispositivo em nós  que nos faz identificar o céu azul  como o derradeiro indicador de bom tempo. Sem dúvida que um sol radioso é mais agradável e menos incomodativo que a chuva. Ou não fosse ele  o mais perfeito antídoto para estados depressivos e outras maleitas da alma. Mas sem água não há vida e é por isso que bendizemos os dias cinzentos de chuva, sobretudo depois de tão prolongada ausência.
 Voltei a acordar algumas horas mais tarde. O céu continuava cinzento,  mas a chuva… nem vê-la. A terra, sequiosa, absorveu tudo num ápice e nem o cheiro de que tanto gosto me chegou a brindar  os sentidos.
 - Isto é como o choro… - Pensei , mesmo correndo o risco de estar a sublinhar o óbvio. – Esta chuva foi como aquele choro  engasgado que não chegamos a chorar. 
   E fiquei a magicar se, da mesma forma que chamamos “mau tempo”  à tão importante chuva, também não temos por hábito fugir ao nosso “mau tempo” interior, feito de tristezas que nos regam por dentro para nos fazer florescer.
  Será que da próxima vez que uma chuva de lágrimas nos vier visitar,  vamos fugir, reprimindo-a?   Ou devemos deixá-la verter toda a água que as nuvens passageiras da vida nos trazem?    Acho que deviamos tentar deixar  que chovesse tudo!  É  que parece-me que só assim é que o nosso sol interior poderá brilhar em todo o seu esplendor….
Ana Dias
 
 

23.3.12

Desistir


 - A palavra “desistir” não entra no meu vocabulário!  – É frequente ouvirmos por aí, dito por pessoas confiantes e repletas de tenacidade.  
Nunca gostei muito da frase, que considero um presunçoso clichê.
Há coisas, realmente, das quais não devemos nunca desistir. O cultivo dos bons sentimentos, na nossa horta interior, é uma delas. A descoberta e valorização dos mundos que se escondem nos outros Homens, é outra. Não podemos desistir de nós mesmos, dos nossos sonhos e da nossa evolução, mas, ainda assim,  a palavra “desistir” devia fazer parte  do vocabulário de toda a gente.
  Há coisas de que vale a pena desistir. Há caminhos que já não são os que devemos seguir; sentimentos de mágoa e rancor que não devemos sentir; projetos que não nos vão trazer nada de bom; situações de perigo físico e emocional perante os quais mais vale dizer,  alto e a bom som: - desisto! –
 Afinal esta  atitude revela fraqueza ou força? Ela implica sabedoria ou falta de caráter? Creio que, como tudo na vida, depende do uso que lhe damos.
  Todas as palavras têm valor. Quanto mais não seja o valor de nomear aquilo que não pretendemos para nós. Quanto à palavra  “desistir” , no meu vocabulário ela entra… E no vosso?
Ana Dias



22.3.12

Luta pela luta…



- Já não se faz a luta pela luta! – Dizia o senhor, com voz queixosa – Agora fazem as greves a querer melhores salários e condições. Já não há a luta pela luta. –
   Como estava a tirar o pão da torradeira não consegui ver quem estava a ser entrevistado no jornal da manhã.
- Luta pela luta? – Pensei. – Mas que raio…? –
Ainda estava a digerir esta quando ouvi a seguinte: - Estamos a fazer greve à crise e à austeridade. –
  Boa! ( penso muito logo de manhã!) Então, por essa ordem de ideias, hoje é dia de viver à grande!
  Não me entendam mal, nada tenho contra as greves. É um direito e,  como tal,  pode ser exercido. Mas o que se consegue em concreto com isso? Tirando casos pontuais, que afetam realmente as vidas das pessoas ( estou a lembrar-me de uma, dos camionistas, feita no início do Verão há três anos, que deixou as bombas sem combustível e as prateleiras dos supermercados praticamente vazias ) muitas greves apenas servem para mostrar o descontentamento de quem as faz e diminuir a produtividade.  Não me parece que sirvam para muito mais.  
   No  estado de doença terminal em que a nossa economia se encontra, o primeiro passo a dar não deveria ser  o de responsabilizar quem geriu mal o país e o colocou nesta miséria?  Se os governantes começassem a responder pelos seus desgovernos com a sua liberdade e o seu património, aposto que a raiz da doença seria arrancada e poder-se-ia, então, começar a tratar das suas sequelas até voltarmos a ter um país saudável.
   A greve é como uma aspirina de pouco ou nenhum efeito. O que fazia falta era uma cirurgia para extirpar o cancro. Uma intervenção que fosse capaz de expropriar todo o enriquecimento indevido e colocar atrás das grades quem pôs isto neste estado, era a única solução sustentável para pôr este belo país nos carris. Só assim quem se sentasse, depois, nos poleiros, tomaria  consciência  do que está lá a fazer. E talvez já não fosse preciso haver greves.
Ana Dias
  
