(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

22.1.14

"Selvagicalidade"

"Selvagicalidade"

Acabei de reparar que os dias em que escolho guiar até um café mais distante, são os mesmos em que a crónica mais me entusiasma e desafia. Dou um tempo extra aos preliminares do deleite criativo, protelando o pináculo do prazer para que seja ainda mais intenso, numa lógica que, por certo, todos entenderão.

Foi ontem à noite que li esta bela questão: com que escritor escolheria jantar, se pudesse? Quem me lê sempre sabe a resposta. Ernest Miller Hemingway regressaria do grande desconhecido para partilharmos uma conversa sublime ao sabor de um enorme peixe grelhado, bom vinho e uns cubanos.
Sou fascinada por ele desde que me lembro. Mais por ele do que pelas obras, confesso. Mas, na minha visão dos factos, a obra de qualquer escritor vale tanto pela sua qualidade como pela personalidade apaixonante do seu criador. Os livros de escritores omissos, por mais excelentes que sejam, parecem-me algo apátridas e deixam-me um travo de orfandade que lhes retira valor. Livro que é livro, daqueles que marcam mesmo, precisa de trazer em si entranhado toda a intensidade e personalidade de autores só por si apaixonantes, caso contrário é só mais um.

- Gosto de pessoas com "selvagicalidade"- disse eu.
- Desculpa? Essa palavra existe?
- Não! Mas eu sou escritora, posso inventar palavras, se me apetecer!
Sempre admirei os escritores de uma forma tão absoluta que, ao constatar que era uma, a minha vida se tornou num constante sonho feliz. Nós, os escritores, podemos inventar e inventar-nos; podemos exagerar, subverter, criar irreais realidades. Nós, os escritores, somos de todos irmãos, pais, filhos, amigos e amantes. Nós, os escritores, somos magos capazes de transformar pensamentos, atitudes e vidas... tudo só com palavras e, claro, com a intensidade pessoal com que as fazemos bailar.

Passei muitos anos desiludida com o meu herói literário. Como é que um homem tão intenso e apaixonante se mata? Porque é que desistiu? Como podia eu explicar tão absurdo paradoxo? A resposta é óbvia, na verdade. Mas só ao assumir-me na plena intensidade de emocionada (e emocionante?) escritora, logrei compreender a equação. Quando se viu encurralado numa existência física e mental que não podia controlar com a "selvagicalidade" que lhe era natural, o Ernest fez a única coisa que podia ter feito para se respeitar a si mesmo. Não foi um paradoxo, foi uma inevitabilidade.
Mas eu só desejava jantar com ele. Nem que fosse uma torrada.

Ana Amorim Dias

A perfect gift

A perfect gift

A inspiração oferece-se. E é uma prenda perfeita. Alguém que nos dá um bom exemplo ou faz aumentar em nós a energia para seguir: que prenda mais perfeita!
A felicidade oferece-se. Um sorriso franco, encorajador. Um olhar que nos diz "Estou aqui! Sigo ao teu lado para te apoiares em mim se quiseres". Que grandiosa oferenda!
A coragem oferece-se. "Se eu consegui, tu também consegues, podes estar certo/a". Que poderosa oferta!
A sabedoria oferece-se. Palavras. Exemplos. Vidas. De quantos lados diferentes vem esta perfeita prenda!?
O bem estar oferece-se. A nós mesmos: "Hoje não me dói nada, consigo ver, ouvir, cheirar, saborear; consigo mexer-me e pensar e sentir." Que colossal oferta!

Deram-nos a fitinha vermelha durante o jantar. Uma para cada um. Todos a colocámos, ficando a pertencer a uma espécie de irmandade capaz de entender o grandioso valor (e sabor?) das prendas perfeitas.
Mais tarde, ao serão, ofereceram-me uma companheira para a fitinha vermelha: a pulseira com o trevo das quatro folhas. Não consegui tirá-las mais!

A sorte oferece-se, tal como o amor aos outros, que nasce sem explicações: a sorte de conseguir amar os outros como eles são, percebendo que todos os dias, se estivermos atentos e soubermos receber, temos tudo (mas mesmo tudo) a ganhar.

