(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

7.3.13

Lições aprendidas

Lições aprendidas

Funciona assim: estamos muito bem e de repente a vida dá-nos um soco mesmo em cheio no nariz. Não conheço absolutamente ninguém a quem não tenha já acontecido.
Apesar de doer e ficarmos "abananados", temos então três opções: ficar de mal com tudo e todos, ativando um carpido e paralisante orgulho de criança mimada; ripostar com um gancho de esquerda, como um aguerrido pugilista; ou procurar investigar aprofundadamente a essência das lições que a vida, por si mesma ou através dos outros, nos traz.
O orgulho impede o contacto com os outros, que nos ajuda a encontrar as respostas. O pugilismo é violento e, por isso, nunca a melhor opção. Resta a tática do bom aluno: porquê, porquê, porquê? O que é que isto quer dizer? O que tenho que analisar, estudar e aprofundar para aprender esta lição? Ora bem, a apreensão de conhecimentos depende da nossa inteligência e da "bagagem" intelectual que já possuímos, mas o entendimento profundo das coisas só se atinge quando há uma predisposição emocional que se decide a ir mais fundo, de mãos dadas com a humildade e a inocência.
E é tão bom entender as lições da vida. Tudo porque simplesmente, de acordo com a ordem natural das coisas, as lições bem aprendidas não precisam de ser repetidas.

Ana Amorim Dias

Don't forget to smile

Don't forget to smile

Trouxe-lhe a pulseira cor de laranja de uma viagem qualquer. Ai de mim, regressar das viagens sem prendinhas para os putos, mas trago-as sempre pequenas devido ao tamanho da minimalista mala. E com significado, gosto de coisas com significado, sobretudo se são para demonstrar afetos.
Encontrei a tal pulseira, chorosa e perdida, no quarto do Tom. Rapinei-a sem que lhe sentisse a falta e ando a usá-la para não me esquecer de sorrir. Há alturas em que o sorriso se nos cola ao corpo todo com o mesmo brilho solar que sentimos por dentro e há outras ocasiões em que o choro sentido nos acorda, a meio da noite, de um sono pesado e profundo. Nestas alturas mais tristes, de dolorosas perdas, não merece a pena cerrar os dentes com força e negar a dor, mas podemos sempre resgatar oferendas feitas, repletas de significado, e usá-las como talismãs mágicos que nos lembrem de sorrir sempre, mesmo que as lágrimas corram. Porque no fim, quando a dor se vai, só nos fica o sorriso confiante. Por tudo o que vivemos, sentimos e aprendemos.

Ana Amorim Dias

Cair do cavalo

Cair do cavalo

- Galopas a bom trote os caminhos infindáveis da tua mente - disseram-me - ... será das botas?-
O meu primeiro pensamento foi que não, não é das botas porque no Verão não as uso e galopo à mesma o inteiro puro sangue a que chamo "Vida".
Não conheço cavaleiro que nunca tenha caído do seu cavalo. Duvido que exista. Não conheço quem galope a bom trote o cavalo "Vida" sem que tenha sido cuspido várias vezes do seu dorso. Duvido que exista.
Quem vive a bom trote não pode ter medo de cair. Quem escolhe viver a equilibrar-se em montadas plenas, velozes, sob o sol ou a chuva, com o vento na cara, sabe que acabará por cair. Mas sabe também que subirá para o cavalo uma e outra vez, sem se importar com quantas vezes este o derrube. Sabe que só no dorso desse puro sangue fugaz encontrará o sabor verdadeiro de estar completamente vivo.
Já caí de verdadeiros cavalos como já caí também, uma e outra vez, do dorso da Vida. E é em cada queda que me levanto mais convicta de que a vou montar de novo, talvez com um outro ritmo; sabendo talvez agarrar-me com mais força às suas crinas, para que ela não tenha tantas hipóteses de tomar o freio nos dentes.
Mas hoje vou repousar o corpo na erva, com um trevo entre os lábios, enquanto olho para a paisagem que se estende para lá das minhas botas e chapéu. Hoje descanso porque amanhã é dia de montar de novo, rumo ao luminoso pôr do sol do meu destino.

Ana Amorim Dias

Uma chuveirada na lingua

Uma chuveirada na língua

Com a água quente a descer sobre mim, rio-me às gargalhadas com a nova descoberta aquática.
Divirto-me tanto que agradeço uma vez mais a benção de me dar tão bem comigo e é nesse preciso instante que o fio dos pensamentos se começa a desatar.
Há pessoas que não conseguem sentar-se num restaurante e comer sozinhas; pessoas para quem é inconcebível ir a um cinema / museu / espetáculo sem companhia ou beber um copo apenas consigo. Isto faz-me confusão. Uma confusão enorme. É que o alimento ingerido, seja ele feito de nutrientes, arte, conhecimento ou sensações, tem que ser mastigado por cada um com os seus próprios dentes e sensibilidade; tem que ser digerido pelo seu interior e apreendido pelo núcleo das suas próprias células.
Que a catalização de tudo isto é muito mais eficiente se a ingestão dos momentos for partilhada com quem amamos, isso é inegável! Mas valerá a pena as pessoas privarem-se de se alimentar de vida por falta de companhia? Não, claro que não, sob pena de começarem muito rapidamente a ser intrinsecamente mal nutridas.
Continuo de boca aberta, a rir-me com um estranho riso pelas sensações que a chuveirada na língua me causa. Como se partilha isto com alguém? Como se cataliza melhor o "alimento" que um momento assim nos acrescenta à alma? Só me lembro de uma forma: esta.

Ana Amorim Dias