  

21.3.12

Os perigos do amor

     Não há nada mais perigoso que o amor. Não há guerra,  doença, desatre natural    ou  animal selvagem que seja mais devastador para o Homem do que esse sentimento que até hoje ninguém conseguiu descrever com a mais precisa exatidão. Por amor já se morreu (pelo menos por dentro), já caíram impérios e se mudou o curso da história. Em suma: o amor pode ser tão poderoso quanto perigoso.
    O primeiro perigo do amor é surgir de surpresa, como uma praga absurda para a qual não há prevenção possível nem antídoto eficiente para quem dele queira fugir. O segundo perigo do amor é escapar-se,  como areia entre os dedos, de quem o busca com desespero. O terceiro perigo do amor é a consciencialização da sua morte e correspondente enterro.  Há quem perceba que já não ama, mas não tenha direito à sua libertação; há quem ame com todo o ser e seja abandonado, ou traído, ou mais uma infinidade de coisas…
   Não quer dizer que aconteça sempre mas,  muitas vezes,  o perigoso amor  dá cabo da sua maior vítima e produz o típico  coração destroçado.    E também os corações estraçalhados podem ser catalogados em diversas espécies e sub-espécies: os de regeneração rápida, os que levam meses e anos a curar-se e os outros, que nunca se curam.
  Quando nos deparamos com alguém com o coração feito em cacos,  o que há a fazer? Mandamo-los para o hospital dos corações durante dois, dez ou vinte anos? Vamos buscar fita cola? Impomos a nossa presença, arrombando algo que nem dá para arrombar por estar  completamente desfeito?
  E quando o amor se tranforma em simples gostar? Porque não aceitar? Haverá prova de amor maior que aceitar que o amor do outro morreu?  Por mais voltas que dê ao assunto, não chego a nenhuma conclusão. Mas talvez um dia ainda descubra quantos anos se leva a  enterrar um amor que morreu.
Ana Dias

20.3.12

Na mais ordeira anarquia


   Em tertuliana conversa com outros poetas, saiu-me esta frase: ” Há duas condições importantes na vivência poética: o exercício da boémia e o gosto pela anarquia.”  Valeu-me o facto de não ter sido absolutista,  pois estes dois requisitos, embora importantes, não são o que define o poeta.  Aliás,  os poetas e todos os demais artistas têm como única peculiaridade absoluta, o facto de ( para o mal e para o bem) se saberem ouvir a si mesmos.
   Mas ficou-me a anarquia a zunir nos tímpanos da alma enquanto,  ontem à noite, adormecia. Vai daí abri o google no iphone e pesquisei ANARQUIA: “… erradamente associada aos caos e desordem, vem da palavra grega anarckos, ou seja, sem governo. (….) Baseia-se na estrutura auto-gestionária, sem regras, autoridades ou hierarquias (…) só valoriza a liberdade natural de cada indivíduo(…).”
   Sejamos francos: eu, tal como vocês, sabia o que é a anarquia. Mas a leitura destas coisas quando já estava  no enlevo do sono, trouxe-me uma brilhante ideia. Vou declarar a República Independente da Minha Pessoa !!  Mas, mesmo antes de o Morfeu me tomar nos seus enormes braços de um sono tranquilo, tive um rasgo de consciência e percebi que a anarquia é uma utopia pegada. Uma estrutura auto-gestionária, sem regras ou hierarquias,  havia de dar uma coisa jeitosa…
   O clarear do dia trouxe-me de volta as plenas funções do meu raciocínio e o tema inicial que despoletou esta crónica: a poesia.
   Afinal os poetas, com o devido respeito que devem prestar às rimas, métricas e outras formalidades, podem ou não ser anárquicos? Os artistas vivem ou não no caos desregrado da sua liberdade natural?
   Perdoem-me terminar como qualquer bom demagogo, dizendo que tudo deve ser doseado. Sejamos artistas ou nem por isso, a virtude da nossa condução pelas vielas ( mais ou menos boémias) da existência, deve ser a conjugação de doses bem medidas de caos e ordem; deve  resultar do respeito às regras fundamentais e do uso e abuso da nossa liberdade intrínseca. E tudo isto porque me parece que as mais marcantes vidas e obras se têm construído… na mais ordeira anarquia!
 Ana Dias