Ana Amorim Dias

Segunda-feira de sonho

Segunda-feira de sonho

Abri os olhos. Espreguicei-me. Estiquei o braço para alcançar o IPad e vagueei uns minutos por aqui.
"Segunda-feira mais deprimente? Hoje? Mas porquê? O dia estará cinzento? Mas é normal, é inverno. Ah, talvez seja por estarmos na altura do ano mais distante do verão..."
Quem determina, afinal, o sentimento dos dias? Por que critérios se regem? Seremos eternamente prisioneiros dos desígnios da carneirada? Ou temos a sempre presente capacidade de escolha?

Um banho. "Acabou-se-me o amaciador para o cabelo. Vai ficar uma coisa gira. Isto é a maldição de segunda-feira..." Ri-me com sarcasmo.
Vesti-me. E estava a fazer a mala quando o despertador tocou para não me deixar atrasar para a entrevista das dez. "Podia ter dormido mais um pouco, mas já estava a perder algo."
Desci para o farto pequeno almoço dos bons hotéis. Uma panqueca no prato. "Mel ou açúcar?" E de repente lembrei-me que seria estúpido escolher vinagre, por exemplo. "Porque é que as pessoas escolhem começar a semana com sentimentos de vinagre se podem escolher mel ou açúcar?"

"Tenho que me despachar para entrevista com o Eric e com o Hugo que, se calhar, já me esperam lá em baixo." Daqui a pouco cada um irá para seu lado. O biografado, para o Sul de França; a biógrafa para o Sul de Portugal. Regresso ao ninho dos meus outros três heróis. Regresso à frenética e imparável odisseia diária de matriarca que não descansa um segundo porque os sonhos implicam um trabalho sem tréguas. E as segundas feiras são sempre uma altura ideal para recomeçar com a energia mais colossal que conseguirmos arranjar.

Comi a panqueca com mel. Jamais escolheria vinagre. "Segunda-feira mais depressiva?" Ri-me de novo. "Só para quem a escolher assim. Para mim é só mais uma segunda-feira de sonho(s)."

Ana Amorim Dias

Tripas enfarinhadas

Tripas enfarinhadas

Eram quase cinco da manhã e eu caminhava sozinha. Mãos bem quentes nos bolsos e suave sorriso no rosto. À minha volta as vozes alegres dos noctívagos soavam em gargalhadas indiscretas e canções mal entoadas. A energia vibrante desta cidade fria, cheia de calorosas pessoas, quase me fez voltar para trás e ir de novo ter com as minhas anfitriãs. Mas não; continuei a caminhar sozinha até ao meu quarto de Hotel, recordando os pontos altos desta noitada no Porto: as pessoas.

- Come, a sério!
Hesitei. "Tripas? Ai caneco!!"
- É muito bom, vais gostar!
Decidida, ataquei um bocado rechonchudo que me encheu a boca toda. "Se tem que ser que seja em grande." Mastiguei e mastiguei, senti o sabor a invadi-me, e continuei a mastigar.
- Bolas, meninas, isto parece pastilha elástica de tripa! - reclamei, dando por finda a experiência.
- É porque tiraste um bocado dos grandes. Experimenta um mais pequeno. - Aconselhou a Marina.
- Sim! Temos que dar uma segunda oportunidade a tudo!- ajudou a Paulina.
Voltei a comer e converti-me, num instante, numa apreciadora convicta.

"Quantas coisas boas perdemos, ao longo da vida, por causa das primeiras impressões falseadas?" pensei enquanto caminhava na alegre e fria noite. "Quantas convicções de 'não gosto', 'não sei', 'tenho medo' e 'não consigo' deixamos que se criem em nós por não nos darmos ao trabalho de experimentar de novo!?"
A miúda gira meteu-se comigo, arrancando-me às divagações.
- Canta connosco!
- Hã?
- Só o refrão, vá lá!
Pior do que não dar a nós mesmos a segunda oportunidade é nem sequer dar a primeira. Cantei com eles até chegar ao hotel. E foi lindo!

Ana Amorim Dias

No nosso primeiro mundo

No nosso primeiro mundo

Lembrei-me de quando era mesmo bem pequenina. De quando, aos sábados de manhã, saltava para a grande cama dos meus pais e me sentava na barriga dele, a falar sem parar. Fiquei para sempre com a ideia de que me ouvia encantado. Não faço ideia do que dizia ou contava, mas creio que era o seu ar deliciado que colocava ainda mais alegria e convicção no meu discurso infantil.

Com os meus irmãos e a minha mãe, sempre foi a mesma coisa: chamavam-me às decisões; ouviam-me; valorizavam-me; apoiavam-me.

