(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

6.9.12

Pata Negra




     As papilas gustativas  são uma das grandes fontes de prazer com que fomos abençoados.  É claro que os nossos antepassados mais distantes se alimentavam mais por  pura necessidade que por aspirações gourmet.  Por isso talvez se possa dizer que esta mudança foi uma espécie de upgrade corporal da humanidade instalado ao longo dos  milénios.    
    Não sou perita na história da culinária e da alimentação mas penso que não erro muito ao afirmar que o palato humano mudou quase tanto como a própria vida das pessoas.  Se calhar a carne em cima do fogo está para as cavernas como a cozinha molecular está para as casas inteligentes.  Sim, é isso mesmo:  os produtos recolhidos da natureza   e ingeridos  sem transformação estão para  as vestes  de peles de animais como o caviar está para a internet!  
  Diz-se que um dos requisitos para se ser um fabuloso Chef é ter o palato bem afinado. Vejo-me obrigada a concordar.  Como se pode criar o sublime sem o saber apreciar?  E é aqui que me travo. Como me travei ontem para não devorar sozinha a dose de pata negra que me colocaram à frente.
   Da mesma forma que não consigo escolher a viagem predileta também sou incapaz de me decidir por uma comida preferida. Contudo este presunto seria um muito bom candidato.   Tem que ser de porco preto e alimentado só a bolotas. O tempo e a salga da sua cura têm que ser feitos por casas com experiência secular. Os locais onde se precessa esta alquimia têm que cumprir requisitos tão específicos como estar construídos com entradas de ar na direção certa dos únicos ventos  que interessam (pelos menos assim me foi já explicado).
   De cada vez que este soberbo manjar se me derrete sobre a língua, volto  ao céu da minha boca:   impludo num prazer  bem carnal  e vejo-me compelida  a agradecer o upgrade gustativo deste tempo em estou a existir.
Ana Amorim Dias