19.3.12

um abraço



  Estive mais de três minutos com o word aberto, o cursor a piscar e sem que palavra alguma saísse. Quem me lê  não tem como saber que isso raramente acontece. Todas as manhãs os dedos começam a percorrer as teclas, ativados pelo único mecanisco que me propulsiona: o coração.
- “ Ana, deixa-te de merdas e pára de pensar tanto. Faz como sempre fazes e começa.” – pensei.
  E porque me pus a pensar tanto? Perguntam vocês…  Porque me estava a lembrar que há um ano fui passar este dia com o meu pai. Sabia que era o último dia do pai que passaria com ele. Não me lembro do que falámos, ele deitado na cama e eu ao lado, no sofá. Não me lembro se o que ele dizia ainda fazia sentido. Mas lembro-me bem que a companhia foi excelente. Para os dois. Porque, por mais que às vezes discordássemos, o amor e admiração mútuos estavam sempre presentes.
   Nessa altura eu sabia que cada dia tinha que ser aproveitado. Cada oportunidade tinha que ser agarrada. Mas de que me teria servido aproveitar o conhecimento de que aqueles eram os últimos dias que tinha com ele, se não o tivesse “aproveitado” toda a vida?   Não é nas últimas oportunidades que devemos entregar-nos. Não é na consciência de que algo está a chegar ao fim que a redenção acontece e os remorços futuros se evitam.   É na somas dos dias que a paz interior se constrói. É claro que os afetos e demontrações de amor dão “trabalho”. Ser carinhoso e presente para os que amamos pode roubar-nos  tempo  e até energia, mas é nessa dádiva que nos construímos como seres humanos sensíveis e emocionalmente saudáveis.
  Hoje é dia do pai. Dia de afetos sentidos e redenções emergentes. É dia de abraçar, nem que seja só com a alma, todos os pais, genéticos ou não, que a vida, com a sua indizível bondade, teve o cuidado de nos presentear.
Ana Dias

18.3.12

O “Vesgo” e o “Zarolho”



- Anda lá… -
- Não!-
- Vá lá, vais ver que vais gostar. 
- Não quero ir a essa porcaria! – Costumava eu responder,  um domingo em cada mês, ao ser convidada para ir ao mercado de Cacela.
   Hoje, ao trocar o “não” por um “sim”, percebi o quanto estava a ser parva e petulante. Achava que as minhas idas ao Portobello Market, em Londres,  ou ao mercado de San Telmo, em Buenos Aires, me iriam fazer olhar para  o mercado de Cacela com atitude  de desagradada comparação.
   Mas que grande parvalhona!   Eu já devia saber que quanto mais se viaja, mais se deve conseguir ver com novos olhos o que há cá na “terrinha”!
  Já posso ter feito compras nos mais emblemáticos  mercados  de Nova Iorque, Rio de Janeiro, Paris ou Londres. Tenho recordações compradas em feiras de rua no Rio Negro, Colômbia, Formentera, Buenos Aires ou Roma; mas foi no mercado de Cacela que, sem gastar dinheiro nenhum, fiz a maior aquisição de todas: tomei consciência que os pré-julgamentos nunca são acertados. E nem é que seja preciso ver para crer, basta perceber que cada cada local tem as suas características e encantos.
   Para comemorar a epifania, ofereci aos meus filhos dois patinhos amarelos. A um chamei “Vesgo” e ao outro, “Zarolho”, para não me deixarem esquecer a minha falha de visão….
Ana Dias
 

17.3.12

Malditos bróculos


   Sentei-me à mesa e comecei a temperar o meu prato de bróculos.
- Mãe! E eu?  - O João, que já tinha outras verduras a acompanhar-lhe a carne, começou a reclamar.
- Óh filho, não te pus porque pensei que não gostavas… - Respondi.
  Coloquei-lhe alguns no prato e o rapaz, deliciado, cemeu-os até ao fim.
- Mãeeee! –
- Hããã. 
- Mais! –
    Achei aquilo muito estranho mais lá lhe fui pondo mais bróculos no prato até não restar nem mais um.
   No dia seguinte, depois da escola, resolvi levá-lo ao supermercado para tirar a limpo se o episódio da noite anterior tinha sido só mais uma das suas manias.
- Toma um saco.  – Disse-lhe. – Podes encher com os bróculos que quiseres.
O  pestinha não se fez rogado, pegou no saco e começou a enchê-lo como se estivesse a acartar chocolates, sob o olhar abismado das senhoras que estavam por perto.
É difícil descrever a sensação de ter um filho tão louco por bróculos. É quase como estar num filme fantástico em que os impossíveis se tornam realidade.  – “Sou uma espécie de super-mãe” – Pensei, toda orgulhosa, nessa ida ao supermercado. – “ Sou uma super-mãe com super-filhos que comem super-bróculos!” –
   Mas acreditem quando vos digo que nem tudo são rosas…: ontem, depois de o João ter comido bróculos ao lanche, tive que lhe dizer para não comer mais, quando me pediu bróculos… para a sobremesa do jantar!
Ana Dias