Hoje olho para mim, para o que faço e como o faço, e atribuo a todos eles grande parte dos créditos por esta confiança tranquila que me faz avançar sem quaisquer hesitações. Tenho eternamente presente a forma construtiva e atenta como me escutaram e valorizaram desde que me lembro de ser gente.
É por isso que sempre falei com os meus filhos não como crianças mas como pessoas fantásticas cujas opiniões e sugestões escuto sempre com uma deliciada atenção: porque não me posso esquecer que a maior confiança em nós mesmos se forja desde o início da vida, naquele que é o nosso primeiro mundo.

Ana Amorim Dias

Carga humana

Carga humana

Saiu com o caminhar determinado e inconfundível que já conheço tão bem. Eu esperava-o no aeroporto há meia hora. Pu-lo a par de todos os planos que nos esperam por estes dias e, como de costume, reafirmou que me entregava, de olhos fechados, a agenda.
Jantámos a falar dos assuntos de sempre. Projetos, criação e arte. Desejos, sonhos e metas.
Mas o que vira no terminal do aeroporto não me saía do pensamento: as pessoas a chegar, puxando as suas malas, e a reencontrarem felizes quem feliz os esperava.
"Caramba, como é importante a carga humana que as viaturas transportam. Como é importante cada pessoa em particular!..."
Lembrei-me da pergunta que me fazem sempre, quando me entrevistam a propósito do último livro: "Ana: quem é Eric lobo?". Tenho respondido de muitas maneiras diferentes, mas hoje direi que é alguém que entende o valor de cada pessoa; que é um homem que compreende e exulta o valor da carga humana. Porque não são os grandes feitos que fazem as grandes pessoas. A única coisa que faz com que sejamos realmente excecionais é a humanidade que somos capazes de usar em cada um desses feitos.

Bem, e agora deixem-me ir que temos encontro marcado na praça da alegria.

Ana Amorim Dias




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Filhos de chocadeira

Filhos de chocadeira (para não dizer de outra coisa)

Cada vez me convenço mais de que a maior parte dos governantes são filhos de chocadeira (para não dizer de outra coisa). Ou que, pelo menos, nisso se transformam depois de chegarem ao poder e engrenarem os seus comportamentos nos códigos de conduta da coroa dos intocáveis. Muitos deixam de ser humanos, creio. Deixam de se lembrar que são filhos e netos de alguém que envergonham, e que os seus ascendentes talvez tenham trabalhado muito para que eles pudessem chegar mais longe.
Quando os responsáveis pelos destinos dos países chegam aos lugares cimeiros e passam a deter o poder das grandes decisões, esquecem tudo o que proclamavam, deixam de acreditar em tudo o que acreditavam e, mais grave que tudo o resto, perdem a humanidade. Tudo se converte em cifras.
- É o único caminho, a única solução.- proclamam, como se falassem para uma massa descerebrada e disforme, esquecendo que foi das costas de quem agora roubam da mais ilegal e vil maneira que saiu a riqueza que, de tanto servir os mamões, não chegou para suportar a viabilidade económica da nossa maravilhosa nação!
Há sempre outros caminhos e outras soluções. Pelo menos para quem não se rende às mafiosas regras do poderio corrupto que desde há décadas governa este nobre povo.
Poderia continuar, mas mais não digo.

Ana Amorim Dias



As forcas de autoridade andam a identificar os idosos que vivem sozinhos


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Os gatos não fazem rotundas

Os gatos não fazem rotundas

Era um dos primeiros do dia deste ano. Eu estava numa rotunda... com um carro da polícia mesmo atrás de mim. "Ohhh shit! O que é que disseram nas notícias, mesmo? Ah, sim: fazem-se sempre por dentro e só se pode ir para a faixa de fora mesmo antes da nossa saída... Ou haverá hipótese de sair na seguinte?"
Nesse dia safei-me às garras da justiça. Nem de outra maneira podia ser pois costumo ser cumpridora. Mas fiquei a matutar sobre as rotundas pois sabia que seriam a analogia perfeita para algo.

Ontem estava a trabalhar e o gato sentou-se ao meu lado, com aquela carinha de mimo impossível de resistir. Parei o que estava a fazer e fiquei a olhar para ele: tentou roer-me os auriculares, espreguiçou-se, recebeu umas festinhas, bocejou, adormeceu, voltou a acordar, olhou para mim (juro que acho que ele me sorri) e tornou a recostar-se, com um ar cansado mas satisfeito.
- Tu nunca ficas de mau humor, pois não?- perguntei-lhe baixinho. E lembrei-me outra vez das rotundas.

