(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

18.6.14

Olhar para dentro

Olhar para dentro

- Tu és viciada em adrenalina.
- Não sejas doida! Viciada em adrenalina, eu? Até sou um bocado medrosa, como é que podes dizer isso? - estavamos a almoçar num restaurante junto ao mar.
- Repito e confirmo: és a pessoa mais viciada em adrenalina que eu conheço!- tornou a Ângela.
Comecei a rir.
- Isso é porque conheces pouca gente!- juntou-se a mim nas gargalhadas porque ambas sabemos que ela conhece milhares de pessoas.

Nos dias seguintes fiquei a matutar no que me disse. Conhece-me bem há mais de vinte anos, nunca deixámos que a vida nos afastasse e até chegámos a viver juntas... Então como é que ela pode ter uma ideia de mim tão diferente da minha?
Haverá léguas de distância entre o que pensamos ser e o que realmente somos? Será verdadeira, a forma como nos vêem os outros? Ou uma miragem tão distante como a chegada do levante, ao fundo, no mar?

Pensei na maneira como me vê quem está perto. O meu marido acha que sou uma eterna miúda mimada, meia "pedaço de mau caminho" e meia tanque de guerra, com pequenas explosões de feitio que ele acha encantadoras. A minha mãe vê-me como uma filha voluntariosa e divertida que, além de levar sempre tudo à frente, precisa de muito espaço vital e liberdade. Os meus filhos vêem-me como a mãe louca, diferente e imprevisível que os consegue surpreender todos os dias. Para todos os outros creio que passo a ideia de pessoa expressiva e expansiva.
No fundo tudo isto é verdadeiro, mas a pergunta que fica é: "quem sou eu quando estou sozinha comigo"? Ou melhor: quem és tu quando estás sozinho contigo? És igual à ideia que tu e os outros têm de ti? Ou uma mera aproximação a todas as características que te atribuem?

"Viciada em adrenalina... Humm...", matutei. Talvez ela quisesse dizer "viciada em emoções fortes, sensações intensas, vivências extremas, momentos cheios de significado!" Sim, é isso! Eu estava sozinha comigo a tentar descortinar, de novo, quem sou. E, como de costume, pareceu-me deveras óbvio: sou a escritora que só sabe respirar emoção e que, por isso, consegue ser um pouco de tudo.

Ana Amorim Dias

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