16.3.12

Obsessão

   A minha relação com a escrita é  por vezes descrita pelos outros como sendo obsessiva. Costuma ser-me dito em forma de elogio, o que não me impede de ficar a pensar que a palavra obsessão é, por definição, um transtorno.
  Em termos técnicos, obsessão é um transtorno de ansiedade caracterizado por pensamentos e comportamentos  exagerados,  irracionais e incontroláveis, considerados estranhos para a sociedade.
  De acordo com esta  definição, dou-me como culpada. Sou obsessiva compulsiva  com a escrita. Tenho manias e “rituais”;  fico indisposta se não escrevo e,  durante a gestação de cada novo romance, vivo com os personagens no meu dia a dia, quase como se fossem reais. Ao fim da noite, escrevo com o pensamento a crónica da manhã seguinte; na manhã seguinte, anseio pelo momento em que o Word se abre em páginas nuas que vou rechear e, ao longo do dia, quando a vida me chama a outros assuntos,  chego a sentir a culpa de não estar a fazer o que nasci para fazer.
   A conotação negativa que me habituei a dar à palavra obsessão, terá que mudar. Porque amo viver assim, compulsivamente obsecada pelos jogos de palavras com que verto os pensamentos e estórias que não consigo guardar cá dentro. Como um vulcão sempre ativo, tenho que verter  a criatividade  na forma escrita. Caso não o fizesse, implodiria em vazio.
 É por isso que digo que não escrevo para vocês. Escrevo para mim. Feliz por saber que tenho com quem partilhar o resultado desta minha obsessão.

Ana Amorim Dias

15.3.12

Olhos de Garfield



    Desde miúda que adoro o Garfield. Continuo  a pegar nos livros em que o cómico gato, com os seus olhos mortiços, vai partilhando a sua visão do mundo. Delicio-me sempre.
   A  vida tem estranhas formas de nos brindar. E às vezes,  enquanto olho para o meu filho mais velho, reparo que tenho em casa, ao vivo e a cores, uma alma gémea do Garfield.  É que o Tomás devora lasanha e adora estar no sofá, com as pálpebras a meia haste, a fazer zapping por desporto. O seu humor lacónico e desinteressado, que leva às gargalhadas mais sentidas,  também reforça a semelhança. Embora esteja em melhor forma que o encantador gato, olho para o meu filho e desconfio que, à força de tanto ler essa banda desenhada, acabei por produzir um sucedâneo perfeito.
  Mas é quando põe os olhos de Garfield que fico mais emocionada. A semelhança é tão grande que chego a pensar  que é o gato da BD que faz lembrar o meu filho e não o contrário…
Ana Dias
  

14.3.12

A obra escondida


   O que tem o Guernica de Pablo Picasso em comum com uma das pinturas de Leonardo Da Vinci?  Ambas fizeram notícia hoje, no telejornal da manhã. O painel de Pablo, pintado em 1937, está a ser sujeito a uma avaliação dos efeitos do tempo. Quanto à obra de Leonardo que foi noticiada, trata-se de uma obra escondida e desconhecida que só agora está a ser descoberta num edifício público em Itália.
  Além disso, o que as obras destes dois mestres têm em comum, é serem expressões supremas da arte. E a arte, ao contrário dos seus criadores, não deve perecer; deve ser cuidadosamente preservada ao longo dos tempos, para lembrar aos Homens a sua ligação ao divino.
  Mas o que dizer quando se está na vertigem da descoberta de uma obra desconhecida de um dos máximos expoentes da genialidade artística? Só me ocorre uma coisa: da mesma forma que,  escondida dentro de uma parede,  se acabou de descobrir mais uma pintura do génio, quantas obras de arte se poderão encontrar escondidas dentro das muralhas de cada um de nós?
Ana Dias