Sempre gostei de rotundas e sempre hei-de gostar. Porque nos não a hipótese de escolha. Quem nunca deu nelas mais do que uma volta para perceber melhor a saída certa?
Mas o que pensei ontem, ao olhar para o meu gato que nunca se irrita, foi que as pessoas têm o hábito de ficar presas nas "rotundas do mau humor" sem saber dar pisca, encostar à direita, e sair dali o mais depressa possível. Quando atitudes alheias nos deixam de mau humor, gostamos de ficar a cozê-lo em lume brando, sem perceber que que a culpa do nosso estado de espírito é única e exclusivamente nossa; sem perceber que é sobre nós que recai a escolha de não desperdiçar tantas horas às voltas nesse círculo interminável de uma irritação que não nos compete.

Os gatos não fazem rotundas: limitam-se a enroscar-se no sofá com a tranquilidade própria de seres muito sábios. E nós? Será que da próxima vez que alguém nos irritar, saberemos dar pisca e sair rapidamente da nossa rotunda de mau humor?

Ana Amorim Dias

Como um samurai

Como um samurai

Creio que já não é a primeira vez que narro este episódio, mas hoje preciso dele de novo.

O catraio devia ter uns seis anos e ia no carro com o irmão mais velho ao seu lado. Como tantas vezes, conseguiu (já não recordo de que maneira) fazer com que a minha paciência entrasse em curto circuito. Preparada para lhe dar uma lição memorável, encostei o carro na berma e saí pela minha porta, direita ao banco de trás. E foi então que ouvi: "Depressa, Tomás! Traaanca o caaaarroooo!!"
Fiquei do lado de fora, sem saber se havia de romper em gargalhadas ou deixar crescer ainda mais a minha já intensa fúria...

O novo ano trouxe-me pessoas a precisar de ajuda. Aparecem-me sem aviso, chegando à minha vida das mais inusitadas formas. Tento ajudar como posso, percebendo que é com as palavras que algum positivo efeito vou conseguindo causar.
- Já não consigo ler o futuro, Ana!-
- Ah tu eras vidente, é?-
- Não, mas conseguia ler o futuro e preparar-me para ele!-
- Deixa-te de merdas! Estás é com uma pena de ti que até mete nojo! Devias respeitar-te mais e saber ler, sim, as tuas capacidades para enfrentares a vida!
Sei que posso ser um pouco dura mas, às vezes, só assim é que fazemos estremecer os alicerces alheios, levando-os um pouco mais para o contra-ataque aos problemas.

Ou então são desgostos de amor:
- Já não sei viver mais com esta dor... Dói demais, Ana, eu não merecia.
- Ninguém merece sofrer, querida! E muito menos por amor! Concentra-te em ti, agora. Procura o amor próprio durante uns tempos e não o que vem de fora. Tenta esquecer e avança!

Passamos demasiado tempo a lamber feridas e a fugir de enfrentar os touros pelos cornos. Passamos demasiado tempo em auto comiserações patéticas que nos desrespeitam e enfraquecem, quando na verdade devíamos fazer como o meu filho mais novo: encontrar soluções instantâneas e guerrilheiras para a supremacia do nosso bem estar.

Naquele dia, há tanto tempo, o João safou-se de umas belas nalgadas por ter "desarmado" o "inimigo" com fortes gargalhadas. Mas o certo é que todos os dias são dias de desarmarmos a nossa pena de nós mesmos. Todos os dias são dias de esquecermos o que nos magoa e aprendermos a ler o futuro usando a lei da boa atracão a nosso inteiro favor. E, sim, todos os dias são dias de investirmos contra os problemas, como um samurai que se "vai a eles" com a atitude vencedora que os desfará em pó... ou gargalhadas.

Ana Amorim Dias

De filtros limpos

De filtros limpos

- Mas que raio..
Olhei para a máquina com desagrado. A loiça estava muito mal lavada. O que se estaria a passar?
Olhei lá para dentro, abri os compartimentos e dei com um filtro cheio de porcaria.
- Humm...
Tirei-o, limpei-o e votei a pôr a máquina a lavar.
Mais tarde verifiquei que o assunto estava resolvido: de filtros limpos a "criatura" já funcionava bem!

