(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

18.6.14

A ponte

A ponte

Passo pela pequena ponte todos os dias para levar os miúdos à escola. Só lá cabe um carro e, como nunca costumo ter grandes pressas, tenho o hábito de, tranquila e gentilmente, ceder passagem a quem vem aflito (a malta anda sempre como se o mundo fosse acabar daqui a duas horas) no sentido contrário.
Esta manhã notei que os meus filhos ficam um pouco tensos, na expetativa de ver se o/a outro/a condutor/a me agradece ou não a cedência porque, sempre que não o fazem, fico a blasfemar (com palavrões cabeludos) contra a má educação que prolifera por aí. E hoje, depois de ceder a passagem sem que me agradecessem o gesto, a irritação foi tão grande que comecei a imaginar atitudes radicais para a próxima vez que isto aconteça...

- Olha! Um xadrez gigante! Bora? Vou-te ganhar!!
Estavamos na feira do livro e ele aceitou o desafio da minha fanfarronice infantil.
- Duvido minha menina!!
Duvidou bem. Dez minutos decorridos e eu estava quase sem peões, com os bispos e cavalos todos aniquilados, a tentar salvar a vida do meu rei a todo o custo, num jogo puramente defensivo, sem esperança possível de salvação.
No fim, depois de ter posto fim à minha agonizante angústia, o Eric disse-me simplesmente: "Desculpa... mas o mestre não podia deixar ganhar a discípula."
Sorri-lhe. Pior que perder é jogar com quem me deixe ganhar sem que eu o mereça. Assim não aprenderia nada.

Ainda no carro, lembrei-me do recente episódio e os planos de ataque contra quem volte a ser mal educado naquela ponte desvaneceram-se por completo. A má educação jamais se combate com má educação. Da mesma maneira que as más energias apenas se dissipam com as boas. Continuarei a ceder a passagem sempre que veja apressados condutores a vir em sentido contrário. A quem agradecer entregarei um sorriso. A quem não o fizer, deixarei os silenciosos votos de que algum dia aprendam que o mundo não vai acabar daqui a duas horas e que a boa educação sabe ainda melhor a quem a pratica do que a quem a recebe. Quem o disse foi a mestre que há em mim. A discípula ouviu, concordou e aprendeu.

Ana Amorim Dias




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