13.3.12

Sonhar

  Adoro sonhar acordada porque, ao contrário do que acontece nos sonhos que tenho a dormir, a minha vontade controla os acontecimentos. Não há cá inconscientes nem complexos disto ou daquilo a funcionar. Nos sonhos que sonho acordada mando eu e acabou-se. Não há necessidade de explicações freudianas nem de mais complicações, a coisa desliza com uma suavidade perfeita que só me deixa feliz.
  É verdade que às vezes acordo maravilhada com o que acabei de sonhar, mas há outras alturas em que o amanhecer me traz uma vontade incontrolável de cancelar o contrato com o meu inconsciente. E lá fico a ruminar: “Mas que raio…? Como é que fui sonhar uma coisa tão estúpida? Afinal isto veio de onde? E o que quererá dizer?”
   Mas agora que penso nisso, constato: os sonhos são como a vida, há aquelas partes que controlamos e que deslizam numa suavidade perfeita que só nos deixa felizes; e há todas as outras que, tal como o nosso inconsciente, não controlamos e nos trazem as mais surpreendentes surpresas. E o que havemos de fazer se nem tudo corre de acordo com a nossa vontade? Cancelar o contrato com a vida?? Não me parece.  Tal como os estranhos e imprevisíveis sonhos têm a capacidade de nos fazer sentir e pensar, também todas as variantes incontroláveis da vida devem servir para isso mesmo: para nos fazer sentir e pensar. E já agora, porque não também, evoluir?
Ana Dias
 

12.3.12

A sanidade das loucuras


 “ Já podes ir ao fb conhecer o teu sobrinho! Beijos “.  Recebi a mensagem ontem à noite. Estranhei, é certo, a palavra “sobrinho”, pois estava ela estava à espera de uma “menina” para enfeitar com laçarotes cor de rosa.
   Lá fui ao face, conhecer a criatura ( um docinho, por sinal ). A minha “mana” Hebe vai ter muito trabalho com biberons e outros assuntos próprios dos bébés. A mim resta-me ir lá hoje, conhecer o Mixa em “pessoa”,  e refletir um pouco sobre as pequenas loucuras que nos povoam a vida.
   Faço um apanhado geral de todas as pessoas que conheço há muito tempo e também das que apenas recentemente me enriqueceram a vida. Não encontro nenhuma que não tenha a sua loucura. Não estou a falar de estados patológicos nem de características nocivas. Refiro-me a taras como comprar um casaco estupidamente caro, estar sempre a inventar, ter um telescópio potente ou andar sempre a escrever poesia sobre asas e estrelas. Mas há muitas outras sãs loucuras que fazem parte integrante do modo de vida das pessoas que me rodeiam, como cantar alto no banho, cozinhar em fornos de há dois séculos, ajeitar as sobrancelhas ou usar sempre todos os adornos a condizer. Há quem divague imenso sobre a vida em reuniões de trabalho e quem refile com um humor que me faz rir até às lágrimas. Há quem revire as pestanas,  quem perfilhe borregos e quem esteja sempre a magicar sobre a próxima obra a fazer… mas é cada uma destas pequenas loucuras que confere a todos os seres que adoro, uma sanidade emocional que os torna únicos e adoráveis.
  Termino com algumas questões: conhecem quem não tenha as suas loucuras? Não serão elas um reflexo determinante da sua sanidade?
Ana Dias

10.3.12

O ramo


    Há dias recebi um mail de alguém que está muito longe. Pedia-me que, no dia de hoje, colocasse em seu nome, um bonito de ramo de flores na campa do meu pai. Assim fiz.
    Não gosto de cemitérios e evito lá ir porque, na minha singela opinião, quem já partiu não é lá que se encontra. Quem já não está connosco com o corpo, está presente onde quer que batam os corações de quem ainda ama e recorda.
  No primeiro aniversário do meu pai a que o aniversariante faltou, renovo a certeza de que a   presença mais importante não é a física: é a que fica gravada nos outros em forma de memórias inolvidáveis e sentimentos insubstituíveis.
  Já mandei o mail a esse alguém que está longe, a dizer que o lindo  ramo foi entregue. Ao escrever, um emocionado arrepio percorreu-me o corpo enquanto algumas das palavras me saíram com aspas:  “Obrigado. Obrigado pelo amigo fantástico que foste e continuas a ser, Vítor!”
Ana Dias