Fiquei com a ideia de que muitos problemas deixam de existir se andarmos de filtros limpos. As atitudes alheias que nos desagradam e encaramos como um ataque pessoal, por exemplo, ficam absolutamente desvalorizadas quando as recebemos de filtros limpos. Ou seja, ao termos a capacidade de nos elevar, entendendo que aquela certa frase ou atitude é do outro e não nossa, percebemos que o problema não é nosso e que não nos devemos desgastar com ele. Ao termos a noção de que quando coisas más nos acontecem isso não é a vida a conspirar contra nós (e sim apenas algo menos bom que por vezes acontece) conseguimos continuar ligados à nossa energia essencial e seguir com a nossa vidinha, construindo o que ficou destruindo ou, simplesmente, seguindo outro caminho.
Ter os filtros limpos equivale a encarar a vida com otimismo e não permitir que as coisas menos boas afetem o que sentimos, o que queremos e a forma como agimos. Ter os filtros limpos é aceitarmos-nos e mantermo-nos na nossa trilha, sem deixar que as pedras encontradas no caminho nos façam tropeçar e cair; é continuar a acreditar em nós mesmos e em todo o nosso valor.

É por isso que ninguém me tira da ideia que, com os filtros desta maneira limpos, a "máquina" que todos somos cumprirá a sua missão.

Ana Amorim Dias

Saber a letra de cor

Saber a letra de cor

Eu abanava-me toda, enquanto ia fazendo o jantar. Já não sei qual era a música que a aparelhagem tocava, mas eu cantava com a convicção de quem se crê em pleno palco.
- Oh mãe, se já sabes a letra de cor, para que é que estás a ouvir isso?
Pimba, o estupor do miúdo pequeno tem que me baralhar sempre as ideias. Como não me saiu resposta pronta, reservei a frase cá dentro, no cantinho cerebral dos temas por explorar.

Hoje regressei à consciência com a sensação de ter passado a noite inteira a sonhar. Não consegui lembrar-me dos sonhos mas não me importei. Sei que foram bons. Apeteceu-me um banho no mar: há já quase dois meses que não me entrego ao seu chamamento, que eternamente em mim mora. "Vinte e seis de Janeiro..." pensei, "no ano passado, o primeiro banho foi a vinte e seis de Janeiro". Ponderei fazê-lo hoje. Cá no sul não há vento e o sol brilha. "Nááh... Fica para outro dia, para quando não aguentar mais as saudades!"

Há chamamentos interiores que moram eternamente em nós, da mesma forma que há sonhos que sempre nos acompanham. E então, ainda deitada na cama, lembrei-me do comentário que o João fez ao ver-me ouvir uma música que eu já sabia de cor. Há sensações que conhecemos de cor, mas a que nos entregamos sempre como se da primeira vez se tratasse. "Em breve, mar, em breve mergulharei em ti e até talvez leve a prancha!"

Ana Amorim Dias

A coisa mais importante

Talvez a coisa mais importante que poderás ler:

De cada vez que consigo fazer entender os factos a uma nova pessoa, sinto-me vitoriosa.
Sei que somos sete bilhões neste planeta, mas cada um conta para lá do imaginável! E, de facto, a alegria de iluminar novas almas é algo que não se pode comparar a mais nada. Sabermos que fomos (ou estamos a ser) responsáveis pela mudança energética, emocional e comportamental de alguém, dá-nos uma nova dimensão à vida.

Grande parte da humanidade faz depender a sua alegria de fatores externos: ou daquilo que se tem, ou da atenção e amor que lhes é entregue por outros. Os relacionamentos humanos são um dos maiores responsáveis pela felicidade com que se vive e, de entre eles, os mais determinantes são, claro está, os amorosos.
Creio que ninguém discordará se eu disser que, para a grande maioria, a felicidade depende do "outro". Vive-se a incessante luta pela atenção, pelas manifestações de carinho e pelo amor, porque tudo isto faz a diferença entre o vazio absoluto e a mais completa alegria. É óbvio que precisamos de amor, de amizade, de relacionamentos humanos sólidos e estáveis e da sensação de pertença. Mas a que custo? Quantos milhões de relacionamentos patológicos existem? Quantos milhões de chantagens emocionais e de lutas pela supremacia relacional? Quantos milhões de pessoas conformadas em relacionamentos que consistem apenas na incessante guerra pela conquista da energia alheia?
Desconfio que há mesmo muitos milhões que desconhecem o verdadeiro amor; que não sabem em que consiste a troca abnegada de energias e afetos...por nunca a terem vivido. Será azar? Não! É algo tão simples quanto a compreensão de que somos nós e apenas nós os responsáveis pela nossa alegria. Ela vem de dentro. Sempre.
Vivemos na ilusão de que são os outros que nos fazem felizes.
Acordemos pois para a realidade: a escolha da frequência, da alegria ou da tristeza, compete-nos a nós! Só sobre nós recai essa responsabilidade, sobre mais ninguém. E é nessa altura, em que entendemos e integramos em nós este entendimento, que a vida começa a conspirar a nosso favor de todas as maneiras possíveis.

