(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

18.6.14

Tourada

Fui incapaz de aplaudir

- Eu não vou!
- Calma, também ninguém te está a dizer para ires.
Há uns dias o Ricardo perguntou aos miúdos se, antes de irmos à feira de Sevilha, gostariam de ir à tourada. Embora, ao contrário deles, a minha primeira reação fosse a recusa, percebi bem depressa que apenas me sentiria confortável para escrever sobre o tema se aceitasse ir a uma. Talvez assim entendesse o que leva tanta gente a pagar para delirar com a morte de animais inocentes.

O primeiro touro entrou na arena em passo lento, olhando confuso em seu redor. Vieram os quatro homens das capas rosa, para o cansar um pouco e depois, ao sinal do lenço branco do presidente da corrida, apareceu o senhor a cavalo, com um chapéu à Dom Quixote, que lhe deu duas facadas no dorso para que perdesse o sangue e as forças. Seguiram-se as bandarilhas, espetadas de par em par e, no fim, o matador, que lhe enterrou mais duas espadas nas costas. Mas não o deve ter feito com a eficiência devida porque o pobre animal ainda teve que levar uma misericordiosa estocada no cimo da cabeça para ir finalmente ter com os anjos do paraíso taurino.

Assisti à morte de um atrás de outro, até à conta de meia dúzia. Sempre a tentar lidar com os arrepios indignados que me percorriam a pele e com o sentimento de culpa por não desatar aos berros para tentar salvar pelo menos um dos pobres animais. Mas o que mais trabalho me deu foi o exercício de compreensão da multidão exultante. Vibravam com a coragem dos homens dos grandes "cojones" e dos fatos circenses? Entusiasmavam-se com o sangue que corria dos touros? Tiravam prazer de estar a ver um nobre animal, acossado e confuso, a fazer papel de tonto antes da final expiação? E que dizer da efusiva aclamação geral no momento em que o bichinho tombava, já sem vida?
Como poderei adjetivar isto? Grotesco? Desumano? A verdade é que não sei, não consegui decifrar o mistério de haver gente que vê "arte" na morte por diversão.
Torceria pelo toureiro se ele estivesse nos campos, sem público, a defender a sua vida e a dos seus em pé de igualdade com o animal. Aí teria a minha admiração e palmas. Ali? Na arena da Maestranza? Fui incapaz de um aplauso.

- Mãe? O que é para ti a tourada?- perguntou o Tomás mais tarde.
- É uma manifestação aberrante da ausência de limites do ego humano.

Ontem fiquei mais triste por ver tantos milhares de "humanos" a vibrar como animais, do que por ver seis animais que morreram como nobres seres.

Ana Amorim Dias

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