9.3.12

True Love

   Às vezes fico com a noção de que as pessoas são uma espécie de 2 em 1: são a pessoa genuína e depois têm uma segunda versão, de pessoa forjada, que corresponde à imagem que a sua cara-metade projeta em si.
   Se pensarmos nos casais que nos rodeiam (e nos que já compusemos) não nos é difícil comprovar esta realidade. Chega a tornar-se impossível perceber onde começa a segunda versão e termina a primeira.  Sobretudo nos casos de relacionamentos  longos, deixamos de tomar contacto com as pessoas espontâneas e brilhantes que se escondem atrás da mulher do “António” ou do namorado da “Augusta”.
   Não vejo os verdadeiros casos de amor como uma fusão que transforma dois seres inteiros em duas tristes metades um do outro. Nos verdadeiros casais (casados ou não, entenda-se) o segredo da sustentabilidade amorosa é a capacidade de se manterem fieis a si mesmos… com a benção e orgulho do seu par. Quando o amor verdadeiro existe, as partes que o compõem continuam a ser livres e espontâneas; continuam a ser genuínas e expansivas na sua forma de estar na vida.
   O verdadeiro amor, dure ele o tempo que durar, é composto por duas pessoas que se respeitam e valorizam nas suas ideossincrasias; é feito de pessoas que não se tentam mudar mútuamente; é feito de pessoas que permanecem genuínas, a exalar o  brilho que inicialmente ofuscou o outro.
Ana Dias

8.3.12

Mulher Inteira

   Num filme que ontem vi, uma amiga dizia à outra, indecisa entre dois amores : - “Não escolhas o melhor homem. Escolhe aquele que fará de ti uma mulher melhor.“   É disto que o dia de hoje trata.
   O Dia Internacional da Mulher pode não ser a data redutora que a desvaloriza  e pode servir para muito mais que justificar a única saída anual de mulheres submissas.
  Para que serve este dia afinal? E porque será que os homens não têm um? Será por não precisarem de ver os seus interesses e valores defendidos? Ou será apenas que o dia da mulher ( sou uma eterna otimista ) é uma ode e uma forma de honrar a extrema força que todas encerramos por baixo dos picos de humor e da imensa sensibilidade?
   Quanto a vocês não sei, mas opto por encarar este dia, não como o único em que as mulheres podem justificar uma saída sem o “dono”, mas como um dia especial para celebrar as nossas peculiaridades e intrínseca força.  
 É do conhecimento de todos que a Mulher é um “bicho” de sete cabeças. A Mulher é o ser que carrega outras vidas dentro de si; é quem tem uma paleta de mil cores e é capaz de de rir a chorar e chorar a rir. Todas as mulheres são poderosas, mas há muitas ainda que não acionaram o seu poder. E os dias 8 de Março deveriam servir, acima de tudo, para as despertar para o conhecimento de todas as suas potencialidades e hipóteses de escolha. Este é o dia em que mais um ciclo de luta se deveria iniciar, não para terminar daqui a umas horas, mas para deixar efeitos duradores. Este é o dia em que todas as mulheres que já se ligaram à sua fonte de poder deviam assumir o compromisso de ajudar as que ainda não estabeleceram essa ligação .   Mas desengane-se quem veja aqui, nas entrelinhas, a existência de uma guerra de sexos. Homens e mulheres complementam-se mútuamente, mas acreditem quando vos digo que cada homem merece, ao seu lado, uma Mulher Inteira.
Ana Dias
  

