As papilas gustativas são uma das grandes fontes de prazer com que fomos abençoados. É claro que os nossos antepassados mais distantes se alimentavam mais por pura necessidade que por aspirações gourmet. Por isso talvez se possa dizer que esta mudança foi uma espécie de upgrade corporal da humanidade instalado ao longo dos milénios.
Não sou perita na história da culinária e da alimentação mas penso que não erro muito ao afirmar que o palato humano mudou quase tanto como a própria vida das pessoas. Se calhar a carne em cima do fogo está para as cavernas como a cozinha molecular está para as casas inteligentes. Sim, é isso mesmo: os produtos recolhidos da natureza e ingeridos sem transformação estão para as vestes de peles de animais como o caviar está para a internet!
Diz-se que um dos requisitos para se ser um fabuloso Chef é ter o palato bem afinado. Vejo-me obrigada a concordar. Como se pode criar o sublime sem o saber apreciar? E é aqui que me travo. Como me travei ontem para não devorar sozinha a dose de pata negra que me colocaram à frente.
Da mesma forma que não consigo escolher a viagem predileta também sou incapaz de me decidir por uma comida preferida. Contudo este presunto seria um muito bom candidato. Tem que ser de porco preto e alimentado só a bolotas. O tempo e a salga da sua cura têm que ser feitos por casas com experiência secular. Os locais onde se precessa esta alquimia têm que cumprir requisitos tão específicos como estar construídos com entradas de ar na direção certa dos únicos ventos que interessam (pelos menos assim me foi já explicado).
De cada vez que este soberbo manjar se me derrete sobre a língua, volto ao céu da minha boca: impludo num prazer bem carnal e vejo-me compelida a agradecer o upgrade gustativo deste tempo em estou a existir.
Ana Amorim Dias