Nenhum comportamento pode alterar a minha consistência feliz, mas sem dúvida que encaminhar os outros para a energia correta me faz ainda mais plena!

Ana Amorim Dias

Sabedoria em cadeia

Sabedoria em cadeia

- Mas, Ana, que grande dedicatória! Não era preciso tanto...
Expliquei-lhe que sim, que é preciso. E justifiquei-lhe porquê.
- Quando um escritor entrega um livro seu, tem a obrigação de ser generoso nas palavras, só assim honra de facto a sua obra e quem a irá ler. Não o fazer seria desvirtuar as centenas de páginas seguintes.
Observei o seu ar encantado e prossegui.
- Quem me ensinou isto foi o Eric. E tenho sempre presentes todas as suas lições.

Foi ontem, ao almoço, que nos conhecemos. Falámos sem parar durante mais de duas horas e percebemos como vai nascer, íntegra e fiel, a versão inglesa de "Olho Ubíquo". Achei piada ao facto de, por várias vezes, a minha homónima Ana, a tradutora, se ter perdido a falar de mentores, professores e pessoas que a inspiraram. Sempre com um brilhozinho nos olhos.

À noite recebi uma mensagem muito extensa de alguém, que ainda não conheço, a explicar o quanto ler-me a ajuda. Terminou dizendo que quase lhe apetecia dormir agarradinha à dedicatória que lhe escrevi, pois não se cansa de a ler.

Não fiquei siderada nem com o ego inflamado. Sorri apenas, sentindo-me agradecida pela sabedoria que me tem sido entregue por todos os meus mentores. No fundo é tudo uma sequência em cadeia: eles aprenderam com alguém, escolheram-me como discípula (ou o inverso, talvez) e agora, enquanto vou exercendo cada um dos ensinamentos, percebo que é na sua realização que também me vou tornando mentora.

Ana Amorim Dias

Crescer e amar

Crescer e amar

Hoje isto vai ser um dois em um. Não porque os temas sejam indissociáveis, mas simplesmente porque são mais eficazes juntos.

- Sabes uma coisa?
- Diz.
- És convencida, manienta, mas gosto de ti!
Fartei-me de rir. E desmistifiquei-lhe a confusão.
- Nada disso! Isto é só uma coisa que também vais aprender a ter: um amor próprio à prova de bala! Gosto de mim como nunca ninguém poderá gostar. E é tão bom!

Ontem à noite, em conversa com uma outra amiga, o tema regressou. Sem que me recorde já a que propósito se dirigiu a conversa nessa direção, dei por mim a dissertar de novo sobre ele.
- O amor mais importante de todos vem de dentro e vai para dentro. Só quando sentimos este amor, a funcionar num circuito interno perfeito, é que estamos finalmente prontos para amar incondicionalmente os outros, com todo o perdão e toda a compreensão, mesmo os desconhecidos. E sabes o que é que é giro? É que quando se vive neste estado, tornamos-nos tão magnéticos que toda a gente nos ama, de uma ou outra maneira.

Desconfio que o amor de circuito interno está diretamente ligado ao crescimento. Quem ama assim quer aprender tudo, anda atento, está pronto para se construir até às últimas consequências porque tem a consciência da obrigação de dar o melhor de si. A si mesmo e aos outros.

Há quem seja convencido e maniento para passar ao mundo uma imagem de perfeição que talvez não corresponda à realidade. E há quem passe erroneamente a impressão de ser convencido e maniento, por se amar com uma auto-suficiência consciente das imperfeições e de tudo o que lhe falta crescer.
Assumo, humildemente, o risco de parecer algo que não sou. Mas alimentarei para sempre o circuito interno deste forte amor por mim, na certeza de que batalharei todos os dias por continuar a crescer e a tornar-me na pessoa que sonho vir a conseguir ser.

E tu?

Ana Amorim Dias