7.3.12

O evento da vida

Quando instalei a cronologia no facebook reparei num novo espaço a preencher: o evento da vida. Não sendo este um tema sobre o qual se possa escrever de ânimo leve, deixei-o a levedar cá dentro uns dias para poder escrever e descrever toda a sua importância.
  Os eventos da vida são, normalmente, acontecimentos marcantes e bons que se destacam como marcos da nossa existência: o primeiro dia de escola, o dia em que acabamos o curso, o casamento, o filho que nasce, a viagem com que sempre se sonhou…  O evento da vida é conhecer a pessoa que nos apaixona, é a conquista profissional  e é tudo o que acontece de bom  quando lhe marcamos a data.
Mas será só isto? Será que os eventos da vida são apenas as coisas que nos deixam um sorriso triunfante nos lábios e a sensação de realização a invadir-nos os sentidos?
  Creio que é tudo isto e muito mais. O evento da vida é algo que pode ( e deve) acontecer todos os dias. É o sorriso cúmplice que damos à nossa “metade”; os beijos lambuzados que os nossos filhos nos dão, depois de mais uma tropelia; é olhar para o céu e apreciar o sol que brilha ou a chuva que cai… O telefonema de um amigo que está longe, um comentário online que nos faz feliz, o beijo na testa da mãe, tudo são eventos da vida, embora se possam repetir com uma cadência constante. O evento da vida é sabermos compreender os motivos alheios; é dar-nos bem com colegas, patrões ou empregados; é saber ser cúmplice e cultivar a cumplicidade. Cada filme que vemos, cada música que ouvimos ou cada cheiro apetitoso que o nosso olfato alcança podem ser eventos da vida. Cada descoberta, cada conhecimento adquirido e cada pergunta que nos “alarga” por dentro, são eventos da vida.  Mas é preciso saber, é preciso estar consciente e ter capacidade para apreciar cada pequeno detalhe para poder fazer dele um evento da vida.
  Mas há mais. Não são só as coisas boas que compõem os eventos da nossa vida. Pelo contrário. Devemos entender que cada perda, fracasso, dor ou morte também o são. Todas as ocorrências dolorosas que a vida traz acabam por ser, mais cedo ou mais tarde, valiosas nos seus ensinamentos. Talvez até mais do que as coisas simples e boas. Porque são as dores que nos preparam e impulsionam para um novo estado de existência; que nos tornam conscientes do que é realmente importante e nos dão a sabedoria de como viver cada dia como se fosse, efetivamente, o último.
  Muito fica por dizer, mas sabem? Não me importo. Porque os melhores eventos da minha vida foram ter descoberto a minha alma escritora e  acordar todos os dias com uma vontade incontrolável de escrever… sobre a vida e seus eventos.
Ana Dias
 

6.3.12

Ritmos

   O turismo espiritual começa a estar  cada vez mais   em voga, talvez devido ao ritmo alucinante das vidas que agora se vivem. E se no passado esse tipo de viagem consistia em retiros nos mosteiros, viagens ao Tibete e peregrinações a locais de aparições, nos dias de hoje proliferam as estadias em quintas ecológicas com atividades espituais dos mais diversos tipos.
   Farto-me de rir ao imaginar-me numa dessas quintas, a morrer de tédio sem telemóvel nem net, a regar as plantinhas entre palestras de reiki e sessões de meditação. E, só de imaginar, apodera-se de mim um stress inexplicável.
  Mas desengane-se quem pense que estou a criticar esse tipo de férias ou quem as faz. Apenas sei que não são próprias para o meu ritmo espiritual.
   Para mim o turismo espiritual é algo diferente e um pouco mais acelerado que dar de comer a pintos depois de procurar o divino no meio de plantações biológicas de batatas e alfaces.
   Turismo espiritual ( para mim) é ter tempo para estar só, ouvir-me e pensar; é ter espaço para ver tudo só pelos meus olhos, sem o ruído de interferências alheias.  Turismo espiritual é sentir o divino que há em toda a criação artística e sentir cada centímetro de pele a arrepiar-se com espetáculos, obras de arte e monumentos.
  Turismo espiritual é estar em movimento, por ar, terra ou mar, e tomar contacto com a nossa finitude e fragilidade; criar a consciência que tudo pode, a qualquer momento, acabar.
   Turismo espiritual é estar aberto a dar e a receber, a ajudar e ser ajudado; é estar disponível para falar com quem nunca se viu e nunca mais se vai ver.
   Turismo espiritual é encontrar o nosso próprio método de descoberta e deixar a melodia do conhecimento soar ao ritmo que mais nos convém.
   Mas continuo a dizer que o que traz a maior das espiritualidades a qualquer viagem é saber que, por mais que custe partir, regressaremos infinitamente mais cultos, ricos e espirituais.
Ana Dias

5.3.12

Ao pequeno almoço




- Sabes o que fazia se tivesse a máquina do tempo, mãe?
- O quê, Tomás? – Questiono,  entre duas dentadas na torrada.
- Descobria os números que iam sair no euromilhões e ganhava uns quantos. 
- E que fazias com tanto dinheiro? –
- Construía um estádio espetacular e contratava o Ronaldo, o Messi e o Mourinho… -
   Não cheguei a saber se o Tomás os contratava para o Benfica ou criava o seu próprio clube porque comecei a rir com o meu próprio comentário.
- Se isso me acontecesse a mim, eu contratava o Paulo Bento para me fazer o pequeno almoço todos os dias.
Perante o ar confuso do Tom,  justifiquei-me.
- É  que adoro começar o dia a rir…
Ana Dias

3.3.12

“Hoje Vou”


