(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

18.6.14

Inesperada abundância

Inesperada abundância

Seis da manhã e as palavras dela rebolavam-me na mente. "Bolas, vou ficar impossível de aturar, devia dormir mais um pouco". Reformulei o pensamento. "Impossível de aturar já eu sou quase sempre..."

Já não recordo o nome da escritora de quem há dias li um artigo a preconizar que todos os escritos e palestras dos escritores devem ser pagos. Defendia que, ao aceitarmos não ser pagos estamos a prejudicar os outros.

- Anda. Quero mostrar-te uma coisa.
- Figos?? Já há figos maduros?
- Shhhh. Traz uma cesta e vem comigo.
Chegámos perto de uma ameixeira que sempre me passou despercebida e vi-a linda, pródiga de frutos.
- Mas esta nunca tinha dado...- espantei-me.
- Pois, é para que vejas... Este ano resolveu-se.
Comemos, deliciados com o sabor daquela abundância silenciosa e doce.

A luz entrava no quarto pelos catorze metros quadrados de janelas e portas. Seis e um quarto. Como podia dormir com uma vista assim? O diferente de canto de muitos pássaros distintos, enchia o amanhecer de alegria. "Eu escrevo e dou. Dou. Dou. Dou. Participo em palestras sem me importar se vou ser paga ou não... Será que a tal escritora tem razão e nos devemos fazer cobrar por tudo? Afinal escrever é trabalho, sem dúvida."
Espreguicei-me languidamente enquanto me lembrava do desconforto sentido ao receber as primeiras notas pelos primeiros livros vendidos. Era como se estivesse a vender filhos, uma espécie de prostituição cerebral e artística.
Olhei de novo para imensidão de abundância que rodeia a casa por fora. Senti a abundância de amor e paz dentro dela. E, em mim, a opulência de energia criativa. Cada criador que faça o que quiser com as suas obras, sejam elas de que conteúdo, teor e forma sejam. Mas não vejo a dádiva artística como uma prática de dumping. Triste de quem se move, na arte, tendo como meta final o vil metal. Adoro dinheiro e todas as suas utilidades, entenda-se, mas adoro muito mais a abundância interior trazida pela simplicidade de quem sabe ser tão pródigo como aquela ameixeira.

Ana Amorim Dias

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