(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.7.14

O que nunca me ensinaste

O que nunca me ensinaste

- Continue, continue!
Regressei à resposta que lhes estava a dar, exatamente onde a tinha deixado. Ao vê-lo a retomar a conversa com quem estava ao seu lado, voltei a calar-me.
- Prossiga, então!?
- Para quê? Ninguém me está a ouvir!
Corria o mês de Julho do ano de 1995 e eu chumbei naquela cadeira, tendo que a deixar para Setembro. Foi a primeira e única vez que provei de verdade o humilhante travo da derrota.

Mais tarde, quando lavada em lágrimas te liguei, a carpir as dores do falhanço, proferiste a única resposta de consolo que alguma vez tiveste que dar-me: "Anutchka!! Pára imediatamente antes que eu me zangue contigo! Que mal faz chumbar de vez em quando? É normal!" Depois riste-te da minha birra inconsolável e deste-me mimos ao longe.
Costumavas dizer "Lá enganaste mais uns!" de cada vez que eu trazia uma nova cadeira feita e mais um ano passado, lembraste? Costumavas nunca te preocupar porque sabias que eu não ia falhar e, se acaso falhasse, lá estarias, com o teu vozeirão patriarca, para me fazer ver a patetice da magnitude que eu conferiria àquela dor. Só o fizeste dessa vez. Não foi preciso mais. Talvez por isso eu nunca tenha aprendido como se falha.
Habituei-me a ver tanta admiração, pai, no reflexo que a minha imagem devolvia através do teu olhar, que a passei a procurar eternamente no meu próprio rosto e no conceito que tenho de mim. Habituaste-me mal por me veres sempre como uma vencedora em potência, aquela que te fazia sorrir por te saber fazer frente, aquela que te enchia de orgulho. Um orgulho tão grande que ainda hoje o sinto... É por isso que sei que falhaste em ensinar-me como se falha.

Acabo de chegar, pai. Fui fazer o exame prático de mota. Levei-te atrás, agarradinho a mim. Levei-te a pulsar-me nas veias e a bater-me no coração. Levei-te dentro. Mas sabes, desta vez falhei de novo, só que agora, ou muito me engano, ou ainda estás bem a tempo de me ensinar como se falha...

Ana Amorim Dias

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