  Há uns meses, numa tarde de Agosto,  reencontrei o Ricardo Sousa. Ele precisava de letras para o novo álbum e eu, como sempre, estava cheia de vontade de escrever.
  Nessa mesma noite, e embora estivéssemos ambos a trabalhar, entreguei-lhe as duas primeiras letras. Nas semanas seguintes, fui-lhe mandando outras, num total de quase duas dezenas. 
 Lembrei-me que a minha irmã, Maria João Dias, adora compôr melodias e demos por nós a passar algumas tardes mágicas na sua casa. Tardes em que palavras sentidas começaram a bailar na voz do Ricardo e da minha maninha mais velha.
  De todas as letras, só seis vão ser para já ouvidas no álbum HOJE VOU : “Hoje vou” ,  “ Não será dizer demais” e “Se algum dia” foram  musicadas por Ramon Galarza.  “ No teu sono” e “Dar-te música”, com melodia do próprio Ricardo e da minha irmã; e  finalmente, “ rendo-me”, com parceria das duas manas na letra e melodia  do Ricardo, da Maria João e do Paulo.
  A minha parte, por agora, está feita. Apenas me resta desejar ao Ricardo todo o sucesso que ele merece e deixar-lhe mais um “obrigada” por proporcionar às minhas palavras  um novo voo.
Faço votos de que gostem.
Ana Dias

2.3.12

A “caixa”



   Acabei de conseguir perceber porque é que existem tantos jornais desportivos e bom mercado para eles. É que o futebol é realmente empolgante! Sinto-me a contactar com uma nova dimensão da vida!
   Hoje, no dia do Benfica-Porto, vim a descobrir, nas notícias da manhã, que as autoridades policiais não estão muito apreensivas porque o líder dos Super Dragões aceitou que ficassem na “caixa”.
  Super Dragões?? Eu pensava que ia haver um desafio de futebol  mas afinal é uma batalha medieval??  Alguém me explica o que se passa? E quem são os Super Dragões? Pelo nome devem ser para o lado do terrível. E o que é a “caixa”?
   Como continuei a ver o noticiário com uma atenção redobrada, acabei por perceber que a “caixa” é um recinto próprio e isolado para “colocar” os adeptos minoritários e furibundos da equipa visitante.
   Ocorreu-me logo uma ideia brilhante ( o que até é raro acontecer tão cedo ): porque não fazem uma “caixa”,  bem estanque, do tamanho de metade do estádio? Depois, quando as pessoas comprassem o bilhete ou entrassem para o estádio, era só perguntar: “Quer com molho ou em molho?” . Era como quem comprava um cachorro, mas mais eficiente,  porque os pacíficos seres que apenas quisessem ver o jogo,  pediriam:  “ Sem molho, se faz favor ”,  e ficariam fora da “caixa”. Os outros, que já sabiam ao que iam, ficariam na tal “caixa”, mas com  o benefício de se poupar em forças de segurança, completamente desnecessárias.
 Termino  com  duas questões: se as claques querem dar “voz” às suas dores incontidas, porque haverão de ser reprimidos? Afinal, berrar gritos de ordem  por uma equipa e querer liquidar os adeptos da outra é algo tão compreensível quanto saudável… não acham?
Ana Dias

1.3.12

A velocidade de Deus


   Quando, em 1988,  o Ayrton Senna se consagrou campeão mundial de fórmula 1 (creio que no circuito do Mónaco) confessou que, na volta final, sentiu a presença de Deus, o que me leva a ponderar se Deus terá alguma relação próxima com a velocidade.
   Sou da opinião que cada Homem tem muito de divino em si; capacidades e características que lhe colocam a existência no cimo de uma montanha imaginária, mais perto do céu, mais próximo do divino. Mas como é que podemos sentir essa ligação? Esse elo que para alguns é tão forte e que outros vêem como impossível, estará ao alcance de todos? Em primeiro lugar há que partir do princípio que só se “toca” no que se crê ser real. Nesse caso, será que quem não crê, não lhe “toca”? Ou estará apenas distraído, acreditando que os contactos que, ao longo da vida, vai tendo com o divino nada mais são que momentos de rara beleza?
   Lembro-me de um dia, a olhar para o dedo de Deus, no teto da capela Sistina, ter pensado que o Miguel Ângelo tinha de facto sido “tocado” por quem pintou. Mas será que o sentiu?
   Tenho a vaga ideia de que,  quando estamos a fazer aquilo para que a  nossa essência  vem programada, se  ativam em nós super poderes de contornos divinos e que isso nada tem a ver com a velocidade a que nos deslocamos.  É por isso que sei que, no meu carro ( e ao contrário do Ayrton), apenas sinto o “toque” de Deus… quando vou bem devagar.
Ana Dias