(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

27.9.11

Laranjas do Algarve

Quando eu e a minha grande amiga de infância fomos morar para Lisboa, era frequente sermos confrontadas com o espanto alheio por, embora jovens,  sermos tão despachadas e decididas. E a Margarida começou a dizer, com o seu  jeito feliz, que era por termos sido “criadas” com laranjas do Algarve. Tornou-se daquelas brincadeiras que  nos acompanham pela vida fora e, quando vem a propósito, lá respondemos em coro, com uma felicidade cúmplice: -  “ É das laranjas do Algarve!” 
   Mas o que é certo é que a expressão encerra em si muito mais que a mera justificação para o facto de sermos, ambas, mulheres  determinadas e fortes; a frase encerra em si um orgulho que, não sendo ancestral  ( sou a primeira algarvia da família…) é profundamente sentido e vivido.
  O Algarve é muito mais que mar e sol; muito mais que as festas de Verão que enchem as páginas das revistas… O Algarve é mais do que apenas o sul tranquilo e quentinho onde se come bom peixe  e se reclama com os preços e  as filas durante o mês de Agosto…  O Algarve que conheço é muito mais extenso do que todos os quilómetros de costa com que namora o “seu” mar…  O Algarve que eu adoro  é muito mais completo e complexo do que os vastos  areais…. Este Algarve de que vos falo, é de uma riqueza nobremente simples; é um Algarve são, íntegro, repleto de nuances e tradições… Soubessem os forasteiros aproveitar um décimo do que cá temos!!!
  Mas, como não sou daqueles malévolos seres que gostam de despertar o interesse e escondem o “seu” tesouro com todos os sortilégios, estou determinada a colaborar neste breve e sucinto “levantar de véu” sobre as nossas valiosas riquezas ( não me fiquem a pensar que quero as laranjas só para mim…)
  Este Algarve de que falo, respira complexidade, desde logo nas pronúncias tão acentuadamente diferentes para tão reduzida área: porque se “ém” Légues” são os “és” a ser prolixos, em Faro, lembro-me que subia as “escades” do liceu para ir para “asjaulas”…. Mas o topo da cereja é quando oiço, pela manhã no café, um pescador de Monte Gordo querendo saber se tem folga… - “ Patrããão…. tá termentaaaa?” ( eu traduzo: patrão, o tempo está mau?)
Mas não é por aqui que se ficam as encantadoras nuances: as paisagens banais misturam-se com as inesquecíveis, numa profusão fantástica;  rotas interiores com represas e riachos, surgem nos mais insuspeitos caminhos; pequenos oásis e praias idílicas escondem-se, tímidos, nas épocas “mortas” em que areais inteiros existem só para mim…; e em cada cidade há um canto à espera de ser descoberto: um mágico ponto que nos leva ao passado no reverente silêncio da nossa atenção. Há esplanadas que, como cenários do próprio paraíso, nos enchem a alma com caipirinhas e lounge…. Há museus,  bilbliotecas, teatros e centros culturais, mas há mais, muito mais: há quem os povoa de arte e talento em tantas formas vertido…  E o Algarve Meu ( sim, podemos assumir já aqui uma analogia com o filme “África minha”, porque não?) gera tantas outras divinas delícias que constantemente dou graças pela suprema sabedoria de me ter fixado por cá…  Existem feiras de todo o tipo; festivais de marisco, de folares e até de chouriços… Existem dias medievais que nos transportam a outros tempos com um tal realismo que chegamos a acreditar estar na época das conquistas…
  Encontramos estrangeiros, rendidos e radicados  neste canto abençoado do mundo… Encontramos artesãos a trabalhar o barro e o vime, a fazer cestaria e licores que nada mais são que o próprio néctar dos Deuses… Encontramos gente simples e gente sofisticada; gente boa e inocente na sua genuinidade. E andamos por locais onde as portas ainda se usam abertas de para em par e os acenos de fazem, leves, a qualquer desconhecido que passe…
 Mas, apesar de tantas qualidades nas gentes, não concordo com quem vê com maus olhos as multidões nacionais que “escorregam” país abaixo de olhos postos nas quentes águas do mar e nos brancos  areais… Mas dá-me um certo maquiavélico prazer saber que estou ( ao contrário dos meus amigos espalhado pelo país…)  a cinco minutos do mar e poder, a qualquer hora do dia, passear à beira mar ou entrar por ele adentro… com a impetuosidade própria de quem foi criada com laranjas do Algarve, claro!   Mas não concordo, também, com quem chega a estas sulistas e ensolaradas terras, com ares de aleivosa superioridade e a ideia vincada de que por cá tudo anda ao relantim e nada de importante se passa (a não ser em Agosto)  porque, se soubessem a riqueza que traz à vida morar numa terra assim, talvez desfizessem os mitos…
   Pensem apenas sobre o que é viver num sítio onde realmente se V I V E; existir num contexto em que cada cada um é alguém… Imaginem o que seria a vossa vida com um mar destes sempre à mão e tão ao pé… Tentem visualizar a alegia de ver os filhos a ser criados ao ar livre, a jogar à bola na rua com um ambiente seguro; sonhem com sair do trabalho e dar um saltinho às esplanadas  com cheiro a maresia, para se deleitarem com conquilhas frescas ou deliciosos caracóis regados com as frescas “mines”…
  E, muito embora o Algarve não seja só campo ( longe disso: temos fantásticas “metrópoles”….) não consigo evitar colocar aqui uma pequena quadra do meu fabuloso conterrâneo, António Aleixo: “ A vida na grande terra / corrompe a humanidade / entre a cidade e a serra / prefiro a serra à cidade “
Fiquem bem, e se comerem laranjas…que sejam do Algarve….
Ana Dias

Sem comentários:

Enviar um comentário